Do direito do trabalho local ao direito do trabalho global: o necessário caminhar rumo ao direito do trabalho integral

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas58-64

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1. Introdução

O artigo adota uma concepção universalista do Direito do Trabalho, que envolve os trabalhadores alcançados pela proteção estabelecida pelo Direito do Trabalho (alcance subjetivo do Direito do Trabalho), as normas que compõem o Direito do Trabalho e a relação entre elas (fontes do Direito do Trabalho e relação entre as fontes do Direito do Trabalho), as dimensões do trabalhador levadas em conta pelo Direito do Trabalho (trabalhador como pessoa, cidadão e empregado) e os mecanismos de efetivação do Direito do Trabalho (fiscalização do cumprimento das normas que compõem o Direito do Trabalho e tutela jurisdicional dos direitos trabalhistas, inclusive por meio do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos).

O artigo versa sobre o Direito do Trabalho na perspectiva das suas fontes e da relação ente elas, isto, porém, sem perder de vista a necessidade da compreensão não apenas jurídica, como também social e política do Direito do Trabalho.

O Direito do Trabalho possui como característica marcante a pluralidade das fontes. Esta afirmação é repleta de significado, por implicar reconhecimento de que o Direito do Trabalho possui vários níveis normativos. Trata-se, no entanto, de afirmação que cairá no vazio se as normas que compõem cada um dos níveis normativos do Direito do Trabalho não forem colocadas em prática, isto é, materializadas.

Reconhecer e materializar a integralidade das fontes do Direito do Trabalho ganha relevo diante das várias dimensões deste ramo do Direito — dimensões que se comunicam aos direitos por ele reconhecidos aos trabalhadores e à sua satisfação —, quais sejam, a dimensão humana, em razão da sua finalidade, que é a tutela e promoção da digni-dade humana daqueles que dependem da alienação da sua força de trabalho para atender às necessidades vitais básicas próprias e familiares, a dimensão social, que resulta da sua vinculação com a realização da justiça social, e a dimensão política, que decorre da sua relação com a construção da democracia, observando-se que, segundo assinala Joaquim Herrera Flores, “de um modo sutil, mas contínuo, assistimos durante as últimas décadas à substituição dos direitos obtidos (garantias jurídicas para acesso a determinados bens, como o emprego e as formas de contratação trabalhista) por aquilo que agora se denominam ‘liberdades’ (entre as quais, se destaca a liberdade de trabalhar, que, como tal, não exige políticas públicas de intervenção). Em definitivo, entramos num contexto em que a extensão e a generalização do mercado — que se proclama falaciosamente ‘livre’ — fazem com que os direitos comecem a ser considerados como ‘custos sociais’ das empresas, que devem suprimi-los em nome da competitividade” (FLORES, 2009, p. 17).

Reduzir os direitos inerentes ao trabalho à condição de custo das empresas é desvincular o Direito do Trabalho — e os direitos que reconhece como inerentes ao trabalho — da tutela e promoção da dignidade humana, da realização da justiça social e da construção da democracia.

Também conferem relevância ao reconhecimento e materialização da integralidade das fontes do Direito do Trabalho os vários ataques que as têm como alvo, ataques que não se dão acaso, mas como parte de um processo de retomada do poder — retomada do poder assumido pelo Estado ao interferir nas relações econômicas e do poder atribuído aos trabalhadores para atuar como agentes políticos, por meio dos sindicatos — que tem resultado na precarização da condição humana, da justiça social e da democracia.

Na luta contra a precarização é indispensável estabelecer estratégias de reação.

O artigo apresenta como proposta de reação a construção do Direito do Trabalho integral. O Direito do Trabalho integral é concebido como sendo composto por níveis

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normativos complementares, que atuam como obstáculos diante da tentativa de desconstrução do Direito do Trabalho e são unificados pela ideia de centralidade do ser humano e exigência de efetividade dos direitos humanos.

Margaret Thatcher afirmou, em entrevista ao jornal Sunday Times, publicada em 3 de maio de 1981, que “a economia é o método. O objetivo é mudar o coração e a alma”.

Frente a esta intenção, o que se propõe é adotar como métodos a dignidade humana, a justiça social, a democracia e os direitos humanos e, como objetivo, mudar o coração e a alma daqueles que tratam com seres humanos e que têm a pretensão de ser incluídos dentre eles.

O artigo tem início com a notícia de ataques endereçados ao Direito do Trabalho. Em seguida, será realizado breve relato do movimento de expansão e redução do Direito do Trabalho. Posteriormente, serão definidas as razões dos ataques ao Direito do Trabalho e apresentada a proposta de resistência a estes ataques.

2. O direito do trabalho sob ataque

O Direito do Trabalho tem as crises econômicas como companheira de viagem1.

Contudo, não se trata de uma companheira de viagem qualquer. Com efeito, como assevera Umberto Romagnoli, “o setor jurídico mais exposto a incursões corsárias é o Direito do Trabalho” (ROMAGNOLI, 2001, p. 21).

É que Direito do Trabalho surge de crises, ganha destaque com as crises, mas é combatido a cada crise que se apresenta, mais do que qualquer outro ramo do Direito sofre os efeitos das medidas adotadas para combater crises e dele é exigido que mostre a sua força especialmente em momentos de crise. Em razão de crises econômicas, o próprio Direito do Trabalho é colocado em crise, com o questionamento dos seus princípios fundamentais, da relação entre as suas fontes, da sua finalidade e das suas funções fundamentais.

Um dos ataques sofridos pelo Direito do Trabalho tem como destinatárias as suas fontes e a relação entre elas.

Neste sentido, vale registrar:

  1. o retorno ao hermetismo jurídico, fundado da noção tradicional de soberania absoluta do Estado e caracterizado pela negativa da força normativa aos acordos, tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário;

  2. a negativa de força normativa aos princípios de Direito do Trabalho.

    Recorde-se, a propósito, que o STF, nos autos do RE n. 522.897, considerou inconstitucionais normas que estendem ao FGTS o privilégio da prescrição trintenária, sob o argumento de que elas contrariam a Constituição, que fixa o prazo quinquenal para todos os direitos decorrentes da relação de emprego, o que implica desconhecer os princípios da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador e da progressividade, ambos, inclusive, consagrados na Constituição;

  3. as várias tentativas de fazer o negociado prevalecer sobre o legislado.

    Vale lembrar, no particular as propostas de alteração do art. 618 da CLT (PLC n. 134/2001 e PLC n. 18/2015, que disciplina o “Programa de Proteção ao Emprego) e de criação do acordo coletivo com propósito específico (2011), que constituem ataque a um dos princípios fundamentais do Direito do Trabalho — imperatividade das normas —, e, ainda, a uma das suas características centrais, que é a multiplicidade das fontes.

    Quanto a este último aspecto, é de suma relevância observar que o negociado pode ter distintos sentidos, vez que pode significar o que foi ajustado em convenção coletiva de trabalho, em acordo coletivo de trabalho e em contrato individual do trabalho.

    Aliás, sem que se perceba, o legislador vem fazendo o negociado entre empregado e empregador (negociado individualmente) prevalecer sobre leis de ordem pública, como é demonstrado pelo art. 13 da Lei Complementar n. 150/2015, que autoriza o empregador e o empregado doméstico, mediante acordo escrito, não só a fixar em trinta minutos o intervalo para descanso e refeição, isto apesar de a CLT estabelecer que tal intervalo deve ser de, no mínimo, uma hora (art. 13), como também a fixar a jornada diária de doze horas, com a indenização dos intervalos para repouso e alimentação, ou seja, a dispensar até mesmo o gozo de tais intervalos em jornada diária de doze horas (art. 10).

    O que se pretende, quando é sustentada a prevalência do negociado sobre o legislado, é enfraquecer a imperativi-dade das normas que compõem o Direito do Trabalho e, com isso, privatizar ou contratualizar a regulação da relação de trabalho, o que tem por consequência a substituição, como parâmetro para esta regulação, da ideia de bem comum pela de defesa de interesses particulares.

    É interessante observar que o Direito do Trabalhado já admite a prevalência do negociado sobre o legislado, isto quando o negociado contribuir para a melhoria da condição humana, social e política do trabalhador, o que implica que as propostas voltadas à generalização da prevalência do negociado sobre o legislado têm em vista legitimar situações em que o negociado é prejudicial ao trabalhador (com isto, é alterada a hierarquia móvel consagrada pelo Direito do Trabalho no que...

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