O estatuto jurídico precário e circunstancial do estado enquanto sujeito precípuo da ordem normativa internacional

AutorPedro Ivo Ribeiro Diniz, Leonardo Nemer Caldeira Brant
CargoProfessor de Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG/Professor de Direito Internacional da Universidade Federal de Lavras-UFLA
Páginas136-166
O estatuto jurídico precário e circunstancial
do estado enquanto sujeito precípuo da
ordem normativa internacional
The precarious and circumstancial legal status of the state as
the foremost subject of the international normative order
Leonardo Nemer Caldeira Brant*
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil.
Pedro Ivo Ribeiro Diniz**
Universidade Federal de Lavras, Lavras – MG, Brasil.
1. Introdução
O Estado manifesta-se como elemento cardeal e estrutural do Direito In-
ternacional. A ordem normativa internacional deriva, fundamentalmente,
das dinâmicas interestatais. Não obstante a emergência de diferentes ato-
res e novos sujeitos na sociedade internacional,1 estes orbitam ao redor
dos Estados, que mantêm a centralidade no ditame, não apenas das regras
internacionais, como do processo de consolidação destas expressões insti-
tucionais contemporâneas.2 Nas palavras de Warbrick, o Direito Interna-
* Professor de Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Doutor em Direito
Público pela Université Paris X Nanterre. Presidente do Centro de Direito Internacional - CEDIN. E-mail:
leonardo@cedin.com.br.
** Professor de Direito Internacional da Universidade Federal de Lavras – UFLA. Doutor em Direito Público
pela PUC-Minas. E-mail: pedrodiniz@gmail.com.
1 Em que pese posicionamentos clássicos como de Lauterparcht, observando que a “doutrina positivista
ortodoxa afirma explicitamente que só os Estados são sujeitos de direito internacional.” Ver, nesse sentido,
SHAW, 2010, p. 148.
2 “Isso não quer dizer que valores não estatais como ‘direitos humanos’, ‘economias eficientes’, ‘ambiente
limpo’ ou ‘justiça’ seriam objetivos indignos da ação política. A discordância sobre eles fornece a vida e
o sangue da comunidade política. Os defensores do sistema estatal apenas observariam que esses valores
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cional trata-se, sobretudo, de Estados e quando remete a outras perspec-
tivas, é somente porque os Estados decidiram nesse sentido, convergindo
em determinada mudança por meio de suas competências, “(...) criando
organizações internacionais, conferindo direitos e impondo deveres aos
indivíduos, reconhecendo o caráter jurídico das reivindicações de ‘povos’ e
de ‘unidades de autodeterminação’”.3
Esta condição permanece válida e corrente mesmo diante de críticas
de que estaríamos, atualmente, “testemunhando a dissolução do Estado,
o desaparecimento ou a retirada da soberania estatal, ou o processo de
sucumbência do Estado de seu status de unidade central dentro da ordem
global existente”4 em razão das novas estruturas e relações institucionais
atreladas, particularmente, ao regime de Direitos Humanos. Como Peru-
gini5 ressalta, de forma pertinente, a fragilidade destes argumentos6 pode
ser ilustrada pela decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) de não ins-
taurar investigação sobre os supostos crimes de guerra ocorridos em 2014,
na região de Gaza, em ações militares perpetradas por Israel. A decisão foi
assim tomada pela limitação convencionalmente imposta ao Tribunal no
sentido de que pode processar apenas aqueles crimes cometidos em terri-
tório (ou por nacionais) de Estados que ratificaram o Estatuto de Roma ou
de alguma outra forma reconheceram sua competência para tanto. Como
conflitam e que ‘somente os Estados forneceram as estruturas de autoridade necessárias para lidar com as
reivindicações incessantes de grupos sociais concorrentes e para fornecer justiça pública essencial à ordem
e responsabilidade sociais’ (Schachter 1997, p. 22). Os estados podem ser afastados, é claro, por consen-
timento ou revolução, mas há perigos em tais transformações, algumas das quais são bem conhecidas, e
algo sobre esses perigos resulta de sua natureza teleológica.” KOSKENNIEMI, 2003, p. 95, tradução nossa.
3 WARBRICK, 2003, p. 205. Tradução nossa. No mesmo sentido: “A comunidade internacional é baseada
em categorias de participantes; e apesar das ressalvas sobre o desaparecimento do sistema westfaliano, os
Estados continuam a ser a categoria dominante na ordem jurídica internacional, detendo direitos e obri-
gações na mais ampla gama de campos jurídicos internacionais.” RONEN, 2013, p. 23. Tradução nossa.
4 GORDON; PERUGINI, 2015, p. 20. Tradução nossa.
5 Op. Cit.
6 No mesmo sentido, Koskenniemi (2003) defende a prevalência do estadocentrismo sob uma perspectiva
prática: “Os vocabulários universalizadores de direitos humanos, liberalismo, interdependência econômica
e ecológica, sem dúvida, complicaram o direito soberano pela inserção de noções de direito público como
jus cogens e ‘obrigações devidas à comunidade internacional como um todo’ e por ‘fragmentar’ o sistema
internacional por meio da dinâmica fluida da globalização. Mas não foi substituído por algo reconheci-
damente não-Westfaliano. Nenhuma das direções normativas - direitos humanos, valores econômicos ou
ambientais, ideais religiosos - conseguiu estabelecer-se em uma posição dominante. Pelo contrário, o que
esses valores podem significar e como os conflitos entre eles devem ser resolvidos é decidido em grande
parte por meio de instituições ‘Westfalianas’. (...) Os objetivos do Estado e a sobrevivência do Estado con-
tinuam sendo os objetivos mais importantes do sistema.” KOSKENNIEMI, 2003, p. 94-95, tradução nossa.
O estatuto jurídico precário e circunstancial do estado
enquanto sujeito precípuo da ordem normativa internacional

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