Noção de Direitos Fundamentais

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas51-57

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2.1. Generalidades

O rigor metodológico e a precisão semântica constituem os requisitos essenciais de qualquer discurso científico, inclusive o jurídico. Só assim se pode compreender como Jean Bodin, em obra célebre (Les Six Livres de la République, 1576), conseguiu estabelecer em bases sólidas a linguagem política da Europa dos tempos modernos e contemporâneos. "Em tudo - dizia ele - é necessário identificar o fim principal e depois os meios de alcançá-lo. Ora, a definição outra coisa não é senão o fim do assunto apresentado e se ela não tiver bons fundamentos, tudo o que sobre ela assentar em pouco tempo desabará"1. É fundamental que a definição se vincule à essência de seu objeto: "É de rigor não se ater aos elementos acidentais, que são em grande número, mas convém salientar as diferenças essenciais e formais"2. Depois disso, deve-se proceder de modo dedutivo: depois de apresentar a definição, cabe "especificar em pormenores as partes" da referida definição3.

Todo sistema jurídico atribui às pessoas um amplo e variado repertório de direitos. Trata-se de saber a que direitos - dentro desse repertório - pode ser dado o epíteto de fundamentais, daí a importância da definição, porque só a partir dela serão identificados os direitos como fundamentais, ou não. Esta seleção de direitos, vale dizer, a operação mental que permite atribuir a dado direito a qualificação de fundamental (enquanto a outros recusa o atributo), só pode realizar-se com efeitos práticos em face de um sistema jurídico positivo concreto. A historicidade dos direitos fundamentais impede a formulação teórica de "direitos fundamentais" em geral, válida universalmente no tempo e no espaço. Do ponto de vista da eficácia, são fundamentais apenas aqueles que, perante dado sistema jurídico, sejam tidos como tais. Em consequência, somente o exame do sistema jurídico singular ensejará a resposta à indagação: Que são direitos fundamentais? Tais ou quais direitos serão fundamentais dentro do sistema considerado, ao passo que, no contexto de ordenamento diverso, poderão não o ser.

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Podem ser identificados, segundo a lição de Véronique Champeil-Desplats, quatro tipos essenciais de concepções da fundamentalidade: as concepções axiológica, formal, estrutural e comum.

Segundo a concepção axiológica, qualificar um direito de fundamental o inclui entre os valores inerentes à humanidade, ao homem como tal. A fundamentalidade conduz, aqui, à universalidade: os direitos são fundamentais porque beneficiam todos, caso contrário, não seriam fundamentais. Esta concepção apresenta uma dimensão jusnaturalista, em virtude da qual a fundamentalidade dispensa o reconhecimento formal por alguma norma. O direito é fundamental independentemente do reconhecimento pelo direito positivo.

Concepção formal: os direitos podem ser qualificados como fundamentais levando-se em conta sua posição na hierarquia das normas. Fundamentais são os direitos expressos em normas do mais elevado grau no interior de um sistema jurídico e que constituem objeto de garantias especiais para preservá-los: exigência de maioria qualificada para alterá-las ou suprimi-las e até mesmo vedação absoluta de aboli-las, proibição de reduzir seu nível de garantia ou efetividade.

Concepção estrutural: direitos fundamentais são aqueles sem os quais um sistema jurídico ou um subsistema perderia sua identidade, sua coerência e seu modo de funcionamento. Eles constituem a base sobre a qual tudo está edificado.

Fundam a existência e a validade das normas deles derivadas, o que supõe sejam os enunciados qualificados de fundamentais formulados com certo grau de generalidade e abstração.

Concepção comum: o caráter fundamental dos direitos deriva de semelhanças de qualificação em diferentes sistemas jurídicos nacionais ou internacionais. Esse caráter de fundamentalidade se baseia numa visão construtiva dos sistemas nacionais ou internacionais, para deles extrair um conjunto de valores comuns aptos a constituir um ius commune, por exemplo, europeu ou universal4.

A diversidade de concepções dificulta, sem dúvida, a tarefa de definir direitos fundamentais, sem as limitações impostas pela observação direta de dado ordenamento jurídico.

Talvez seja possível, contudo, com grande esforço de abstração, deixar de lado o exame de cada ordenamento em concreto e tentar definir direitos

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fundamentais de maneira abrangente, mediante um enunciado suficientemente amplo a ponto de abranger qualquer tipo de direito fundamental, seja qual for a ordem jurídica enfocada.

2.2. Definição

Fixadas essas premissas, pode-se definir direitos fundamentais como os que, em dado momento histórico, fundados no reconhecimento da digni-dade da pessoa humana, asseguram a cada homem as garantias de liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça. Este é o núcleo essencial da noção de direitos fundamentais, aquilo que identifica a fundamentalidade dos direitos. Poderiam ser acrescentadas as notas acidentais de exigência do respeito a essas...

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