Os direitos sociais dos trabalhadores nas cartas constitucionais brasileiras

AutorRúbia Zanotelli De Alvarenga
Ocupação do AutorProfessora Titular do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF, Brasília
Páginas67-90

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Será objeto de estudo, no presente Capítulo, a previsão legal dos direitos sociais dos trabalhadores nas Constituições Brasileiras, sendo aqui apresentadas as suas respectivas previsões constitucionais relativas a tais direitos, sendo a Carta Magna de 1934 a primeira a ter normas específicas de direitos trabalhistas por influência do constitucionalismo social.

A Constituição de 1934 “já” elevou os direitos sociais dos trabalhadores ao patamar ou ao status constitucional.

Contudo, somente após a Carta de 1988, os direitos sociais dos trabalhadores ganharam a dimensão de direitos humanos fundamentais. A Constituição Federal de 1988 constitui um marco na história jurídico-social e política dos direitos fundamentais dos trabalhadores, ao eleger a dignidade da pessoa humana como eixo central do Estado Democrático de Direito e dos Direitos Humanos Fundamentais dos trabalhadores.

O princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente enunciado pelo art. 1º, inciso III, da Constituição de 1988, além de constituir o valor unificador de todos os direitos fundamentais — por estes representarem uma concretização daquele — também cumpre a função legitimadora do reconhecimento de direitos fundamentais implícitos, decorrentes de ou previstos em tratados internacionais, revelando, de tal sorte, sua íntima relação com o art. 5º, § 2º, da CF/88.

Para tanto, foi preciso destacar o papel atribuído a cada uma das Cartas Constitucionais Brasileiras no tocante à contribuição para se instaurar o processo de constitucionalização dos direitos sociais dos trabalhadores no Brasil, haja vista ter havido um longo e moroso percurso perpassado por sete Cartas Magnas para, “finalmente”, chegar-se a um “porto seguro” das garantias constitucionais aos direitos dos trabalhadores.

Eis o que será objeto de estudo nas páginas que se seguem.

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Em se tratando de constitucionalização dos direitos sociais dos trabalhadores, convém destacar que a primeira Constituição Brasileira — outorgada por D. Pedro I — em 1824, foi inspirada nos princípios da Revolução Francesa. Ela aboliu as corporações de ofício e assegurou a ampla liberdade para o trabalho (art. 179, incisos 25 e 29).

A Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado, tinha 179 artigos. Ela compreende o primeiro Código Político Máximo e a mais duradoura de todas as Constituições, seguindo o modelo europeu de liberalismo. Não contemplava regras protetoras aos direitos trabalhistas, tendo em vista que, à época, predominava a escravidão e que, recém-independente, o Brasil ainda estava sob a influência das Ordenações Portuguesas.

Sérgio Pinto Martins (2012, p. 10) destaca que “a Constituição de 1824 tratou de abolir as corporações de ofício (art. 179, XXV), pois deveria haver liberdade do exercício de ofícios e profissões”.

Kátia Magalhães Arruda (1998) enfatiza que o período correspondente à primeira Constituição Brasileira deve ser analisado em relação ao seu momento histórico, no qual predominava a escravidão, não havendo de se falar em direitos de trabalhadores livres.

De acordo com Franco Filho:

O último artigo da Carta Imperial cuidava, dentre outros aspectos, da inviolabilidade dos direitos civis e políticos (art. 179, caput), garantia qualquer gênero de trabalho, cultura, indústria ou comércio, desde que não ofendesse costumes públicos, segurança e saúde dos cidadãos (inciso XXIV) e abolia, certamente a nota mais relevante, as Corporações de Ofícios, seus Juízes, Escrivães e Mestres (inciso XXV), medida que na Europa (sic) ocorrera com a Lei Le Chapelier em 1791. (FRANCO FILHO, 2015, p. 49).

José Felipe Ledur pontifica exponencialmente:

Os direitos sociais aparecem embrionariamente na Constituição outorgada de 25-3-1824, no Título relativo às “Garantias dos Direitos Civis e Políticos”. O art. 179, alínea 24, dispunha que “nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e à saúde dos cidadãos”. A dimensão negativa, de defesa frente à intervenção estatal, do direito ao trabalho ali reconhecido naturalmente, se relaciona à concepção de Estado Liberal então prevalecente em países europeus e importada pelo Brasil. De qualquer modo, vale fixar que a conexão entre trabalho, segurança e saúde, como também a instrução primária e gratuita a todos os cidadãos, estabelecida na alínea 32 do mesmo art. 179, obtiveram reconhecimento jurídico há quase duzentos anos. (LEDUR, 2009, p. 73).

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Martins (2012) lembra, historicamente, a determinação pela Lei do Ventre Livre de que, a partir de 28 de setembro de 1871, os filhos de escravos nasceriam livres. O menino ficaria sob a tutela do senhor ou de sua mãe até o oitavo aniversário, quando o senhor poderia optar entre receber uma indenização do governo ou usar o trabalho do menino até os 21 anos completos. Em 28 de setembro de 1885, foi aprovada a Lei Saraiva-Cotegipe — conhecida como Lei dos Sexagenários — que libertou os escravos com mais de 60 anos. Contudo, mesmo depois de livre, o escravo deveria prestar mais três anos de serviços gratuitos ao seu senhor.

Em 13 de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea pela Princesa Isabel que aboliu a escravidão no Brasil.

2. 2 A constituição de 1891

Quanto à Constituição de 1891, apesar de não ter realizado grandes inovações, pode-se dizer que ela foi o embrião do direito à sindicalização ao reconhecer a liberdade de associação, pois o país vinha da abolição da escravatura em 1888 sem que se tivesse uma noção exata das alterações a serem provocadas pelo trabalho livre. Todavia, sob a vigência desta Constituição, surgiu o Direito do Trabalho no nível constitucional. Em 1926, durante a reforma constitucional, foi estabelecida, no art. 34, a competência privativa do Congresso Nacional para legislar sobre o trabalho. Verifica-se, então, que a Constituição de 1891 reconheceu a liberdade de associação, que possuía apenas caráter genérico na época.

Segundo Franco Filho (2015), a Constituição de 1891 foi profundamente individualista, nos moldes da Constituição Americana que a influenciou, limitando-se somente a permitir a livre associação (art. 72, § 8º) e a garantir o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial (§ 24).

Vólia Bomfim Cassar (2014) destaca que a Constituição de 1891 limitou-se a garantir o livre exercício de qualquer profissão (art. 72, § 24) e a liberdade de associação (art. 72, § 8º), o que serviu de base para o Superior Tribunal Federal (STF) considerar lícita a organização de sindicatos.

Martins (2012), ao analisar esse período histórico, aponta as transformações que vinham acontecendo na Europa decorrentes da Primeira Guerra Mundial e a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, como incentivo à formulação de normas trabalhistas no Brasil. De acordo com o autor, existiam muitos imigrantes que deram início a movimentos operários para reivindicar melhores condições de trabalho e de salários. Daí começa a surgir uma política trabalhista idealizada por Getúlio Vargas, em 1930.

Constata o autor:

Havia leis ordinárias que tratavam de trabalho de menores (1891), da organização de sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), de férias etc. O Minis-tério do Trabalho, Indústria e Comércio foi criado em 1930, passando a expedir decretos, a partir dessa época, sobre profissões, trabalho das mulheres (1932), salário-mínimo (sic) (1936), Justiça do Trabalho (1939) etc. Getúlio

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Vargas editou a legislação trabalhista em tese para organizar o mercado de trabalho em decorrência da expansão da indústria. Realmente, seu objetivo era controlar os movimentos trabalhistas do momento. (MARTINS, 2012,
p. 11).

Ledur assevera elucidativo:

A essa época, o país já abolira o regime escravo. Mas os senhores rurais valeram-se de fórmulas como o truck system para reter em suas fazendas os trabalhadores recém-egressos da escravidão, comprometendo-lhes sua liberdade real. A partir de 1917, as greves e os movimentos dos trabalhadores, voltados à melhoria de sua condição social, formaram um componente político a mais a perturbar a estabilidade liberal. A presença regulamenta-dora do poder público passou a ser exigida, apesar da resistência dos defensores da liberdade contratual no domínio das relações de trabalho. A ebulição social no primeiro pós-guerra europeu deu origem à OIT, em 1919, evidenciando a importância que os direitos sociais adquiriam no plano internacional. Esses fatos também influíram no Brasil, estendendo para cá a chamada “questão social”, que acabou por exigir a revisão do liberalismo em sua versão brasileira. (LEDUR, 2009, p. 74).

Ledur (2009) também afirma com extrema propriedade que, já na primeira parte do século XX, a legislação social começou a empreender seus passos no Brasil, para o que concorreram a industrialização e a urbanização. A Lei n. 3.724, de 1919, é uma das primeiras regras de proteção aos trabalhadores frente a acidentes do trabalho. Leis esparsas passaram a regrar direitos previdenciários de caráter público para categorias de trabalhadores específicos, como a Lei Eloy Chaves, que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões para os ferroviários, depois estendidas a outras categorias profissionais. Além disso, direitos do trabalho de categorias profissionais específicas foram surgindo, alcançando sistematização final na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943.

Por fim, destaque-se que as duas primeiras Constituições Brasileiras sofreram forte influência do liberalismo.

2. 3 A constituição de 1934

Em relação à Constituição de 1934, elevaram-se os direitos trabalhistas a status constitucional, estabelecendo-se, nos arts. 120 e 121, os seguintes direitos: salário mínimo, jornada de...

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