Empregado Doméstico: Novas Perspectivas de Tratamento Jurídico

AutorDárlen Prietsch Medeiros e Isabela Márcia de Alcântara Fabiano
Páginas62-69

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Introdução

Apesar de o emprego doméstico ser uma atividade laboral antiga, obter a justa valorização desses profissionais em nosso ordenamento jurídico tem se revelado uma tarefa lenta e árdua.

Diante dessa incongruência, o presente estudo traça breves linhas sobre a evolução legislativa referente ao emprego doméstico, com a análise de leis vigentes, bem assim da Convenção n. 189 e da Recomendação n. 201, ambas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de duas propostas de emenda à Constituição e de alguns projetos de lei pertinentes à matéria.

O objetivo deste artigo é tentar demonstrar e superar os entraves colocados à extensão de todo o manto protetivo em favor dos empregados domésticos.

1. Breve retrospecto histórico

Antes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as relações de emprego eram regidas pelo Direito Civil, especificamente pelas regras de locação de serviços contidas no Código Civil de 1916 e, paulatinamente, foram sendo abarcadas pelas legislações esparsas existentes até então.

No tocante ao trabalho doméstico, a primeira legislação específica que se tem conhecimento foi o Decreto-lei n. 3.078/1941, que pretendia atribuir alguns direitos a esses trabalhadores. O aludido diploma, "(...) porém, impôs, expressamente, para sua efetiva vigência, a necessidade de regulamentação inferior - a qual jamais foi procedida"1.

Com a vigência do Texto Consolidado, a situação dos domésticos permaneceu sem regulamentação ante a previsão constante do seu art. 7º, alínea "a" que, expressamente, negava a aplicação das normas celetistas às pessoas naturais que prestassem serviços de natureza não econômica à pessoa física ou à sua família no âmbito residencial destas.

Foi somente com a entrada em vigor da Lei n. 5.859/1972 que os empregados domésticos tiveram seus primeiros direitos reconhecidos. Foram eles: anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); inscrição na Previdência como segurado obrigatório e férias remuneradas de 20 dias úteis, após 12 meses de trabalho.

O vale-transporte foi concedido aos empregados domésticos por força da Lei n. 7.418/1985, cujo art. 1º determina que o empregador antecipará ao empregado o aludido benefício para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais.

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A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, assegurou aos empregados domésticos os direitos trabalhistas listados no parágrafo único do seu art. 7º: salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (inciso IV do art. 7º da CRFB); irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (inciso VI do art. 7º da CRFB); décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria (inciso VIII do art. 7º da CRFB); repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (inciso XV do art. 7º da CRFB); gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal (inciso XVII do art. 7º da CRFB); licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias (inciso XVIII do art. 7º da CRFB); licença-paternidade, nos termos fixados em lei (inciso XIX do art. 7º da CRFB); aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei (inciso XXI do art. 7º da CRFB); aposentadoria (inciso XXIV do art. 7º da CRFB), bem como integração à Previdência Social (parágrafo único do art. 7º da CRFB).

A seu turno, a Lei n. 8.213/1991, em seu art. 72, inciso II, concedeu aos empregados domésticos o auxílio-doença desde o início da incapacidade - tratamento distinto daquele dispensado aos demais segurados - cabendo ao empregador arcar com os 15 primeiros dias de afastamento do seu subordinado.

Em 2001, com a Lei n. 10.208, o direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro- -desemprego foi estendido aos empregados domésticos, mas somente de forma facultativa, cabendo ao empregador, por ato voluntário, inseri-los no regime fundiário, ou não.

Em 2006, com a vigência da Lei n. 11.324, houve mais avanços justrabalhistas para a relação de emprego doméstico. Em face de esse diploma normativo ser mais recente no cenário jurídico, o presente artigo abordará as principais modificações introduzidas por ele em capítulo específico. A adoção dessa metodologia visa a demonstrar, de forma pontual e objetiva, alguns avanços e conservadorismos relativos à matéria.

2. Lei n 11.324/2006
2.1. Descontos salariais e fornecimento de utilidades

Por força da Lei n. 11.324/2006, foi acrescentado o art. 2º-A à Lei n. 5.859/19722.

Da leitura combinada do caput e do § 2º do referido preceito legal, verifica-se o duplo escopo da norma: de um lado, ela privilegia o princípio da intangibilidade salarial, vedando descontos a título de alimentação, vestuário, higiene e moradia em detrimento do doméstico; de outro, tutela os interesses do empregador, ao afastar expressamente a natureza salarial das referidas utilidades.

Fixado que as benesses retromencionadas se destinam a viabilizar a prestação do serviço (vale dizer, são meros instrumentos para a execução do labor), são desprovidas de natureza retributiva. Logo, não se incorporam à remuneração para o cálculo de outras verbas trabalhistas3 - consequência que, por um lado, tenta amenizar os efeitos pecuniários no patrimônio do empregador doméstico, que não se sentiria estimulado a conceder utilidades, tendo em vista que tal prática oneraria o valor pactuado no contrato de emprego.

Foi prevista, porém, uma exceção ao princípio da intangibilidade salarial, na medida em que o § 1º do art. 2º-A ora examinado autoriza o desconto salarial a título de moradia, quando o doméstico residir em imóvel diverso daquele onde executa as suas atividades laborais.

Embora o dispositivo em análise não mencione a exigência "acordo escrito", é recomendável a elaboração de instrumento contratual para evitar futuras discussões e dúvidas.

O novo regramento constante do art. 2º-A da Lei dos Domésticos produz efeitos a partir da publicação da Lei n. 11.324/2006, sem aplicação retroativa. Desse modo, descontos a título de moradia são cabíveis somente a partir de 19 de julho de 2006. Se, antes da entrada em vigor desse diploma legal, o empregador forneceu gratuitamente e por liberalidade a habitação, não poderá transferir ao doméstico esses custos. É que a prática habitual mais favorável ao trabalhador constitui condição contratual mais benéfica que, incorporada ao vínculo de emprego, não pode ser alterada unilateral, nem bilateralmente, em detrimento do obreiro (art. 468 da CLT).

2.2. Férias

A nova redação dada ao art. 3º da Lei dos Domésticos por força da Lei n. 11.324/20064 aumentou o período de férias desse empregado especial de 20 dias úteis para 30 dias por ano.

A disposição é louvável, pois o descanso anual remunerado é essencial por razões de ordem biológica, psicofísica, familiar e social e, doutro lado, tem o intuito de evitar fadigas e, via reflexa, acidentes do trabalho.

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O maior lapso de férias valerá para os períodos aquisitivos iniciados após a data de publicação da Lei n. 11.324/2006, ou seja, de 20.6.2006 em diante.

Como o diploma em análise é silente em relação às férias proporcionais, prevalece o entendimento de que elas são devidas aos domésticos, uma vez que o Brasil ratificou a Convenção n. 132 da OIT, que só não é aplicável aos marítimos (art. 2º, 1). Portanto, os domésticos têm direito à parcela, qualquer que seja a causa de extinção do contrato empregatício, ressalvada a hipótese de dispensa por justa causa cometida pelo empregado (art. 11 da referida Convenção)5.

2.3. Garantia de emprego

A Lei n. 11.324/2006 acrescentou o art. 4º-A à Lei n. 5.859/1972 para estender às domésticas a garantia de emprego prevista no art. 10, II, "b" do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da trabalhadora grávida, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

A medida merece elogios, seja porque o Brasil confere ao valor isonomia status constitucional, seja porque não há motivos razoáveis para justificar a discriminação em face da doméstica gestante.

O ciclo gravídico-puerperal é único na vida de qualquer trabalhadora, independentemente da atividade que exerça. Ademais, nenhuma empregada pode ficar desamparada em tal momento, devendo-lhe ser asseguradas condições para o saudável desenvolvimento de sua pessoa e de seu filho. Este, mesmo na qualidade de nascituro, tem os seus direitos tutelados legalmente (art. 2º do...

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