Do ressarcimento dos custos das eleições suplementares

AutorDaniel Castro Gomes da Costa - Tarcisio Vieira de Carvalho Neto
Páginas133-148

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A Advocacia-Geral da União (AGU) iniciou uma "caçada" em busca de valores despendidos pela União com eleições suplementares no País. Inúmeras notificações de cobranças e ações de ressarcimentos têm sido intentadas em face de candidatos condenados com a cassação do diploma ou mandato por crimes eleitorais e por abuso de poder político e/ou econômico ou àqueles que tiveram o seu registro indeferido pela Justiça Eleitoral.

Tais ações se fundamentam no suposto direito da União à reparação econômica, por ter suportado dano decorrente de ato ilícito praticado pelo particular (art. 37, § 5º, da Constituição Federal). O entendimento é que a Administração Pública e os contribuintes não devem arcar com os gastos não programados causados por consequência de ato ilícito de um gestor público.1A AGU defende o caráter pedagógico da medida, afirmando que "a ideia é que os gestores cassados aprendam que o correto é seguir a legislação e que, daqui para a frente, serão responsabilizados e cobrados todos aqueles que cometerem atos ilícitos eleitorais."2As ações de ressarcimento estão sendo intentadas na Justiça Federal, utilizando como prova dos referidos danos cópias das Resoluções Administrativas dos TREs e os acórdãos que embasaram as condenações por ex-gestores, pelo qual houve a determinação de realização de novas eleições. Referidos documentos estão sendo encaminhados com base no acordo de cooperação técnica n. 1/2012, celebrado entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Advocacia-Geral da União, em janeiro de 2012, visando estabelecer a atuação conjunta entre os

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dois órgãos a fim de possibilitar que os valores gastos com a realização de eleições suplementares sejam ressarcidos ao patrimônio da União.3Apesar de respeitarmos a apreciável intenção da AGU em resolver uma problemática oriunda do sistema eleitoral brasileiro de forma simplificada, apresentamos no presente artigo as dificuldades de tal pretensão.

O primeiro ponto que vislumbramos como impeditivo para as proposituras das referidas demandas é a prescritibilidade do suposto crédito aventado.

Sustenta a União que tais ações seriam imprescritíveis, por se tratarem de pretensões de ressarcimento do erário.

Porém, não existe um posicionamento indissolúvel sobre a questão, tendo sido o tema declarado Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE n. 669069RG/MG, de Relatoria do Ministro Teori Zavascki, abrangendo os seguintes questionamentos pelos quais se considerou manifesta a relevância e a transcendência dessa questão constitucional:

"A questão transcende os limites subjetivos da causa, havendo, no plano doutrinário e jurisprudencial, acirrada divergência de entendimentos, fundamentados, basicamente, em três linhas interpretativas: (a) a imprescritibilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma."

Aliando-se à terceira corrente, sustentamos que o reconhecimento da prescrição das ações de ressarcimento do erário funda-se em duas premissas normativas básicas. A primeira assentada no princípio da segurança jurídica e do devido processo legal substantivo, repousado no contexto constitucional de proteção dos direitos fundamentais do cidadão contra o arbítrio do Estado. A segunda, que no âmbito da legislação infraconstitucional, a referência ao prazo quinquenal de prescrição das ações que versem sobre ato administrativo é uma constante, podendo-se citar, por exemplo, o Decreto-lei nº 20.910/32, que prevê o prazo prescricional de cinco anos para as ações contra a Fazenda Pública, bem como a Lei n. 4.717/65 que, no art. 21, define o prazo também quinquenal para as ações populares que buscam ressarcimento do erário, etc.

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Reforçando essa posição, há a constatação clara de que, quando a Constituição ressalva o princípio da prescritibilidade das ações, instituindo a imprescritibilidade, o faz de forma explícita e específica, conforme se constata claramente no texto do art. 5º, incisos XLII ("a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível...") e XLIV ("constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático").

Dessa forma, não sendo umas das causas específicas de exceção constante da Constituição Federal, nem sequer constante especialmente no art. 37, § 5º,

tendo em vista que, caso assim entendesse o constituinte de 1988 teria inserido na parte final do referido parágrafo a expressão "...sendo imprescritíveis as respectivas ações de ressarcimento", o que, então, pode-se concluir que, com base no princípio geral da prescritibilidade das ações, todas as pretensões de ressarcimento do erário, seja de qual espécie for, possui prazo prescricional.

E, ainda, referidas disposições indicam a valoração legislativa no sentido da referida prescrição se dar no prazo de 5 (cinco) anos, conforme se verifica do entendimento da 1ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, na Relatoria do Ministro Luiz Fux (REsp 406.545/SP), decisão que serviu de Precedente para os REsps n. 910.625/RJ e 727.131/SP, senão vejamos:

A Ação Civil Pública não veicula bem jurídico mais relevante para a coletivi-dade do que a Ação Popular. Aliás, a bem da verdade, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua da previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibieadem legis dipositio.

Tais preceitos encontram guarida em reconhecer que escoado um tempo razoável, necessário se faz a estabilização das relações jurídicas, fortalecendo, assim, o princípio da segurança jurídica, do fato consolidado, da proteção da confiança e seus reconhecidos corolários dos princípios da estabilidade das relações e da prescritibilidade das ações, tornando invulneráveis os cidadãos contra o poder arbitrário do Estado, estando aí um requisito elementar para que o sistema jurídico possa operar uma de suas principais funções: a pacificação social.

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Independente dos argumentos esposados quanto a prescrição quinquenal, há de se notar também a aplicação da caducidade do direito alegado, oriundo da teoria da supressio (verwirkung), do abuso de direito e da ofensa ao princípio da segurança jurídica (da proteção da confiança).

Importante destacar que a maioria das ações intentadas pela União, no sentido de rever valores despendidos com a realização de eleições suplementares, em decorrência dos atos aqui discutidos, possui no mínimo 5 (cinco) anos do fato que as embasa.

Então, há casos em que anos já se passaram até que a União resolvesse tomar as providências no sentido de tentar imputar aos cassados a responsabilidade pelos custos da referida eleição suplementar, não havendo, antes disso qualquer obrigação, qualquer crédito pelos supostos danos, o que gerou em todos o sentimento de paz social que o direito tanto busca resguardar.

Clara é a constatação de uma situação consolidada no tempo, o que não permite, com base no que defende o Princípio da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança, que se retome tal discussão anos após a ocorrência do suposto fato.

A inércia da Advocacia-Geral da União, por anos, na hipótese de se admitir que tenha direito a tal crédito, é suficiente para caracterizar a impossibilidade de tal pleito, tendo em vista que os requeridos não podem ficar indeterminadamente a mercê do arbítrio do Estado, sem saber quando serão tomadas providências, e se serão, no sentido de se exigir deles algo que sequer imaginavam possível. Ninguém pode "viver com uma espada sobre a cabeça" indefinidamente. Isso vai contra o que se espera do Estado.

Nesse sentido, extraindo-se conceito de instituto do direito civil ligado à boa-fé, Menezes Cordeiro, afirma que a supressio consiste na "situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, contrariar a boa-fé".4Por sua vez, Guilherme Magalhães Martins, afirma que "a supressio terá como efeito a paralisação do exercício de um direito como meio sancionatório da deslealdade e da torpeza, cuja consagração dogmática definitiva se deve, sobretudo, às perturbações econômicas causadas pela Primeira Grande Guerra e à infiação".5

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E, nas lições de Fábio Azevedo, "são requisitos para a aplicação da supressio, portanto: a) omissão no exercício de um direito; b) decurso de um período de tempo; c) existência de indícios que apontem que esse direito não seria exercido, de modo a criar uma confiança legítima, que não se pode frustrar licitamente".6Então, ultrapassada a questão do prazo adequado para a propositura de referidas demandas, trataremos dos outros tópicos que norteiam a inviabilidade das aludidas teses judiciais apresentadas pela União.

A nosso ver, é inadmissível se imputar aos gestores cassados a responsabilidade pelos custos despendidos com a realização de eleições suplementares, mas sim à própria legislação eleitoral (da forma que vem sendo interpretada), que faz uma diferenciação de tratamento considerando o resultado dos votos, pois, nos casos em que os eleitos obtêm menos da metade mais um dos votos...

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