Desatando os nós do neoconstitucionalismo brasileiro

AutorVilian Bollmann
CargoJuiz Federal Substituto. Mestre em Ciência Jurídica pela em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.
Páginas185-232
Desatando os nós do neoconstitucionalismo
brasileiro
Vilian Bollmann1
Sumário: Introdução. 1. Aspectos iniciais; 2. Os nós a serem desatados; 2.1. A formalidade
do princípio do discurso; 2.2. A pretensão de veracidade e o processo litigioso; 2.3. O
acordo f‌i nal; 2.4. O corte epistemológico; 2.5. A Alienação no senso comum teórico dos
juristas, 2.6. A ausência de metacritérios e o uso retórico dos processos interpretativos; 2.7.
A subjetividade escondida na técnica da ponderação; 2.8. A omissão da distinção com as
políticas ou diretrizes. 2.9. O uso de expressões retóricas; 3. Uma proposta de desate; 3.1.
A rejeição da hipótese cínica; 3.2. Interdependência entre direito e política; 3.3. O direito
como prática moral e política de resolução de conf‌l itos; 3.4. O direito como (re)produtor
de relações de poder; 3.5. Um realismo jurídico à brasileira, 3.6. Uma proposta de modelo
teórico para um novo Constitucionalismo; Conclusão; Referências.
Resumo: O estudo aborda algumas insuficiên-
cias do modelo neoconstitucionalista brasileiro
contemporâneo. São analisadas tanto sua base
filosófica quanto algumas inconsistências na
sua aplicação prática no cotidiano forense. A
partir desta análise, busca-se apresentar um
modelo complementar que, aliando aspectos do
realismo jurídico e de outros ramos da ciência,
compreenda o Direito como uma prática moral e
política de solução de conflitos e tente descrevê-
lo com mais exatidão para prescrever ideais
normativos de controle democrático do poder.
Palavras-chave: constitucionalismo; pós-
positivismo; realismo jurídico; Habermas;
“critical legal studies”.
Abstract: The study shows some shortcomings
of the actual constitutional Brazilian model.
It analyzes both their philosophical basics as
some inconsistencies in its application by the
judges. From this analysis, it attempts to present
a complementary model that combine aspects
of legal realism and other branches of science,
understanding the law as a moral and political
practice of resolving conflicts and trying to
describe it with more accuracy to prescribe
optimal standards of democratic control of
power.
Keywords: constitutionallism; post-
positivism; realism; Habermas; “critical legal
studies”.
1 Juiz Federal Substituto. Mestre em Ciência Jurídica pela em Ciência Jurídica pela
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Autor dos livros “Novo código civil:
princípios, inovações na parte geral e direito intertemporal”, “Juizados Especiais Federais:
comentários à legislação de regência” e “Hipótese de Incidência Previdenciária e temas
conexos”. Endereço eletrônico para contato: vilianbollmann@yahoo.com.br.
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Introdução
O Constitucionalismo2 sofreu diversas alterações no tempo,
especialmente no que se refere à ampliação da esfera de atuação do Poder
Judiciário. Ocorre que, superado o positivismo estrito, o chamado “pós-
positivismo” ou “neoconstitucionalismo” não trouxe, no Brasil, ainda,
um verdadeiro discurso democrático sobre a decisão judicial. Da mesma
forma que o uso retórico dos “métodos de interpretação” esconde uma
“arbitrariedade judicial”, o uso dos princípios como válvula de escape
para inserir os valores do juiz no discurso de sua decisão, pode provocar o
mesmo resultado.
Se por um lado o modelo neoconstitucionalista se amolda melhor
à prática jurídica contemporânea do que às explicações positivistas ou
jusnaturalistas, ele ainda é insuficiente, seja para descrever como é o
direito (pretensão descritiva), seja para traçar prescrições sobre como o
direito deveria ser (pretensão normativa).
Além disso, observa-se que a prática forense e doutrinária reflete
uma incorporação incompleta da teoria que está nos fundamentos do
neoconstitucionalismo. Essa introdução parcial também é problemática
em razão da falta de adaptação à características próprias da evolução
política do Brasil. Portanto, não se fará, aqui, estudo fundado em teorias
formais despidas de contato com a realidade e nem descrições analíticas
do postulado (ou princípio) da proporcionalidade.
Por outro lado, não se pretende esgotar o assunto e nem
tampouco trazer soluções mágicas, que, por evidente, não existem.
Busca-se, sim, trazer à luz alguns dos obstáculos que existem para o
“neoconstitucionalismo” no plano político e moral dos juristas brasileiros,
assim como evidenciar a ocultação das razões que possam estar por
2 Constitucionalismo é, simultaneamente, uma teoria ou ideologia e um movimento que,
sob a inf‌l uência do Iluminismo e do Contratualismo, estrutura a organização política a
partir do princípio do governo limitado como indispensável para a garantia dos direitos.
Apresenta-se como uma teoria normativa da política contra o absolutismo, pregando
que o Direito limita o poder Estatal. Logo, a liberdade, como sentido axiológico inicial
do constitucionalismo, fundamentou a ideia da Constituição como a lei para reger o
Estado. Tem como traços marcantes a Organização do Estado e a Limitação do seu poder
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4.
ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 51).
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detrás das estratégias de poder existentes. Como diz o filósofo e jurista
nicaraguense Alejandro Caldera, é comum, na América Latina, dizer o que
não se faz e fazer o que não se diz.3 Apresentar possíveis inconsistências
e trazê-las ao exame não é tarefa que se esgota em poucas páginas, mas
representa uma tentativa de aprimorar o conhecimento sobre o tema,
modificando o curso da trajetória que, se mantidas as condições atuais,
pode levar a um formalismo abstrato que, destituído de fundação concreta,
permitirá a arbitrariedade travestida de racionalidade.
Neste processo, é possível apontar algumas direções, ainda que elas
possam trazer contradições entre si e não formem um todo sistemático.
A questão não é achar uma resposta definitiva (objetivo que seria no
mínimo ingênuo e no limite pouco democrático e arbitrário4), mas sim a
possibilidade de formação de um novo discurso para que outras soluções
sejam buscadas com inclusão de aportes oriundos de fora do círculo
fechado dos juristas.
O fio condutor do presente trabalho é que a perspectiva jurídica não
consegue, por si só, produzir soluções práticas, especialmente quando
passa a focar a Constituição e a prática jurídica como objetos alienados
dos seus partícipes, ignorando o jogo de poder que lhes constrói e que
direciona a aplicação cotidiana.
Nunca é demais lembrar que a busca da verdade origina-se da
distinção entre ignorância (não saber que não sabe) e incerteza (saber que
não sabe). A partir daí, é possível abandonar certas crenças e emissões do
imaginário social. Este abandono pode resultar em dois tipos diferentes
de conduta. Uma, a simples busca de novas crenças, formando-se uma
certeza. Outra, a dúvida metódica, ou seja, vencer o dogmatismo e a
crença de que o mundo existe e é como percebemos, para depois de um
momento de estranhamento, continuamente investigar os fatos e teorias e
só aceitar aquilo que, submetido à crítica, revelar-se induvidoso.5
Para isso, após: 1) uma breve exposição das linhas mestras do
movimento neoconstitucional, que aparentemente começa a tomar o
3 CALDERA, Alejandro Serrano. Razão, direito e poder: ref‌l exões sobre a democracia
e a política. Ijuí: Unijuí, 2005, p. 75-77.
4 Ao revés, é natural e previsível que diversas das propostas aqui apresentadas sejam
criticadas e, com isso, aperfeiçoadas ou até mesmo rejeitadas.
5 CHAUÍ, Marilena. Convite à f‌i losof‌i a. São Paulo: Ática, 1997, p. 90-95.

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