O direito humano fundamental à democracia

AutorStephan Kirste
CargoProfessor Catedrático da Universidade de Salzburg, Áustria
Páginas5-38
Rev. direitos fundam. democ., v. 20, n. 20, p. 5-38, jul./dez. 2016.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
O DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL À DEMOCRACIA
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THE FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT TO DEMOCRACY
Stephan Kirste
Professor Catedrático da Universidade de Salzburg, Áustria.
Resumo
Em meu artigo eu defendo a tese de que existe um direito humano
fundamental à democracia. Este direito deve ser entendido como um
direito à igualdade de participação na deliberação, na decisão, na
interpretação e na aplicação dos direitos e deveres em geral.
Diferente do conceito de "igual origem" ou "co-origem" dos direitos
humanos e da democracia em Habermas, vou defender uma
reconstrução de ambos sobre a base da liberdade: A liberdade é o
fundamento de todos os direitos de participação. O direito humano à
democracia pode ser distinguido de outros direitos de participação
pela igualdade de participação. Por isso significa necessariamente
igual participação em questões que dizem respeito a todas as
pessoas de igual forma.
Palavras-chave: direitos humanos, democracia, igual origem,
igualdade de participação, liberdade.
Abstract
In my paper I am defending the thesis that there is a fundamental
human right to democracy. This right is to be understood as a right to
equal participation in the deliberation, decision, interpretation and
enforcement of general rights and duties. Different from Habermas’
concept of “equal originality” or “co-originality” of human rights and
democracy, I am going to defend a reconstruction of both on the basis
of freedom: Freedom is the fundament of all rights to participation.
The human right to democracy can be distinguished from other rights
1 Traduzido do original em alemão por Marcos Augusto Maliska. Texto integrante da bibliografia referente
ao minicurso “O Direito Fundamental à Democracia. Liberdade, Autonomia e Passado no Estado
Constitucional” ministrado pelo Prof. Dr. Stephan Kirste, no segundo semestre de 2015, junto ao
Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia do UniBrasil, no quadro da disciplina
“Constituição e Estado Pós-Nacional”, ministrada pelo Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska.
STEPHAN KIRSTE
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to participation by the equality of participation. Therefore it means
necessarily equal participation in matters that concern all legal
persons equally.
Key-words: human right, democracy, equal originality, equality of
participation, freedom.
1. INTRODUÇÃO
Na história da filosofia surgiu já desde muito cedo, desde as grandes revoluções
do Século XVIII, a reivindicação de que a pessoa não desfruta desta ou daquela
liberdade e está sujeita juridicamente a determinados deveres, mas também que
autonomamente deve determinar essas liberdades e deveres. A luta por esse direito
determinou os Séculos XIX e XX e mostrou-se também recentemente na revolução
árabe. Como consequência dessas exigências morais foram reconhecidos nas
Constituições Nacionais a liberdade de expressão, a liberdade de reunião, a liberdade
de associação, o direito ao voto livre, igual, direto e universal, o direito fundamental a
uma decisão justa e o direito à boa administração. No nível supranacional estão
protegidos aspectos desses direitos pela União Europeia (Art. 11, 12, 39 da Carta de
Direitos Fundamentais, Art. 20 II b do Tratado sobre o funcionamento da União
Europeia). Com a autodeterminação dos povos (Art. 1 II da Carta das Nações Unidas),
a proteção do direito ao voto (Art. 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos) e
de comunicação (Art. 19 da Declaração Universal) e liberdade associativa (Art. 20 da
Declaração Universal) o Direito Internacional do Século XX reconheceu essas
demandas também como direitos universais (FRANCK 1992, S. 57 e seg.).
Especialmente o art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
2 contém
a obrigação dos Estados de capacitar os indivíduos para participar das eleições e
pressupõe, de resto, as liberdades de associação e comunicação sob a influência da
exigível liberdade de informação como fundamento das eleições.3 A Declaração do
2 Comentário Geral Nº 25: O direito de participar nos assuntos públicos, direito ao voto e direito de igual
acesso ao serviço público (Art. 25): 12.07.1996 CCPR/C/21/Rev.1/Add.7, Comentário Geral Nº 25.
(Comentários Gerais), adoptado pela Comissão em sua reunião 1510 (quinquagésima sétima sessão)
em 12 de julho de 1996,
http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/%28Symbol%29/d0b7f023e8d6d9898025651e004bc0eb?Opendocume
nt, acessado pela última vez em 13.03.2013: “Art. 25 está cerne do governo democrático baseado no
consentimento do povo e em conformidade com os princípios do Pacto”.
3 O comentário diz: “8. Os cidadãos também tomam parte na direção dos negócios públicos, exercendo
influência através de debate público e do diálogo com seus representantes ou por meio da capacidade
de se autoorganizarem. Esta participação está assentada na garantia da liberdade de expressão, de
reunião e de associação”.
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Milênio da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas adota: “Os homens e
as mulheres têm o direito de viver a sua vida e de criar os seus filhos com dignidade,
livres da fome e livres do medo da violência, da opressão e da injustiça. A melhor
forma de garantir estes direitos é através de governos de democracia participativa
baseados na vontade popular”.
4 Declarações regionais de direitos humanos, como o
art. 3º 1 do Protocolo Adicional a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e o art.
10 da Convenção Europeia, art. 26, Frase 1 da Carta Interamericana, reconhecem que
a democracia é a forma de vida baseada na liberdade e na melhoria das condições
econômica, social e cultural. Essas declarações, no entanto, não tratam de um direito
subjetivo do indivíduo à democracia.
A questão da justificação de um direito humano fundamental à democracia é
ainda muito controversa. Direitos humanos fundamentais e democracia são conceitos
que geralmente estão contrapostos. Concepções que veem em geral tal direito por
justificável tomam a democracia como em uma relação de prioridade em face dos
direitos humanos fundamentais (Rousseau), ou os direitos humanos fundamentais em
relação à democracia (pensamento liberal) ou, ainda, por fim, de “uma igual origem dos
direitos humanos fundamentais e da democracia” (teoria discursiva).
Em contraste a esses entendimentos, o presente texto irá defender a tese de
que um direito humano fundamental positivo à democracia somente pode estar
fundamentado se direitos humanos fundamentais e democracia puderem ser
justificados a partir de um único princípio. Esse princípio único se constitui no princípio
jurídico da liberdade. Na forma de direito positivo os direitos humanos fundamentais e
a democracia somente podem, no entanto, se justificar se o sistema jurídico
(Rechtsform) em si está baseado na liberdade. No lugar da igual origem dos direitos
humanos fundamentais e da democracia tem-se a fundamentação de ambos a partir do
conceito de direito como uma ordem da liberdade. Assim, inicialmente eu me dedico a
uma crítica geral dos direitos humanos fundamentais e das teorias da primazia. Por
fim, eu vou desenvolver a minha própria concepção. Eu entendo o conteúdo do direito
humano fundamental à democracia como um direito à livre e igual participação na
deliberação, decisão, interpretação e execução dos direitos, deveres e interesses do
bem comum.
4 Resolução nº 55/2 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 8.9.2000, I,. 6.

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