Efeitos da concordata e da falência em relação aos contratos bilaterais do concordatário e do falido

AutorJorge Lobo
Páginas32-42

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I - A "mens legis" do art 43 e do art 165 da lei de falências

Consagrados mestres do Direito Falimentar, antigos e modernos, entre eles Waldemar Ferreira,1 Rubens Requião,2 Sampaio Lacerda3 e Amador Paes de Almeida,4 ao debruçarem-se sobre os tex-

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tos dos artigos 43 e 165 da LF, ensinam que o regime jurídico de ambos é idêntico, a ambos aplicando-se as "normas do Direito comum", vale dizer, tanto o co-contratante do concordatário, quanto o co-contratante do falido pode:

  1. exigir do concordatário e do falido garantia idónea do cumprimento da obrigação;

  2. se não for dada, recusar-se a honrar sua parte na avença;

  3. pleitear a rescisão do contrato com perdas e danos, se o concordatário e o falido não oferecerem caução real ou fiança.

  4. reputar rescindido o contrato pelo simples fato de haver sido impetrada concordata preventiva ou declarada a falência com fundamento em cláusula resolu-tória expressa.

Será essa, efetivamente, a mens legis dos artigos 43 e 165 da LF como sempre tem sido apregoado?

Será que a omissão, no artigo 43 da LF, do período "continuam sujeitos (os contratos) às normas do Direito comum", presente no artigo 165 da LF, não permite, quiçá não impõe, que ao artigo 43 se dê uma interpretação diferente da do artigo 165, contrariando, dessarte, a orientação doutrinária que vem de longe e abrindo novas perspectivas para os falidos?

É o que veremos a seguir, iniciando por uma minuciosa incursão na teoria geral do direito, para situarmo-nos diante do intrincado problema de classificação das leis e do âmbito de aplicação das leis comuns, das leis especiais e das leis excepcionais, com ênfase para o fato de que, tanto as leis comuns, como as leis especiais, contêm normas gerais e exceções, acentuando, por fim, que a Lei de Falências é uma lei especial, que contém disposições excepcionais, que preferem a todas as demais, prevalecendo, sempre, inexoravelmente, sobre as normas do direito comum, que lhe cedem a vez por razões particulares.

Após enfrentaremos os artigos 43 e 165 da LF, para demonstrarmos que a disciplina legal dos contratos bilaterais do falido é muito diferente da dos contratos bilaterais do concordatário.

II - Classificação das leis

Como expusemos alhures, em matéria de classificação das leis, cada autor tem uma opinião, fenómeno que não é de nossos dias, mas vem de longe, como veremos, o que, é evidente, dificulta sobremodo o estudo da lei como fonte do direito, sua adequada interpretação e como ela deve ser aplicada.

A título de exemplo da absoluta e gritante falta de consenso sobre tema de tanta importância, podemos citar três obras recentes, todas com muitas reedições, lidas e consultadas, diuturnamente, por advogados e juizes, como soem ser o Curso de Direito Civil, do Professor Washington de Barros Monteiro, a Introdução ao Direito Civil, do Professor Orlando Gomes, e as Instituições de Direito Civil, do Professor Caio Mário da Silva Pereira.

Ao tratar do assunto, o Professor Washington de Barros Monteiro leciona que são "várias as classificações das leis", passando, então, a enumerá-las na seguinte ordem: no tocante à sua natureza, são substantivas ou adjetivas; quanto à origem, federais, estaduais e municipais; referentemente às pessoas, gerais, especiais e individuais; com relação aos efeitos, imperativas, proibitivas e facultativas; quanto à natureza do direito que regulam, constitucionais, administrativas, penais, civis e comerciais.5

Caio Mário formula diferente classificação, a saber: segundo a hierarquia, as leis são constitucionais, complementares e ordi-

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nárias; quanto à extensão territorial, federais, estaduais e municipais; no que tange à força obrigatória, imperativas ou proibitivas e supletivas ou permissivas; em relação à sua natureza, materiais ou teóricas e formais ou processuais; quanto à intensidade da sanção, perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas.6

Orlando Gomes classifica as leis conforme a duração, amplitude do campo de aplicação e eficácia. Quanto à duração, são perpétuas e temporárias; do ponto de vista da amplitude do campo de aplicação, comuns ou gerais, especiais e excepcionais, e singulares; quanto à eficácia ou intensidade da coação, coativas ou supletivas.7

No que diz respeito às expressões leis gerais e leis especiais (o § 2- do artigo 29 da Lei de Introdução ao Código Civil em vigor valeu-se das expressões "disposições gerais" e "especiais", que já se encontravam no artigo 49 da antiga Introdução ao Código Civil, que, à sua vez, tem a matriz no artigo 99 do Projeto de Clóvis Beviláqua, que a elas também se refere expressamente), não há, por igual, uniformidade, uns falando em Direito comum ou Direito especial (Eduardo Espínola8 e Carlos Maximiliano);9 outros, em Direito geral e Direito especial (Santiago Dantas),10 em Direito regular e Direito anómalo (Savigny), em Direito regular e Direito excepcional (Windscheid), em Direito comum e Direito singular (Dernburg, Pescatore11 e Messineo),12 em Direito normal e Direito singular (Ruggiero).13

De nossa parte, abraçaremos a classificação Direito comum e Direito singular de Dernburg, Pescatore e Messineo e, quanto aos conceitos de leis comuns ou leis gerais ou Direito comum, de leis especiais ou Direito singular e de leis excepcionais ou Direito excepcional, ficaremos com Eduardo Espínola, Carlos Maximiliano e Orlando Gomes, desprezando a distinção alvitrada por Orlando Gomes quanto às leis especiais, excepcionais e singulares, pois chegamos à conclusão, como se irá ver (itens III e IV), que o Direito ou é comum (leis gerais) ou singular (leis especiais), sendo certo, como demonstraremos (item V), que, tanto o Direito comum ou leis gerais, quanto o Direito singular ou leis especiais, contêm regras e exceções, estas formadoras do chamado Direito excepcional, não havendo confundir a índole ou o caráter de generalidade da norma, ínsita em toda regra jurídica, mesmo na disposição excepcional, com a noção, que se deve ter bem nítida, de leis gerais.14

III - Leis comuns ou leis gerais do direito comum

Eduardo Espínola sobre o tema doutrina: "Outra divisão importante das leis civis é a que as distinguem em: leis comuns e leis especiais. Leis comuns são as que encerram os princípios gerais que constituem a base do sistema jurídico. Elas formam a regra do direito, a qual deve ser aplicada, enquanto não é restringida por normas jurídicas especiais".15

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Carlos Maximiliano, a sua vez, ensina: o Direito comum "contém normas gerais, acordes com princípios fundamentais do sistema vigente e aplicáveis universalmente a todas as relações jurídicas a que se referem".16

Orlando Gomes, a seu turno, prele-ciona: "Dizem-se comuns ou gerais as leis que regulam, em toda sua plenitude, determinadas relações sistematizadas pela matéria, pelas circunstâncias ou pelas pessoas, independentemente do âmbito territorial onde vigoram".17

Exemplo maior de Direito comum ou lei geral é o Código Civil.

IV - Leis especiais ou direito singular

Eduardo Espínola explica que "leis especiais são as que limitam as disposições das leis comuns em relação a uma certa classe de pessoas, de coisas, ou de relações jurídicas. A aplicação mais importante do direito especial consiste com efeito em estabelecer, para uma determinada classe de pessoas, bens ou relações jurídicas alguma coisa que só em relação a elas tem vigor".18

Carlos Maximiliano elucida, após esclarecer que uma cousa é o direito especial, outra é o direito excepcional, que o "direito especial abrange relações que, pela sua índole e escopo, precisam ser subtraídas ao direito comum",19 para, reproduzindo, de forma quase literal, como o confessa, o pensamento de Degni, expor, a seguir, quanto à "distinção clássica entre direito comum e direito singular", que o direito singular visa atender "a particulares condições morais, económicas, políticas ou sociais, que se re-fletem na ordem jurídica, e por esse motivo subtrai determinadas classes de matérias, ou de pessoas às regras do direito comum, substituídas de propósito por disposições de alcance limitado, aplicáveis apenas às relações especiais para que foram prescritas".20

Orlando Gomes reputa especiais as leis que "regulam, com critérios particulares, certas relações do sistema do direito comum (...) em atenção à sua natureza, a seus sujeitos ou a seu objeto".21

Eduardo Espínola, em nota de rodapé, a propósito dos textos romanos e das expressões jus singulare e privilegiam, chama atenção para o fato de que "as leis especiais têm sempre um caráter de exceção: excluem para uma esfera de casos as regras comuns ou os princípios comuns por motivos de utilidade, de moral ou de ordem pública, como diz Dernburg".22

Mais adiante, na mesma nota, reproduz o seguinte pensamento de Chironi: "O direito singular é necessidade e modo de corrigir o direito geral e com este, por sua origem e natureza, tem relação necessária: emanado da lei; deve ser reconhecido e aplicado pelo juiz: e, se bem se observa, tem índole geral enquanto mira regular muitas relações jurídicas, bem que, diferentemente do direito comum, as considere mais em concreto que em abstraio, limitando-lhes o número e a qualidade ou determinando o grupo de pessoas a que se estende sua eficácia particular".23

"O tipo clássico de lei especial", recorda Orlando Gomes, "é o Código Comercial, em relação ao Código Civil",24 que, aduz Carlos Maximiliano, "forma, com ele, um ramo à parte, autónomo, completo, do Direito Privado".25

Ressalte-se, por oportuno...

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