Do consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei 6.404/1976

AutorGuilherme Puchalski Teixeira
Páginas67-97

Page 67

Introdução

A realidade nos mostra que não são muitas as empresas capazes de, com seus próprios recursos técnicos e/ou financeiros, executar empreendimento de grande vulto e alta complexidade.

A necessidade de gastos vultosos em matéria de transporte de mercadoria, distribuição, publicidade, pesquisa tecnológica, impôs o agigantamento das empresas como condição da sua própria sobrevivência.

Deste contexto surge, grosso modo, o interesse constante da iniciativa privada na busca por instrumentos jurídicos que regulem a aglomeração de capital e conhecimento necessário para o desenvolvimento de empreendimentos de porte, obtendo,

Estado e iniciativa privada, a segurança jurídica desejada. Seguramente, pode-se afirmar que o consórcio entre empresas -objeto de análise neste breve arrazoado -assume esta finalidade.

É natural que o Estado possua o interesse de otimizar as relações jurídicas empresariais, uma vez que o desenvolvimento econômico gera riquezas e contribui para o alcance do bem-estar social. Daí porque afirmar que o aprimoramento dos instrumentos voltados ao desenvolvimento contínuo da atividade empresarial é questão fundamental de Estado e tema de alta relevância jurídica e social.

O consórcio é um instituto jurídico peculiar, ligado ao fenômeno da concentração das empresas. Enquanto a fusão, a

Page 68

incorporação e a constituição de grupos de sociedades atendem situações em que há uma necessidade permanente de crescimento da escala da empresa, o consórcio ajusta-se a casos nos quais o efeito buscado é um crescimento ou operação temporário da empresa.

Resumidamente, é nesse cenário em que se insere a relevância e a atualidade do consórcio entre empresas, modalidade contratual em franca expansão, prevista atual-mente nos arts. 278 e 279 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/1976). Acor-reta utilização desta importante ferramenta é motivo de desenvolvimento econômico regional, nacional e supranacional.

1. O fenômeno concentrista
1. 1 A moderna tendência de aglomeração de capitais e conhecimento

O fenômeno concentrista provém da transformação econômica, inicialmente verificada em países europeus, que busca aglutinar forças para o aumento da produção e da produtividade, sobretudo pela conjunção de capital e de novas técnicas (knowhow). Não se trata de tendência recente. Remonta à passagem da produção artesanal para a industrial, a partir do final do século XVIII.1 Contudo, foi a partir da segunda metade do século XIX que esta tendência mais se acentuou.

De um modo geral, pode-se também afirmar que o fenômeno crescente de concentração de empresas encontra relação di-reta com a evolução do capitalismo. Como bem destaca Fábio Konder Comparato, a "evolução da economia capitalista nos últimos 40 anos e notadamente a partir da Segunda Guerra Mundial, tem sido comandada pelo fenômeno da concentração empresarial".2

Essa tendência provocou o surgimento e o crescimento exponencial das empresas que se convencionou chamar de supranacionais ou multinacionais.3

Na atualidade, percebe-se que o movimento concentrista não está mais essencialmente atrelado à dominação de mercado. O que se pretende, na imensa maioria dos casos, é o crescimento da eficiência da empresa, seja pela diminuição dos custos seja através da melhoria da qualidade.

Waldirio Bulgarelli4 anota que "as concentrações decorrem de uma formulação técnica, não mais no sentido de crescer apenas, mas obedecendo a um planejamento" e arremata "disto resulta que a 'dimensão ótima' afasta o mito da empresa necessariamente grande - não obstante seus ardorosos defensores - tanto que se admite como certa a sobrevivência de pequenas e médias empresas".

Para melhor ilustrar esse cenário, convém transcrever as palavras de Maurício da Cunha Peixoto: "O fenômeno concentrista encontra-se presente nos diversos setores da economia moderna. O desenvolvimento

Page 69

tecnológico diminuiu as distâncias e acirrou a concorrência empresarial, que hoje se situa não apenas na clássica conquista de mercados, mas também na busca de novos produtos e novas técnicas".5

Atento à realidade econômica mundial, o governo brasileiro manifestou o seu apoio às concentrações. Exemplificativa-mente, interveio através de leis que estimulassem operações de concentração, tal como a fusão ou a incorporação.6

Em outro exemplo, deixou ampla a liberdade para ajustes contratuais7 - e aqui encaixa-se o consórcio entre empresas de que tratam os art. 278 e 279 da Lei n. 6.404/ 1976 - com a ressalva de que não tivessem por fim práticas combatidas pela legislação antitruste ou objeto ilícito de uma maneira geral.

1. 2 A necessidade de instrumentos legais voltados à concentração de capital e conhecimento

O direito comercial possui como característica marcante o dinamismo de suas normas - regra a qual não foge o direito societário - seja pelo ritmo acelerado da evolução e da complexidade do processo econômico, seja pela capacidade criativa dos empresários.

As estruturas societárias previstas no ordenamento até pouco tempo atrás nem sempre atendiam de modo suficiente os interesses ou os modelos pensados pelos empresários para a execução de um empreendimento determinado, especialmente se for de grande vulto e de extrema complexidade.

Essa circunstância gerou a busca por instrumentos legais adequados a viabilizar, com a segurança e a flexibilidade desejadas, a comunhão desses interesses convergentes entre diferentes sociedades, para a execução de negócios com objeto determinado e temporário, nos mais diversificados segmentos.

Razões de ordem econômica, estratégica ou tributária, muitas vezes, não recomendam a constituição de uma nova sociedade para a conjunção de interesses de diferentes sociedades, especialmente se o negócio visado tiver prazo de duração determinado (transitoriedade) - seja ele voltado para a pesquisa científica, para a prestação de serviços, à industrialização, etc.

O elemento transitoriedade assumiu relevância econômica e jurídica, porquanto as formas clássicas de concentração empresarial (fusão, incorporação, criação de subsidiárias e/ou aquisição de controle acioná-rio) não se mostram adequadas a viabilizar empreendimentos com prazo mais ou menos determinados.

É que quando se busca a implementação de um negócio certo e determinado, ou seja não permanente, parece não haver razão para a constituição de uma nova pessoa jurídica, revestida de toda a sua burocracia e inúmeras formalidades. Gastos desnecessários seriam gerados com a constituição e posterior dissolução desta nova sociedade, assim que o negócio temporário estiver concluído. Aí reside a utilidade dos consórcios. Conforme exalta Pedro Paulo Cristófaro8 o "consórcio responde àqueles casos em que é útil ou mesmo imprescin-

Page 70

dível um crescimento temporário dessa escala".

É, também, muito comum que uma única empresa não consiga atender, satisfatoriamente às exigências de recurso, tecnologia e capacitação que determinando empreendimento exija. Nesses casos, requer-se uma associação temporária de esforços, com a delimitação das obrigações de cada associada, sem abrir mão da autonomia administrativa e jurídica individual de cada sociedade integrante do consórcio.

Ainda antes da promulgação da Lei das S/A, Arnoldo Wald9 explicita o efeito multiplicador dos consórcios: "(...) normalmente, o consórcio é constituído para realizar atividades para as quais os consorciados, um independentemente do outro, não estariam devidamente habilitados. Assim, o consórcio executa tarefas que ultrapassam a sua competência habitual. A razão pela qual cada um dos consorciados se une aos demais nem sempre é a mesma, podendo variar desde a necessidade de entrar num novo mercado até a vontade de aumentar a rentabilidade dos seus investimentos ou de realizar operações a termo que não lhe seriam possível contratar fora do consórcio. O consórcio é, pois, um multiplicador de atividades que assegura uma nova faixa de atuação para o consorciado".

O consórcio deve durar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT