Direito natural e equidade

AutorCarlos Aurélio Mota De Souza
Páginas135-153
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1. Conceitos relevantes
Codicações fortes, que se pressupõem abrangentes, coerentes
e bem equacionadas pelo legislador racional, tendem a sugerir, por
essas conotações, que os princípios de equidade são supéruos e dis-
pensáveis, pois no próprio ordenamento jurídico:
a) existe o juízo arbitral ou compositores amigáveis que julgam
ex bono et aequo, sem aplicação das regras de Direito;
b) a jurisdição de Direito dispõe de inúmeros meios técnicos
(usos, costumes, analogia, princípios gerais etc.), para ate-
nuar os rigores do direito estrito e formalista;
c) as leis não são tão rígidas que impeçam os juízes de inuir
nas decisões com suas próprias ideias de justiça;
d) as legislações mais avançadas já incorporam princípios hu-
manitários, sem rigidez excessiva, que dispensam a equida-
de moderadora (como na aequitas pretoriana ou na equity
inglesa);
e) explícita ou implicitamente, a atuação da equidade vem re-
conhecida em nossos sistemas jurídicos, demonstrando que
neles penetraram profundamente e atuam, seja em ordena-
mentos legislativos e jurisdicionais de tipo comum, seja de
tipo especial (justiça do trabalho, juízo arbitral etc).
O direito natural, que hoje nos parece indiferente porque cons-
titucionalizado, pode ser novamente violado e então deixa de ser
136
banal para reassumir relevância jurídica1. Logo, a indiferença pelos
direitos naturais é aparente, assim como alguém que descuidasse da
própria saúde até sobrevir a doença, porque, por exemplo, a violação
dos direitos humanos, quando ocorre, abala todo o social, como o
colecionador que aparenta certa displicência por suas obras raras,
mas que na verdade está sempre atento a qualquer risco de dano.
A propósito, Luhmann diz que alguma coisa se torna trivial
quando se torna comum, convivemos com ela sem perceber, ge-
rando alta indiferença em face das diferenças. Daí entender Tércio
Sampaio Ferraz Jr. que a dicotomia direito positivo-direito natural
é “operacionalmente enfraquecida” diante da trivialização dos di-
reitos fundamentais do homem, que o direito natural representa.
Isso não parece integralmente válido, pois tornar trivial ou bana-
lizar podem ser tomados como indiferentismo diante de valores e
princípios a ele inerentes, tal como a equidade. A vida, a liberdade,
a igualdade, a segurança, a propriedade – para citar apenas os di-
reitos enunciados no artigo 5o, caput, da Constituição Federal – são
valores que informam a vida humana, com os quais convivemos
sem perceber e, no entanto, os povos lutam continuamente por
sua preservação, visto que não nos sendo indiferentes, continuam
como direitos naturais, juridicamente relevantes, daí chamarem-se
“fundamentais”2.
1 Celso LAFER busca demonstrar a urgência da reconstrução permanente dos direi-
tos humanos (direitos inatos), pela igualdade entre os homens, resistência à opres-
são, direito à informação e à intimidade etc. O elenco dos direitos do homem con-
templados pelo direito positivo, diz o autor, foi-se alterando do século XVIII até
nossos dias: das liberdades públicas e direitos políticos, individualistas (1ª geração),
passou para os direitos sociais, econômicos, culturais (2ª geração), para os direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos – direitos da fraternidade e solidarie-
dade (3ª geração), além dos direitos da bioética e da informática (4ª geração) e di-
reitos da honra, imagem, direitos virtuais (5ª geração). A reconstrução dos direitos
humanos, p. 17, 21. Pode-se, então, com segurança, dizer que os direitos humanos
(naturais ou inatos) cam esgotados pela simples positivação no Direito? E que, ao
se positivarem, tornam-se banais?
2 Introdução ao estudo do Direito, p. 160-162, ressalvando, contudo, que “o problema
do direito natural está por detrás de muitas das preocupações da ciência dogmática
do direito, como encontrar princípios para-universais como a legalidade, o interesse
público relevante, a autonomia privada, a responsabilidade fundada na liberdade
etc.” (ibid., p. 163).

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