Padrões de interação Universidade-Empresa em aglomerações inovadoras do setor eletro-metal-mecânico

AutorPablo Felipe Bittencourt
CargoDoutorando no PPGEconomia da UFF - Doutoranda no IE/UFRJ, Pesquisadora do Cedeplar/UFMG
Páginas104-133

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Pablo Felipe Bittencourt2

Márcia Siqueira Rapini3

1. Introdução

Com o advento da economia baseada do conhecimento, o conhecimento e o aprendizado passaram a desempenhar papel central no desenvolvimento

*Os autores agradecem o apoio da Capes, CNPq e do IDRC/ Canadá. E aos pareceristas anônimos da Revista Textos de Economia pelas sugestões.

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econômico das empresas. O conhecimento passou a ser um insumo importante no processo inovativo e a sua criação interna por parte das empresas tornouse a principal fonte de competitividade. A criação de conhecimento, muitas vezes, emerge de relações de cooperação e de interações pessoais facilitadas pela proximidade geográica. A transferência do conhecimento tácito em particular exige certo grau de articulação entre os agentes além da existência de capacidade para decodiicar a informação trocada. Para que as empresas sejam capazes de aproveitar o conhecimento gerado nas instituições é necessário que as mesmas desenvolvam capacidade interna, que em alguns casos está associada à existência de laboratórios internos de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

A emergência de aglomerações de empresas em determinadas regiões tem sido foco de crescentes estudos, na medida em que as mesmas desenvolvem vantagens competitivas. A atividade inovativa não é distribuída de forma uniforme sobre o território. Evidências apontam que atividades econômicas mais intensivas em conhecimento, tendem a ser mais concentradas geograicamente. Ademais o processo inovativo é fortemente modelado pela base especíica do conhecimento, que tende a variar sistematicamente de acordo com o setor industrial (BJORN & GERTLER, 2005). A interação universidadeempresa também é inluenciada pela proximidade geográica. Esta última potencializa os efeitos de ‘transbordamento’ (spillovers) do componente tácito do conhecimento cientíico gerado nas universidades para as atividades de P&D industrial, e a intensidade das colaborações informais e dos contatos ‘caraa-cara’ (face to face).

O objetivo desse artigo é identiicar e analisar a forma e densidade das interações ocorridas entre empresas inseridas em aglomerações produtivas do setor eletrometalmecânico e grupos de pesquisa brasileiros. Esse esforço pioneiro de mapeamento das interações de empresas brasileiras inseridas em aglomerações produtivas com a estrutura cientíica nacional se desenvolveu sob a hipótese de que a localização da empresa inluencia seu comportamento de busca tecnológica. As conclusões conirmam a hipótese tanto no que se refere a densidade de interações como na forma (tipo) das interações. Os elementos analíticos que apoiaram as análises foram: a localização dos grupos de pesquisa, o número de interação ocorridas e a forma das interações (se via transferência de tecnologia ou contratação de pesquisas, por exemplo).

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O artigo está dividido cinco partes além desta introdução e de uma seção em anexo. A que se segue apresenta uma revisão da literatura sobre a importância da localização geográica dos agentes para os processos de inovação e de interação universidadeempresa. A terceira seção é uma caracterização geral do setor eletrometalmecânico brasileiro, no que concerne os processos de inovação e, mais especiicamente, as interações com universidades de grupos de pesquisa. A quarta seção apresenta a metodologia de identiicação das aglomerações inovadoras. Na quinta seção, com base nas informações da PINTEC II e do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, os padrões de interação UE são analisados nas aglomerações selecionadas e na sexta seção é apresentada a conclusão.

2. Interação universidadeempresa e proximidade geográfica

Essa seção é uma discussão da literatura que enfatiza a localização geográica da empresa como fator capaz de inluenciar seu comportamento de busca tecnológica e consequentemente de interação com instituições de C&T. Outras investigações já apontaram a relevância desse fator para a construção de diversos tipos de canais de interação entre universidades e empresas (Schartinger, et. al. 2001, Schartinger, et. al. 2002 e Monjon e Waelbroeck 2003). Contudo, esse elemento não é o único. Fatores como, o setor da atividade produtiva (Cohen et. al. 2002 e Klevorick et.al. 1995) e as características do sistema tecnológico, por exemplo, também já tiveram sua relevância apontada pela literatura, mas fogem ao escopo desse trabalho.

A consideração da região como uma base fundamental para a atividade econômica ressurgiu no começo da década de 80, na medida em que novas formas de produção estavam emergindo em algumas regiões e não em outras. Estas formas de produção pareciam envolver diferenças regionais e de localização, assim como especiicidades institucional e tecnológica (STOPER, 1997b).

A relevância da localização geográica da atividade produtiva remonta às “economias externas” apontadas por Marshall (1982). As economias externas estariam associadas à concentração de pequenas empresas similares em determinadas localidades, sendo provenientes de três fontes: do

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mercado local de mãodeobra especializada; da provisão de uma variedade de insumos especíicos para a indústria a custo baixo e de maquinário altamente especializado; e do que atualmente se denomina de externalidades tecnológicas41.

Em Industry and Trade, de 1919, Marshall analisou diversas formas de cooperação que emergiram nas indústrias têxteis inglesas no começo do século. O foco era o papel desempenhado pelas associações no aumento da eiciência, especialização e padronização da indústria. Essas associações possibilitavam a constante atualização do conhecimento especíico (manutenção de um especialista, que só era viável inanceiramente no conjunto das empresas), a melhora de métodos e invenções que foram desenvolvidos por um de seus membros, além de viabilizarem o pagamento de propagandas e a extensão do crédito. Este padrão de organização foi por Marshall denominado de “distritos industriais”.

Posteriormente a escola italiana, precisamente os trabalhos de Becattini, desenvolveu o conceito de “distrito industrial marshalliano”, para sintetizar o sucesso das experiências das aglomerações locais no norte da Itália. Este conceito além de centralizar as características econômicas (externalidades da divisão do trabalho) fornece suporte sociocultural e histórico para as interações entre as empresas no distrito industrial (STORPER, 1997a). Desde então, sociólogos, geógrafos e economistas de distintas escolas de pensamento desenvolveram conceitos e metodologias para tentar incorporar a dimensão regional e sua inluência na dinâmica do processo inovativo. Economistas regionais franceses, italianos e suecos desenvolveram o conceito de milieu inovativo, para englobar o contexto que possibilita aos agentes inovarem e se coordenarem com agentes também inovativos. Este contexto é um sistema de instituições regionais, regras e práticas que conduzem à inovação.

A “escola californiana”, por sua vez, baseada na teoria dos custos de transação explica as aglomerações espaciais pela ótica da minimização dos custos de transação. As aglomerações, portanto, aumentam as vantagens das interdependências das empresas (lexibilidade, especialização, minimização de risco). A nova geograia econômica, desenvolvida por Krugman e outros

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teóricos de comércio internacional, explica a concentração da atividade produtiva pelos retornos de escala. Os efeitos de economia de escala afetam a produção intermediária e inal dos bens levando à competição imperfeita e conseqüentemente à especialização e ao comércio intraindústria.

Nessa direção, admitindose que o conhecimento das empresas é localizado, construído a partir da combinação de conhecimento tácito e codiicado interno e externo à empresa, que esses conhecimentos são gerados pelas competências embutidas na memória da organização e no ambiente econômico, regional e setorial de cada empresa, é que, por isso, é de difícil aprendizado, imitação, transferência, adoção e uso em outro lugar (ANTONELLI, 1995). Podese destacar também o processo inovativo como um fenômeno localizado, que envolve conteúdo tácito do conhecimento e que em grande extensão é direcionado pela história, apresentando forte caráter de irreversibilidade que o torna fortemente pathdependent e de limitada transferibilidade.

A mudança tecnológica é também localizada, quando as complementaridades e interrelações, externalidades e spillovers locais realizam papel fundamental na seleção das tecnologias e conseqüentemente na produtividade e custos enfrentados pela empresa. A mudança tecnológica também é localizada porque a decisão das empresas é pathdependent, isto é, a geração, implementação, seleção e adoção de novas técnicas e tecnologias é inluenciada pelas características das técnicas e tecnologias em uso (DAVID, 1985).

A capacidade inovativa de uma área geográica, portanto, é o resultado de eventos históricos que determinam a trajetória de crescimento da região. A coalocação de recursos complementares fornece economias de escopo que beneiciam a inovação e a comercialização de novos produtos. As instituições complementares da infraestrutura tecnológica fornecem recursos e conhecimentos para o processo inovativo, gerando externalidades positivas e spillovers que diminuem o custo de...

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