Direitos fundamentais versus democracia

AutorAliçar Mannah
CargoPós-graduanda em Direito Constitucional e Direito Previdenciário - Mestre em Direito das Relações Sociais - Bacharel em Direito - Professora de Direito Internacional - Professora de Direito Empresarial e Direito do Consumidor - Advogada
1. Introdução

Iniciamos alertando quanto a relevância da temática, tanto pela responsabilidade que aos aplicadores do Direito se recai quanto pela importância contextual sobre a qual nos deparamos. Surge o momento em que a sociedade espera atenta por respostas, tais que lhe garantam a segurança jurídica e a atenção quanto a finalidade máxima da ciência jurídica, qual seja, aplicar o Direito em prol da justiça e da paz social. Neste espaço, não há outra questão mais pertinente que estabelecer conceitos e efeitos aos Direitos Fundamentais.

Encontramos na doutrina dominante, apesar de compartilharmos de opinião diferente2, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris na data de 10/12/1948, representa a primeira tentativa da humanidade de estabelecer parâmetros humanitários válidos universalmente para todos os homens, independentes de raça, sexo, poder, língua, crença etc., qual restou adotada e proclamada pela Resolução n° 217 da Organização das Nações Unidas, sendo ratificada por inúmeros Estados, inclusive pelo Brasil.

Os Direitos Humanos são conquistas da civilização, diz-se que uma sociedade é civilizada se seus Direitos Humanos são protegidos e respeitados, e isto é normalmente estabelecido e reforçado pelas Catas magnas dos Estados soberanos.

Desta forma, a nossa Constituição Federal de 1988, espelhando-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, reafirmou os direitos tidos como universais, ditando-os com natureza fundamental aos indivíduos e limitadores da atuação do Estado, revestido pelo modelo democrático.

Todos3 os seres humanos nascem com direitos inalienáveis. Estes direitos capacitam as pessoas a buscarem uma vida digna — sendo assim, nenhum governo pode conferi-los, mas todos os governos devem protegê-los. A liberdade, construída sobre uma base de justiça, tolerância, dignidade e respeito — independentemente da etnia, religião, convicção política ou classe social — permite às pessoas buscar esses direitos fundamentais. Enquanto as ditaduras negam os direitos humanos, as sociedades livres lutam continuamente para alcançá-los.

É neste contexto, que se percebe a importância do tema Direitos Fundamentais correlacionado à democracia, ou vice e versa; a democracia correlacionada à existência e eficácia dos Direitos Fundamentais.

E o debate doutrinário sobre a teoria dos direitos fundamentais não encontram limites ou metodologia única. O que de positivo surge nessas investigações é a preocupação das ciências jurídica e política na busca da fixação de postulados que consagrem os direitos fundamentais do homem de acordo com as realidades por ele vivenciadas, no ambiente atual e em seu contexto social.

O entrelaçamento da relação entre direitos fundamentais e democracia no atual momento esbarra em determinadas condições para o avanço e aperfeiçoamento de nossa vida democrática. Elas envolvem a base social da democracia, pois há vida no objeto – há seres humanos no centro da ciência jurídica. A inquietude hoje reinante em todos os segmentos políticos e jurídicos a respeito da perspectiva democrática para o próximo Século4, especialmente na América Sulina, leva a discussão quanto ao fato de que o culto aos direitos fundamentais contribui para o fortalecimento da democracia.

Assim é que se a democracia5 envolvesse apenas aspectos formal-normativos, sem vínculo com o mundo real e que exigissem apenas alterações no universo jurídico-formal- legal, com a previsão abstrata de direitos, talvez seria mais simples. Porém, democracia e Estado democrático de direito, a partir do desenvolvimento da visão de gerações de direitos, sugerem abordagem e concretização que se inter-relacionem com a vida da sociedade, com a ampliação concreta da cidadania, e adentram ao universo dos conflitos políticos e econômicos, mesmo que aparentemente insolúveis.

Nas palavras do professor Bonotto6, essa comparação tem por finalidade demonstrar que a Ciência Jurídica, em relacionamento com outros ramos científicos, tem por obrigação estudar os aspectos referentes à formação de uma Democracia para o Século XXI sem imposições legais, porém, adotando preceitos que consigam estimular e sensibilizar os dirigentes da Nação, e, também, os cidadãos, da compreensão de que uma nova era, envolvida por graves questionamentos no campo das liberdades, das mudanças institucionais, aproximase, a qual necessita receber, princípios que regulem essas diferentes relações no campo das atividades humanas, sob pena do caos instalar-se no contexto social.

E ainda, comenta que é desnecessária a revisão e exame dos fatos acontecidos durante o período secular que se encerra para a comprovação do afirmado, tendo em vista que todos os agentes da comunidade sentem os efeitos da não obediência à realização dos seus anseios e à concretização das suas necessidades vitais. A Democracia experimentada pelo povo durante o Século XX espelhou um regime político longe de se pautar na soberania popular, na liberdade eleitoral, na divisão e autonomia dos poderes, na legalidade, na moralidade e no controle dos atos administrativos praticados pelas autoridades.

Nos últimos tempos, o resultado apresentado, não obstante o aplauso oferecido ao regime Democrático, tomando como exemplo o Brasil, denota que os pontos obscuros dos momentos ditatoriais vividos pela Nação, no curso dos últimos 100 (cem) anos, a cidadania convive com o mais alto grau de insegurança, com a ausência quase total de proteção à saúde, à velhice, aos adolescentes, às crianças, à educação e sem a entrega de uma prestação jurisdicional adequada.

Como destacou7 o advogado Nicolau Junior, no contexto de reabertura do Direito Constitucional ao universo dos valores, a democracia tem de figurar como um elemento essencial na interpretação jurídica. A democracia é a única forma de governar que trata a todos com igualdade, na medida em que atribui a cada indivíduo um idêntico poder de influência nas decisões coletivas que atingirão sua vida. É na democracia que as pessoas são tratadas como sujeitos e não como objetos, uma vez que apenas no regime democrático se reconhece em cada indivíduo um cidadão livre e digno. E é só no regime democrático que ganha concretude o princípio da dignidade da pessoa – epicentro axiológico de qualquer ordenamento constitucional humanitário.

A Democracia, mesmo que imperfeita, representa ao menos, a esperança e expectativa de Direitos, concedendo a segurança e o desenvolvimento cultural e econômico pretendido pelo cidadão, diferente do que acontece com qualquer outro tipo de regime. Por isso e por outros tantos motivos, que devemos filiar-nos à corrente daqueles que pregam ser a Democracia, com todos os seus defeitos, um regime muito melhor do que a mais perfeita das ditaduras.

Portanto reconhecer as imperfeições não deve ser motivo de renegarmos nossos direitos, mas sim, de buscarmos aperfeiçoar o regime Democrático atual e futuro, mesmo que não seja tarefa das mais fáceis. E o primeiro obstáculo é a falta de conhecimento, informação e oportunidade. Iniciamos, pois, tentando alvisserar os conhecimentos quanto estas temáticas.

Lembranos8 DELGADO que o estudo dos direitos fundamentais vai além da preocupação de definir a válida dentre as teorias existentes, redefinindo situações para adequá-las aos anseios procurados pelas sociedades.

Utilizando o dizer de Bobbio9, a questão dos direitos humanos não é mais o de fundamentá-los, mas o de protegê-los. Já outros autores, dentre eles, Ricardo Lobo Torres, pensam diferente, isto é, pensam ser mais urgente redefinir os direitos fundamentais, observando o fato de que é alarmante, no Brasil, “o déficit teórico” a respeito de estudo vinculado aos direitos fundamentais, não obstante, a partir dos anos 70 (setenta), a Europa e os EE. UU. terem começado com movimentos para suprir essa ausência doutrinária sobre tão importante entidade jurídica protetora da cidadania.

2. Direitos fundamentais e democracia
2. 1 Direitos fundamentais na doutrina internacional

Após o breve relato a respeito da relevância que circunscreve a discussão e a correlação dos temas, cabe-nos iniciarmos a exposição conceitual de ambos ou da temática propriamente dita, tanto a nível internacional como nacional.

E no dizer de J.DELGADO, não se ignora10 que os antigos conceitos de Democracia, as velhas estruturas teóricas que a formam e a sustentam, com ou sem adjetivações, não servem, em vários dos seus aspectos, para serem aplicados aos problemas que o Estado está enfrentando com o cidadão, na era contemporânea, por não expressarem soluções concretas produtoras de êxito de paz social, de respeito à dignidade humana e de valorização do trabalho, da saúde, da educação e proteção da criança, do adolescente e do meio ambiente.

Paulo Bonavides11, em sua obra de estudo a cerca dos Direitos Fundamentais, alerta que na busca de caracterizá-lo, conceituá-lo e definir a sua natureza e concepção universal, destaca o que denominou de “uso promíscuo” das expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais serem usadas indiferentemente.

A seguir, o mesmo autor, após fazer referências às idéias de Konrad Hesse e Carl Schmitt, caracteriza e conceitua os direitos fundamentais do modo seguinte:

Os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência, os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado. E, numa acepção estrita são unicamente os direitos da liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um lado ao conceito do Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em...

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