O Espiritismo frente à Igreja Católica em disputa por espaço na Era Vargas

AutorSinuê Neckel Miguel
CargoBacharel em História pela UFRGS e mestrando em História pela UNICAMP
Páginas203-226
O Espiritismo frente à Igreja Católica em disputa por espaço na Era Vargas 203
O ESPIRITISMO FRENTE À IGREJA CATÓLICA EM
DISPUTA POR ESPAÇO NA ERA VARGAS
Sinuê Neckel Miguel*
Resumo: De 1930 a 1945, na Era Vargas, as lideranças espíritas e católicas
colocaram em movimento uma série de estratégias de disputa por poder no
campo religioso. Uma delas, fundamental para ambos os grupos, foi a busca de
aproximação com o Estado. O Espiritismo teve de firmar-se na sociedade
brasileira em meio a conflitos judiciais e instabilidades políticas, aguçadas num
contexto de competição religiosa com a Igreja Católica. Valores convergentes
com o varguismo, como trabalho e educação, a inflexão nacionalista e
corporativista e a respeitabilidade de figuras proeminentes com inserção no
funcionalismo público, na imprensa e no meio militar conduziram à configuração
de uma tensa harmonia dos espíritas com o governo Vargas.
Palavras-chave: Espiritismo; Igreja Católica; Era Vargas; Política.
Abstract: From 1930 to 1945, in the Era Vargas, the spiritist and catholic
leaders set in motion a series of strategies of power struggle in religious field.
One of them, fundamental to both groups, was the seeking of a closer relation
with the state. Spiritism had to establish himself in Brazilian society amid legal
disputes and political instability, which was sharpened in the context of religious
competition with the Catholic Church. Values converged with the varguismo
as work and education, nationalist and corporatist inflection and the respectability
of prominent figures with insertion in the civil service, in the press and in the
military environment led to the configuration of a tense harmony between
spiritists and Vargas government.
Key-words: Spiritism; Catholic Church; Era Vargas; Policy.
* Bacharel em História pela UFRGS e mestrando em História pela UNICAMP.
E-mail: sinueneo@gmail.com
204 Revista Esboços, Florianópolis, v. 17, n. 24, p. 203-226, dez. 2010
Neste artigo trato de reconstituir a teia de relações entre o movimento
espírita e a Igreja Católica através do prisma do Estado brasileiro.1 Veremos
que, sob a necessidade de legitimação frente ao poder estatal (num momento
em que esse ganhava grandes proporções tanto no Brasil, quanto no mundo), o
movimento espírita encontrará o poder da Igreja Católica como obstáculo para
a sua inserção social e para a garantia de liberdade de ação frente ao Estado.
Na chamada Era Vargas, a Igreja Católica conseguiu substantiva
aproximação com o Estado, numa aliança que proporcionou a ela
uma margem de vantagens nunca vistas em relação aos
oponentes da supremacia católica. Tanto os inimigos comuns
entre Estado e Igreja (comunistas, socialistas, liberais e todos
os que se opunham ao autoritarismo getulista, principalmente
após 1937) quanto os restritos ao combate católico
(protestantismo, espiritismo kardecista e umbanda), eram
combatidos do lugar privilegiado desfrutado pelo catolicismo
junto ao poder.2
Artur Isaia explica que “embora a Constituição outorgada em 1937
anulasse as conquistas católicas alcançadas em 1934, o Estado Novo tendeu a
manter e aumentar os favores governamentais à Igreja, baseando-se em um
‘pacto moral’ garantido pela amizade entre o Cardeal Leme e Vargas.”3
Já para entendermos a relação do Espiritismo com o Estado, precisamos
fazer uma caracterização sociológica do movimento espírita. Para isso, podemos
tomar como ponto de partida a análise de Bernardo Lewgoy:
O espiritismo, sobretudo a partir do Brasil da era Vargas,
caracteriza-se como uma religião laica da ordem, que prega
a evolução individual pelo mérito. Parte das hostes espíritas
são formadas nessa época, mas não inclui membros
proeminentes da elite republicana, e sim, e com mais
freqüência, uma nova classe de funcionários públicos, civis
e militares que nele se apóiam para se afirmar social e
profissionalmente. Nesse sentido, o espiritismo combina
subalternos e dissidentes das elites sociais e profissionais
no período de construção da engrenagem estatal moderna
no Brasil.4
As lideranças espíritas eram, em geral, socialmente localizadas nas
camadas médias urbanas, assumindo, muitas vezes, cargos públicos de certa

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