Efeitos da aprovação das contas e das demonstrações financeiras das companhias

AutorAlfredo Sérgio Lazzareschi Neto
Páginas139-156

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1. Controle da gestão dos negócios sociais na Lei das S/A

Diante da relevância do dever de informação1 e do correspectivo direito de fiscalização dos acionistas,2 a Lei das S/A estabelece rígidos procedimentos para o controle da gestão dos negócios sociais,3 con-figurando a realização da assembleia geral ordinária o principal instrumento de informação e fiscalização colocado a serviço dos acionistas.

De fato, tirante o excepcional direito à exibição de livros previsto no art. 105 da Lei das S/A, a assembleia geral ordinária constitui a única porta aberta aos acionistas não controladores para inteirar-se da situação econômico-financeira da companhia, solicitar esclarecimentos sobre os documentos referidos no art. 133, pedir informações à administração sobre quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades sociais (art. 157, § 1°, e) e, principalmente, exigir contas dos administradores.

Bem por isso a jurisprudência tem entendido que o acionista, individualmente, não tem legitimidade para ajuizar ação de prestação de contas contra os administradores. No regime da Lei das S/A as contas

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são prestadas anualmente à assembleia geral, e não ao acionista individualmente.4

Tendo em vista, pois, a importância do regime especial de prestação de contas adotado pela Lei das S/A, os arts. 133 e 134 ditam, de forma pedagógica, o rito da assembleia geral ordinária. Enquanto o art. 133 trata da prestação de informações pela companhia antes de instalado o conclave, o art. 134 cuida dos atos a serem praticados durante a realização da assembleia. Ambos os dispositivos deixam claro que a assembleia geral ordinária reveste a natureza de procedimento, já que se desdobra numa sucessão de atos jurídicos distintos mas interligados, praticados com a colaboração dos vários órgãos da companhia.5

A relevância da assembleia geral ordinária é tão grande6 que o art. 133 exige que a companhia publique, com pelo menos um mês de antecedência, anúncios de que se acham à disposição dos acionistas os documentos referidos nos incisos I a V daquele dispositivo legal, e impõe, ainda, a prévia publicação daqueles elencados nos incisos I a III. Segundo Valverde: "A divulgação pela imprensa dessas peças constitui o meio mais hábil para dar conhecimento aos acionistas e a terceiros da situação da sociedade e é, por outro lado, um obstáculo às manobras de uma administração desonesta ou negligente".7

Não é tudo. O § 1o do art. 134 determina a presença obrigatória de pelo menos um administrador e do auditor independente (figura obrigatória nas companhias abertas - art. 177, § 3°) para atender a pedidos de informações apresentados pelos acionistas durante a assembleia. E o § 2o do mesmo artigo estabelece que, se a assembleia tiver necessidade de outros esclarecimentos, poderá adiar a deliberação e ordenar diligências.

Como se vê, a assembleia geral ordinária, anual e obrigatória, constitui episódio primordial na vida das companhias, porquanto é nela que: (i) as contas dos administradores são prestadas e julgadas (art. 132,I); (ii) delibera-se sobre as demonstrações financeiras (art. 132,I); (iii) decide-se sobre a destinação do lucro líquido e a distribuição de dividendos (art. 132, II) - razão de ser da atividade empresarial -, podendo a assembleia alterar o montante do lucro líquido ou o valor das obrigações da companhia (art. 134, § 1o); (iv) são eleitos os administradores e os membros do conselho fiscal, se houver (art. 132, III); (v) independentemente de prévia convocação dos acionistas, pode-se aprovar a proposi-tura de ação de responsabilidade contra os administradores (art. 159, § 1o).

2. O papel do relatório e das demonstrações financeiras na prestação de contas da administração

De todas as peças examinadas na assembleia geral ordinária, duas se destacam:

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o relatório da administração (art. 133,I) e as demonstrações financeiras (art. 133, II).

O relatório (art. 133, I) é elaborado com a finalidade precípua de prestar as contaspropriamente ditas daadministração,8 uma vez que nele estão referidos e explicados os principais negócios sociais e fatos administrativos do exercício findo.

Como peça essencial para o cumprimento do dever de informação da companhia, o relatório complementa os dados contábeis constantes das demonstrações financeiras, cabendo-lhe aclarar os atos e fatos relevantes ocorridos no exercício, a fim de dar aos acionistas e ao mercado em geral um quadro completo das posturas, decisões e do desempenho da administração.9

De acordo com a Lei das S/A, o relatório da administração deve ser publicado juntamente com as demonstrações financeiras, e deve conter as seguintes informações: a) negócios sociais e principais fatos administrativos ocorridos no exercício (art. 133,I); b) as disposições sobre política de reinvestimento de lucros e distribuição de dividendos, constantes de acordo de acionistas arquivados na companhia (art. 118, § 5°); c) aquisição de debêntures de sua própria emissão (art. 55, § 2°); d) relação dos investimentos em sociedades coligadas e/ou controladas, com as modificações ocorridas durante o exercício (art. 243).

Às informações constantes do relatório somam-se aquelas prestadas pelos administradores e pelo auditor independente durante a assembleia (art. 134, §§ 1o e 2o), resultado do exercício do direito individual de informação e fiscalização dos acionis-tas,10 conforme já abordei na obra Lei das Sociedades por Ações Anotada.11 Teixeira e Guerreiro são ainda mais precisos ao tratar, de forma específica, do regime de informação durante os trabalhos da assembleia geral ordinária: "Como os administradores devem oferecer à Assembleia seu relatório sobre os negócios sociais e esclarecimentos sobre os principais fatos administrativos do exercício findo, na verdade tudo o que constitua ato ou fato relevante na administração da companhia pode vir à luz, na AGO de sociedade aberta ou fechada".12

Já as demonstrações financeiras - que compreendem o balanço patrimonial, a demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados, a demonstração do resultado do exercício, a demonstração dos fluxos de caixa e, nas companhias abertas, a demonstração do valor adicionado (art. 176) - informam a situação patrimonial e os resultados da companhia, permitindo a avaliação do desempenho global dos negócios sociais, nelas escriturados e refletidos.

Na verdade, o que é apresentado à assembleia geral ordinária é apenas o proje-to das demonstrações financeiras. Somente com a aprovação dos acionistas é que

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esse projeto se converte em "demonstrações financeiras" propriamente ditas, produzindo os efeitos jurídicos que lhe são peculiares.1314

Porque revelam os efeitos patrimoniais dos atos de gestão praticados pelos administradores, as demonstrações financeiras constituem ferramenta de auxílio na prestação de contas.

O relatório da administração e as demonstrações financeiras são de tal importância para as companhias - principalmente as de capital aberto - que, além de a CVM ter editado o Parecer de Orientação n. 15/87 para tratar de forma detalhada dos procedimentos a serem observados para a elaboração dessas peças, o art. 177, § 1o, I, do Código Penal pune com pena de reclusão de um a quatro anos "o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembleia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo".

3. Conteúdo da deliberação sobre contas e demonstrações financeiras

Do acima exposto decorre que os acionistas examinam e discutem na assembleia geral ordinária: (i) o relatório, que, juntamente com as eventuais infor-mações prestadas durante a assembleia, consubstancia as contas propriamente ditas da administração (art. 133,I); e (ii) as demonstrações financeiras (art. 133, II). Este é o magistério de Pontes de Miranda: "A deliberação sobre as contas não há de ser confundida com a deliberação sobre o balanço (...) pode ocorrer que a assembleia geral ordinária aprove o balanço e deixe para exame posterior (...) as contas, ou vi-ce-versa".15

Portanto, a assembleia geral ordinária tem de tomar três deliberações a esse respeito: (i) se aprova ou não as demonstrações financeiras; (ii) se aprova ou não as contas prestadas pelos administradores; e (iii) se alguma reserva deve ser feita em caso de aprovação, a fim de resguardar eventuais direitos da companhia contra os gestores sociais.

Registre-se que a aprovação das contas e das demonstrações financeiras é ato formal dos acionistas e deve ser deliberada em assembleia geral ordinária. A mera distribuição de dividendos, ainda que deliberada pelos acionistas, ou a aprovação dessas peças pelo Conselho de Administração, não implica aprovação "tácita" das demonstrações financeiras.16

4. Reserva na aprovação das contas e das demonstrações financeiras

A reserva de que trata o § 3o do art. 134 constitui ressalva ou protesto em...

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