Dos princípios constitucionais da administração pública

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas195-208

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15 Princípios e regras jurídicas: os princípios constitucionais

Costuma-se dizer que um ordenamento jurídico se forma por meio de um conjunto de princípios e regras. Alguns falam ainda em valor. Entretanto, a doutrina moderna considera que os valores estão contidos nos princípios.

Os princípios nem sempre foram tidos como parte integrante do Direito. Isso ocorreu em tempos bem remotos de nosso processo histórico, tudo em razão de seu conteúdo e vagueza, sendo apenas classificado como um preceito de ordem moral ou política.

Hodiernamente, no entanto, é pacífico que os princípios integram o Direito, constituindo verdadeiros comandos jurídicos. Passaram eles, portanto, a integrarem a juridicidade247. No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio jurídico é um mandamento nuclear de um sistema, uma disposição fundamental que serve como pressuposto de interpretação do sistema normativo248.

Regras, por outro lado, são disposições jurídicas voltadas a determinado tema específico, ou seja, voltada a determinada aplicação concreta.

Os princípios possuem um alto grau de abstração, a ponto de serem aplicados a diversas situações distintas. É nesse sentido que são vagos. Eles também têm aplicação infinita, sendo por isso classificados como genéricos. Ser genérico não é ser impreciso, mas é reclamar uma mediação concretizadora para a sua aplicação.

Cármen Lúcia Antunes Rocha define os princípios constitucionais como sendo aqueles que trazem “valores superiores adotados em dada sociedade política, mate-rializados e formalizados juridicamente para produzir uma regulamentação política no Estado”249.

Em suma, distinguem-se os princípios das regras pelo conteúdo (representam aspectos fundamentais da ordem jurídica), pela forma enunciativa (vaga, ampla e aberta), pela forma de aplicação (incidem sempre) e pela funcionalidade (são multi-funcionais, pois se dirigem a produção, interpretação e aplicação das regras).

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15. 1 Princípios constitucionais da administração pública

A Administração Pública é a entidade que materializa as ações do Estado, devendo para isso se valer de algumas condicionantes fixadas em prol da sua razão de ser. Essas condicionantes são conhecidas como princípios da Administração Pública, proposições que definem orientações básicas e fundamentais da atividade pública.

A doutrina costuma classificar o termo Administração Pública em sentido estrito ou amplo. No sentido estrito, compreenderia os órgãos encarregados de executar apenas a função administrativa. Já no sentido amplo, o termo abrangeria também a função política250.

O caput do art. 37 da CF lhe empresta um sentido mais amplo ainda, pois abrange a atividade exercida pelos “Poderes” Executivo, Legislativo e Judiciário, seja no desempenho de funções típicas ou atípicas. Vale dizer, os princípios previstos obrigam todos os “Poderes” do Estado, todas as esferas de governo e todos que exercem, mesmo que transitoriamente, parcela de função estatal.

Dessa maneira, o conteúdo dos princípios norteadores da Administração Pública orientam não só a atividade administrativa do Estado, mas também a manifestação do Estado por meio das funções legislativa e jurisdicional; consequentemente, as condutas de seus agentes devem ser baseadas nessas diretrizes informadoras.

Feito este introito, passaremos agora a discorrer de forma sucinta sobre cada um dos princípios constantes no caput do art. 37, sem, contudo, ignorar a existência de outros.

15.1. 1 Princípio da legalidade

Um dos pilares do Estado de Direito é o princípio da legalidade. A legalidade como princípio representa uma garantia à atividade do Estado, no sentido de que o particular somente se submeterá à atividade estatal fundamentada em lei (CF, art. 5º, II).

Se o particular não é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, isso significa que, para que o Estado obrigue o particular a quaisquer dessas condutas, deve estar baseado em uma lei autorizadora.

O caput do art. 37 da CF reforça a necessidade de lei, quando ressalta que a Administração Pública deverá obedecer ao princípio da legalidade.

A lei é um ato legislativo democrático, aprovado por representantes do povo, estando em razão desse fato autorizada a criar obrigações positivas ou negativas (CF, art. 1º, par. ún.).

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A legalidade é um grande freio à atividade do Estado porque sempre o condiciona a agir conforme determina o interesse coletivo previsto na lei (concretização da vontade geral). Atualmente, não existe mais a possibilidade de o Estado agir segundo interesses individualistas, fomentando grupos específicos.

Por isso se diz que a Administração Pública só pode agir segundo a lei. Essa afirmação quer dizer que ela não pode atuar contra a lei ou ir além da lei, pois esta representa a vontade geral que legitima, em um Estado Democrático de Direito, a ação estatal.

Desse modo, o Estado não pode tomar medidas individualistas ou de gabinete, mas apenas em estrita obediência à lei. A ilegalidade na Administração Pública deve ser vista como um ato contrário ao que a lei determina (ação ou omissão), bem como aquele que extrapola a autorização legal concedida. Fugindo do que a lei determina ou fazendo mais do que ela autoriza, ou, ainda, menos do que a lei exige, temos como violado o princípio da legalidade.

15.1. 2 Princípio da impessoalidade

A impessoalidade significa que a atividade estatal, por buscar o bem comum, deve ser revestida de generalidade quanto à formação dessa vontade. Ou seja, a atividade do Estado deve voltar-se sempre à coletividade, nunca a determinado membro. Não podemos deixar de ressaltar também que esse dever decorre do regime democrático adotado.

Ela também significa que a atividade estatal não se confunde com a atividade pessoal do agente público materializador. Daí por que não pode patrocinar qualquer relação subjetiva própria. Em outras palavras, a impessoalidade impede que rotulemos até mesmo os atos da Administração Pública, ligando-os a nomes, símbolos ou imagens pessoais (CF, art. 37, § 1º).

Quem age é sempre o Estado, em nome próprio, bem como sempre em benefício coletivo, sendo impossível, no âmbito da Administração Pública, favorecer ou desfavorecer pessoas determinadas. No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, pelo princípio da impessoalidade:

(...) se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia.251A impessoalidade, que norteia o agente público, impede que ele se valha de qualquer interesse próprio ou particular seu e utilize sua posição funcional para ma-

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terializá-lo. Vale dizer, da mesma forma que o agente público não pode, valendo-se de seu cargo público, prejudicar um inimigo capital seu ou de terceiro, também não pode beneficiar um amigo pessoal seu ou de terceiro.

A atividade do Estado é voltada exclusivamente ao bem comum, que é representado pelo interesse da coletividade. Como o Estado é uma abstração, necessita de pessoas físicas para manifestar a sua vontade; consequentemente, torna-se necessário separar o interesse próprio ou particular do sujeito do interesse do Estado.

A impessoalidade representa essa divisão, impondo, ao agente público, o dever de ignorar os seus interesses particulares no trato da coisa pública. Quem faz parte da relação jurídica com todas as suas prerrogativas e consequências é o Estado, sendo este apenas representado pelo agente público.

Por inúmeras vezes nos deparamos, na prática, com notícias na imprensa ou divulgação de panfletos referindo-se ao nome pessoal do Prefeito, Governador e até mesmo do Presidente da República, bem como de seus subordinados imediatos (Secretários ou Ministros), sempre com o fito de ligar determinado nome a determinada realização pública. Tal fato se agrava quando essas divulgações ocorrem nos próprios sites oficiais das entidades administrativas e políticas.

Na verdade quem realiza a obra, compra determinado equipamento ou realiza determinada atividade pública é o Estado, assim compreendido nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. Quem realiza a obra é o Governo Federal, o Governo Estadual, o Governo Distrital ou o Governo Municipal, em conjunto ou separadamente. Apenas a alusão a esses nomes pode ser feita, sendo essa uma das exigências da impessoalidade.

15.1. 3 Princípio da moralidade administrativa

O Direito e a Moral vêm sendo objeto de estudo a anos, principalmente no tocante à interferência da Moral no conceito de Direito (semelhanças e diferenças). Isso ocorre porque ao lado das normas jurídicas existem outras normas, como as morais, que regulam a conduta dos homens entre si.

Segundo Adolfo Sánchez Vázquez:

A moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal.252Inicialmente a Moral não era reclamada pelo...

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