Direitos Humanos e Superlotação no Presídio Feminino de Porto Alegre

AutorDani Rudnicki - Marili Antunes Neubüser
CargoDoutor em Sociologia (UFRGS) - Especialista em Segurança Pública (UFRGS), agente penitenciária, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Páginas113-138
Direitos Humanos e Superlotação no
Presídio Feminino de Porto Alegre
Human Rights and Overcrowding in the Women’s Prison
in Porto Alegre
Dani Rudnicki*
Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre-RS, Brasil
Marili Antunes Neubüser**
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
“A gente f‌ica marcada pelo que já fez [...] as funcionárias
me julgam pelo meu passado [...] mas mudei.”.
Presa da Penitenciária Feminina Madre Pelletier
1. Introdução
O sistema penitenciário tem sido alvo de críticas devido às condições de-
sumanas impostas aos condenados. É um sistema pautado por incógnitas e
mazelas, e analisá-lo requer conhecimento e experiência a respeito de um
local no qual (muitas) pessoas convivem e um grupo exerce poder conce-
dido pelo Estado. Dostoiévski se refere a ele como “casa dos mortos”, Sikes
como “sociedade de cativos”, Clemmer como “comunidade prisional” e
Aymard e Lhuilier como “universo penitenciário”1.
* Doutor em Sociologia (UFRGS), professor do mestrado em Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis
(UniRitter), conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) e advogado, Porto Alegre,
Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: danirud@hotmail.com.
** Especialista em Segurança Pública (UFRGS), agente penitenciária, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
E-mail: mantunesneubuser@yahoo.com.br.
1 DOSTOIÉVSKI, s.d.; SIKES, 2007; CLEMMER, 1966; e AYMARD e LHUILIER, 1997.
Direito, Estado e Sociedade n. 48 p. 113 a 138 jan/jun 2016
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Direito, Estado e Sociedade n. 48 jan/jun 2016
Dani Rudnicki
Marili Antunes Neubüser
A previsão normativa def‌ine que cabe a esse sistema manter o indivíduo
preso, prometendo impor ordem e segurança para a comunidade. Porém,
nessa função, exercida por meio da dominação de um sobre o outro, con-
f‌litos surgem, provocando estresse nas relações e disputas de poder tan-
to entre reclusos quanto entre estes e servidores penitenciários. Em lados
antagônicos, presos e agentes penitenciários (APs) possuem “armas” para
imposição de suas posições e desejos, para garantir poderes e para domi-
narem (e serem dominados). Esses embates, geralmente, acontecem dentro
dos limites do razoável. Se o poder dos carcereiros, no passado, foi quase
absoluto e se apresentava através da prática de tortura e da possibilidade
de imposição desmedida de privações, hoje não.
A transformação das prisões acontece considerando-se novas realida-
des e costumes, e se estabelece por meio de f‌iscalizações e exigência do
cumprimento de normas que obrigam o oferecimento de um tratamento
(pretensamente) humanitário (apesar de a violência estrutural perm anecer).
A melhoria das prisões é uma realidade, embora se possa perceber casos de
violência descontrolada. Devemos considerar que, assim como o compor-
tamento violento está presente na maioria das pessoas que vivem nas so-
ciedades contemporâneas, ele também está presente nos indivíduos presos,
ainda mais se considerarmos que estes necessitam sobreviver em ambiente
hostil, marcado por disputas por poder. Assim, muitas vezes, os presos re-
conhecem a linguagem da violência como a única apta a resolver conf‌litos.
A violência, ao atrair o interesse das pessoas, justif‌ica o fato de o sistema
prisional ser assunto de frequente discussão; em especial pela necessidade de
se observar se há ou não o respeito aos direitos (humanos) devidos às pes-
soas privadas de liberdade. Muitas análises mostram o caos de um sistema
falido e desacreditado. Desejando não recorrer novamente a autores estran-
geiros, exemplif‌icativamente, façamos referência a Thompson e Bittencourt2.
Estudos sobre o sistema penitenciário pátrio demonstram que ele nun-
ca cumpriu a função de ressocialização, e que os políticos brasileiros apon-
tam a superlotação como um dos principais motivos para o “fracasso” da
prisão (Brasil; Rudnicki e Souza). Todavia, os maiores mestres (Rusche e
Kirchheimer; Foucault) revelam que em nenhum tempo e lugar a reeduca-
ção era de fato o objetivo do sistema.3
2 THOMPSON, 1993; e BITTENCOURT, 2011.
3 BRASIL, 2008; RUDNICKI e SOUZA, 2010; RUSCHE e KIRCHHEIMER, 2004; e FOUCAULT 1991.

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