Diversão e arte: a diversidade cultural e o direito autoral no contexto dos direitos humanos

AutorGuilherme Coutinho Silva - Ligia Ribeiro Vieira
CargoMestrando em Direito na área de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (CPGD/UFSC) - Mestranda em Direito na área de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas164-182

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Introdução

Ao passo que a aplicação dos Direitos Humanos pressupõe a discussão de valores, inclusive culturais, adentrar nesta seara implica debater a diversidade cultural, já que são temas indissociáveis. A prote-ção e a promoção da diversidade cultural só poderá se realizar se os direitos humanos, as liberdades fundamentais e a possibilidade dos indivíduos escolherem expressões culturais estiverem garantidas (UNESCO (2005). Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais).

Falar em Diversidade Cultural implica em abordar a questão da exclusão cultural, em razão da falta de disponibilidade e possibilidade de acesso da população em geral, especialmente a mais pobre, aos bens culturais, o que pode induzir a uma homogeneização de padrões culturais. A construção de uma sociedade igualitária, que se desenvolve de forma sustentável, pressupõe a garantia do direito fundamental à cultura e a proteção da diversidade cultural para o desenvolvimento da sociedade.

Um tema que guarda pertinência com a proteção jurídica das formas de criação das expressões culturais é o da propriedade intelectual, em especial o ramo do direito autoral. O jurista português José de Oliveira Ascensão afirma que "todo o Direito de Autor é necessariamente Direito da Cultura", que não pode ser relegado diante de preocupações econômicas ou pessoais (ASCENSÃO, 1997, p. 28). Esta visão não está expressamente representada na Convenção de Berna e demais Acordos internacionais sobre Direitos Autorais. Portanto, será traçado neste trabalho uma relação entre Direitos Autorais, Diversidade Cultural e Direitos Humanos, de forma a interligar direta e juridicamente estes temas, que já têm uma relação intrínseca. Antes de adentrar na temática do presente, necessário se faz estabelecer marco conceitual que aglutine os pontos a serem debatidos.

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1. Direitos humanos e diversidade cultural

A tutela da diversidade cultural está intimamente ligada à pro-teção dos direitos humanos. Contudo, antes de adentrar na estreita relação que mantém, é relevante abordar o processo de internacionalização destes direitos.

Os Direitos Humanos consolidaram-se a partir da importância e preocupação que o ser humano passou a dispensar na esfera internacional. Este fato culminou no Direito Internacional dos Direitos humanos, tido como um conjunto de direitos e faculdades que garantem a dignidade da pessoa humana e se beneficiam das garantias internacionais institucionalizadas.

Primeiramente, cumpre salientar que o homem é um sujeito de direito internacional, e como tal, merece a sua proteção em âmbito abrangente. Esta consideração abarca duas razões de ordem principal: tanto a dignidade da pessoa humana, que faz com que a ordem jurídica internacional reconheça direitos fundamentais ao homem e procure protegê-los; bem como o próprio direito em si, obra feita pelo homem para o homem, que consequentemente reflete na preocupação internacional de proteção destes direitos, tidos como verdadeiros "direitos naturais concretos" (MELLO, 2004, p. 808).

Como forma de explicitar os direitos humanos, foi aprovada sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela trouxe uma nova concepção para estes direitos, eivando-os de universalidade e indivisibilidade. Isto se torna evidente quando pondera-se que tal documento abarca todos os seres humanos, sem distinção de nacionalidade, raça ou credo, por considerar o homem um ser possuidor de essência moral, dotado de unicidade existencial e dignidade (GUIMARÃES, 2006, p. 58).

A partir da Declaração, a internacionalização dos direitos humanos se perfaz consolidada, na medida em que proporciona a adoção de diversos instrumentos internacionais de proteção. Ela confere um lastro axiológico e de unidade valorativa ao Direito Internacional dos

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Direitos Humanos, dando ênfase na universalidade, indivisibilidade e interdependência desses direitos (PIOVESAN, 2006, p. 19).

Para aclarar este processo de internacionalização, cabe aqui adentrar na problemática da fundamentação dos direitos humanos, a qual visa legitimar e motivar o reconhecimento desses direitos.

Nas palavras de Norberto Bobbio (2004, p. 35):

O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter. No primeiro caso, investigo no ordenamento jurídico positivo, do qual faço parte como titular de direitos e de deveres, se há uma norma válida que o reconheça e qual é essa norma; no segundo caso, tentarei buscar boas razões para defender a legitimidade do direito em questão e para convencer o maior número possível de pessoas (sobretudo as que detêm o poder dire-to ou indireto de produzir normas válidas naquele ordenamento) a reconhecê-lo.

Denota-se que fundamentar os direitos humanos é uma tarefa complexa, haja vista não tratar-se de um problema de direito positivo, e sim, de ordem racional ou crítica (SILVA, 2007, p. 180). Da mesma forma, impelir-lhes um fundamento absoluto é deveras arriscado.

Analisando-se este contexto, os Direitos Humanos podem ser compreendidos através de vertentes distintas. Há correntes que os fundamentam com base no jusnaturalismo, propondo a sua sustentação em uma concepção de um direito preexistente ao direito produzido pelo homem, proveniente de Deus ou da natureza inerente ao ser humano (RAMOS, 2005, p. 40).

Contudo, a natureza humana não se revelou suficiente para fundamentar de maneira absoluta os direitos humanos, haja vista ser

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considerada um argumento frágil. Essa dificuldade provém da constatação de que os direitos do homem são correspondentes de uma classe variável, ou seja, são tidos como históricos, como ensina Norberto Bobbio (2004, p. 38):

O elenco dos direitos dos homens se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc.

Destarte, mais importante do que fundamentar essa classe de direitos é proporcionar maneiras eficazes de garantir a sua proteção. Corroborando com esta assertiva Bobbio (2004, p. 45) destaca que:

O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-lo, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. [...] Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam constantemente violados.

Uma das formas de se garantir a realização dos direitos humanos dentro da sociedade multiétnica atual é promover e proteger a diversidade cultural, como dispõe a Convenção da UNESCO de 2005. O artigo segundo da referida Convenção dispõe que "A diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais, tais como a liberdade de

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