Do procedimento comum

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas345-715
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Comentário
Caput. Repete-se a regra contida no art. 271 do
CPC.
O processo judicial é o método ou o instrumento de
que se utiliza o Estado para solucionar, em caráter
monopolístico e impositivo, os conitos de interes-
se ocorrentes entre os indivíduos e as coletividades,
tendo como objeto um bem ou uma utilidade da
vida.
Classicamente, o processo vem sendo dividido
em: a) de conhecimento; b) de execução; e c) cautelar
— embora admita-se, nessa classicação, a inserção
dos processos; d) executivos; e e) mandamentais.
O procedimento é o rito estabelecido por lei
para que a parte ou o terceiro possam promover a
defesa dos seus direitos e interesses em juízo. O pro-
cedimento, por assim dizer, é o elemento exterior
do processo, as suas vestes formais, sendo consti-
tuído por um encadeamento preordenado e lógico
de atos orgânicos, em regra preclusivos, que se ini-
ciam por provocação da parte e se desenvolvem por
impulso ocial (CPC, art. 2º), dirigidos, todos, de
maneira direta ou indireta, à preparação do evento
mais importante do universo processual: a sentença
de mérito.
O procedimento pode ser: a) comum; ou b) es-
pecial. O comum se subdivide em: a.a.) ordinário; e
a.b.) sumário ou sumariíssimo.
O processo do trabalho possui os procedimentos:
a) ordinário; e b) sumariíssimo — conquanto alguns
estudiosos entendam, contra o nosso ponto de vista,
haver também um procedimento ordinário, trazido
Processo e procedimento não se referem a obje-
tos diversos, senão que a aspecto distintos de um
mesmo elemento. O processo e o procedimento
compõem a relação jurídica processual, tendo, o pri-
meiro, um traço substancial; e o segundo, um traço
formal.
A separação dos conceitos de processo e de pro-
cedimento não é inútil nem meramente acadêmica,
tendo relevância sob o aspecto prático. Assim ar-
mamos porque, por exemplo, a Constituição da
República atribui competência exclusiva à União
para legislar sobre processo (art. 22, I), ao passo que a
competência para editar normas sobre procedimento
não é só da União, mas, também, em caráter concor-
rente, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, XI).
A regra inscrita no caput do art. 302 do CPC é de
que o procedimento comum é aplicável a todas as
causas, exceto se houver, no próprio CPC ou em lei
avulsa, disposição em contrário. Essa regra, mutatis
mutandis, incide no processo do trabalho. Também
aqui, o procedimento, em princípio, é o comum (or-
dinário ou sumaríssimo) embora se submetam ao
procedimento especial ações como: de consignação
em pagamento, de prestação de contas, de embargos
de terceiro, de habilitação, de restauração de autos,
de interdito proibitório etc.
Parágrafo único. A norma determina a aplica-
ção subsidiária do rito (procedimento) comum aos
demais procedimentos especiais e ao processo de
execução.
Posto à frente o destaque que zemos no texto
legal, nada obsta a incidência supletiva dessa norma
no processo do trabalho. Cumpre recordar, entre-
tanto, que no caso de omissão da CLT a respeito
de normas regentes do processo de execução, a pri-
PARTE ESPECIAL
LIVRO I
DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
TÍTULO I
DO PROCEDIMENTO COMUM
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 318. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em
contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais
procedimentos especiais e ao processo de execução.
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meira incursão subsidiária a ser empreendida é aos
domínios da Lei n. 6.830/80 (que rege a cobrança ju-
dicial da dívida ativa da Fazenda Pública), por força
da regra inscrita no art. 889 da CLT. Somente se essa
Lei for também omissa é que estará liberado o acesso
aos sítios do CPC.
CAPÍTULO II
DA PETIÇÃO INICIAL
Seção I
Dos Requisitos da Petição Inicial
Art. 319. A petição inicial indicará:
I — o juízo a que é dirigida;
II — os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o
número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III — o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV — o pedido com as suas especificações;
V — o valor da causa;
VI — as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII — a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
§ 1º Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição
inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção.
§ 2º A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se
refere o inciso II, for possível a citação do réu.
§ 3º A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso
II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente
oneroso o acesso à justiça.
Comentário
Caput. A assunto era objeto do art. 282 do CPC
revogado.
O texto legal indica os requisitos que a petição
inicial deve conter.
Antes de examinarmos quais são esses requisitos,
devemos exarar algumas considerações de natureza
introdutória.
Conceito e nalidade.
Ação e demanda não são, em rigor, vocábulos
que guardem sinonímia entre si. Enquanto a ação
é o poder que a Constituição atribui ao indivíduo
para ativar a função jurisdicional (que se mantém
em um ontológico estado inercial) com vistas a obter
a tutela de um bem ou de uma utilidade da vida, a
demanda (domanda, na Itália) traduz o ato pelo qual
ele pede o provimento correspondente, ou seja, a
entrega da prestação jurisdicional invocada. Esse
provimento pode ter efeito declaratório, constituti-
vo, condenatório — aos quais se poderiam acrescer
o mandamental e o executivo, se admitirmos a clas-
sicação quinária das ações sugerida por Pontes de
Miranda.
É por meio da demanda que o autor formula pe-
didos (res in iudicio deducta). A demanda é, assim,
o ato mediante o qual ele postula o provimento da
jurisdição. A petição inicial é o instrumento da de-
manda. Andou certo, por outro lado, Chiovenda, ao
dizer que a demanda, na qual o pedido está contido,
se apresenta como qualche cosa come la fondazione deli
edicio (Dirio e processo, n. 58, p. 99).
No passado, distinguia-se a petição inicial do
libelo. Aquela era o ato pelo qual o autor, após de-
monstrar, de maneira sucinta, o objeto da demanda,
limitava-se a requerer a citação do réu para defen-
der-se. Daí, falar-se, na época, em petição inicial
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citatória, uma vez que ela possuía essa nalidade
especíca de deagrar o processo e de estabelecer
a relação jurídica que lhe é própria. Dita petição, em
geral, antecedia ao libelo; este, originário do latim
libelius, diminutivo de liber, libri, que signica o cór-
tice da árvore (conquanto entendam, alguns, que a
palavra provenha de libra, balança), por seu turno,
consistia na exposição dos fatos da causa e conti-
nha o pedido feito pelo autor. Nele, enm, vinham
denidos os limites da demanda. Atento a essa par-
ticularidade, Aonso Fraga deniu o libelo como
“a exposição breve e clara, articulada ou não, feita
em juízo, do conteúdo da pretensão do autor” (Insti-
tuições do processo civil do Brasil. Tomo II. São Paulo:
Saraiva, 1940. p. 201).
Tanto a petição inicial citatória quanto o libelo
se apresentavam, habitualmente, sob a forma escri-
ta, embora este fosse oferecido em audiência, a que
compareciam os litigantes.
O Regulamento Imperial n. 737, de 1850, co-
meçou a romper essa dualidade consagrada pelas
Ordenações reinóis, ao tornar apenas facultativa a
apresentação da petição inicial citatória e do libelo
em peças apartadas e em momentos distintos. Poste-
riormente, o Código de Processo Civil de 1939 — o
primeiro, de caráter unitário, que o País conheceu
— exigiu que essas duas peças fossem aglutinadas
na petição inicial (art. 158). O CPC de 1973 manteve
essa acertada unicação (art. 282), que foi preserva-
da pelo Código atual (art. 319).
Modernamente, portanto, a petição inicial pode
ser denida como o ato pelo qual se provoca a ati-
vação do poder-dever jurisdicional do Estado e se
pede um provimento, cujos efeitos estarão vincula-
dos ao direito material que se esteja procurando ver
reconhecido ou protegido (conquanto o exercício do
direito de ação não pressuponha, necessariamente,
a existência do direito material, como sabemos). A
petição inicial, destarte, é um instrumento não só
de provocação da atividade jurisdicional (direito de
ação), como de impetração da efetiva entrega da cor-
respondente prestação estatal (demanda).
Na denição que apresentamos não cogitamos da
citação do réu, porque o CPC atual já não exige que
conste da inicial. No processo do trabalho não se exi-
giu que a inicial contivesse requerimento para essa
nalidade (CLT, art. 840), pois este ato é praticado
ex ocio (CLT, art. 841). O ato citatório é indispensá-
vel para estabelecer uma “angularidade” da relação
processual (Estado/réu/autor), que, até então, era so-
mente linear (autor/Estado); por esse motivo, deverá
ser determinado pelo juiz, independentemente de
requerimento do autor.
A petição inicial não deixa de conter uma decla-
ração da vontade do autor, como reconhece Pontes
de Miranda (Comentários ao código de processo civil. 2.
ed., tomo IV. São Paulo: Forense, 1979. p. 3/4), se le-
varmos em conta o fato de que, por intermédio dela,
é posto em atividade o poder jurisdicional do Esta-
do e pedida a entrega da pertinente prestação. Essa
vontade, para produzir os efeitos desejados, deve
ser jurídica, assim entendida a que se forma com
base no ordenamento normativo, seja material ou
processual ou nos usos e costumes.
Se bem reetirmos, veremos que a petição inicial
pode ser examinada por diversos ângulos. Assim,
do ponto de vista do autor, ela é, com efeito, um
instrumento que as leis lhe colocam à disposição
para ativar a função jurisdicional e obter a corres-
pondente prestação, nos casos de lesão de direito ou
de ameaça de lesão (sentença de mérito). Todavia,
se a estudarmos sob o aspecto do pedido, vericare-
mos que ela gura como o elemento delimitador da
demanda (ou da lide), motivo por que ao juiz será
defeso conceder ao autor mais do que foi pleiteado,
ou menos do que lhe deveria ter sido dado, ou pro-
ferir sentença, em prol deste, de natureza (melhor:
efeito) diversa da pretendida, ou, ainda, condenar o
réu em quantidade superior ou em objeto diverso do
que lhe foi demandado (CPC, art. 492, caput).
Resumindo, a petição inicial será sempre a cra-
veira pela qual se poderá ver se o juiz, ao emitir a
sentença de mérito, atendeu ao princípio da adstri-
ção ao pedido, ou dele extravasou, ressalvados os
denominados “pedidos implícitos” (correção mone-
tária, juros da mora etc.). Diz-se, também, com certa
propriedade, que a inicial é uma espécie de projeto
ideal da sentença de mérito que o autor visa a obter.
Sendo, por outro lado, na petição inicial onde se
encontra denido o objeto litigioso, isso permite ve-
ricar se ocorre a litispendência ou a coisa julgada.
O mencionado objeto representa, desse modo, o ele-
mento material desses dois fenômenos processuais,
visto sob o ângulo da clássica tríplice identidade:
a) de partes; b) de causa de pedir; e c) de pedido.
Bulgaro, a propósito, já reconhecia nessas três iden-
tidades o traço característico das ações: iudicium est
actum trium personarum: judicis, actoris et rei.
Em determinadas situações particulares, todavia,
poderá haver litispendência mesmo que não se con-
gure a tríplice identidade, de que estamos a falar.
Isso ocorrerá, p. ex., quando, entre duas ações, hou-
ver mesmeidade de causa de pedir e de pedido, mas,
numa, gure como parte o trabalhador, e, noutra, o
sindicato, agindo na qualidade de “substituto pro-
cessual”. Ora, a mera inexistência de identidade de
partes é irrelevante, pois a tudo sobreleva o fato de
que o titular do direito material (objeto litigioso) é
o mesmo, em ambas as ações, ou seja, o trabalha-
dor. Voltaremos ao assunto, para tratá-lo com maior
profundidade, mais adiante, ao discorrermos sobre
a contestação (art. 335).
Constituindo, a jurisdição, um poder-dever esta-
tal, e o processo, um método ocial de solução dos
conitos de interesses amparados pela ordem jurí-
dica, compreende-se o motivo pelo qual o conceito

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