O direito da privatizaçáo

AutorArnoldo Wald
Páginas33-41

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"Agora, cabe ao setor privado atender a convocagáo para recolocar o Brasil na trilha do crescimento económico sustentado. No modelo propos-to, o desenvolvimento será financiado pela iniciativa privada, a qual cabera o papel de agente executor dos servigos públicos, em vez de ter como base principal os recursos orgamentários. Ao Governo compete, como mis-sao irrevogável e fundamentável, a regulamentagao e fiscalizagáo dos servigos, representando e defendendo os usuarios e os interesses da socieda-de. Acredito no dinamismo, ñas técnicas gerenciais modernas e na jorga de vontade dos nossos empresarios em promover, com eficiencia, qualida-de e pregos competitivos, um novo ciclo de desenvolvimento. Para isso o Governo precisa criar condigóes favoráveis ao investimento em infra-estrutura. Unidos, Estado e iniciativa privada, em parcerias estratégicas, al-cangaremos os grandes objetivos sociais" (Fernando Henrique Cardoso, Prefacio de O Direito de Parceria e a Nova Lei de Concessóes, de Arnoldo Wald etaL, Sao Paulo, Ed. RT, 1996, p. 7).

"A privatizagáo é a única maneira de assegurar-se de que as necessi-dades de infra-estrutura seráo satisfeitas. Nenhum governo do mundo hoje dispóe de recursos suficientes para fazé-lo por conta própria, seja através de taxagáo ou de empréstimos. Contudo, o capital está ai, em abundancia, como também as oportunidades para investimentos lucrativos" (Peter Dru-cker, Gazeta Mercantil de 11.7.95, Relatório Especial, p. 4).

"Nosso Direito Administrativo clássico é um direito do comando, do privilegio, do controle e, numa palavra, da desconfianga (da administragáo em relagáo ao contratado). O Direito Administrativo do aleatorio, que está sendo elaborado atualmente, aprésenla e apresentará, cada vez mais, características diferentes: será um direito do 'esforgo comum', enquadrado em atos coletivos, 'da colaboragáo' entre a Administragáo e os seus par-ceiros, ou, numa palavra, daconfianga" (André Hauriou, "Le Droit Admi-nistratif de l'aléatoire", in Mélanges offerts a Louis Trotabas, París, Librai-rie Genérale de Droit et de Jurisprudence, 1970, p. 24).

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"Somente se atenderá as necessidades da sociedade contemporánea no tocante a infra-estrutura e aos servigos mediante urna alianga audacio-sa e bem articulada do setor público e do setor privado. Cada parceiro, no fundo, deve doravante fazer o inventario do que é realmente fundamental na sua missao e assumir plenamente o seu papel, todo o seu papel e nada além dele" (Henry Lesguillons, Financement Privé d'Ouvrages Publics a VHorizon 1993, coloquio de París de 26 a 27.3.90, sob a directo de Henry Lesguillons e Marcel Sarmet, París, Forum Européen de la Communication, 1991, p. 322).

"Foram precisos dez séculos para que a Europa amadurecesse pri-meiramenté todas as possibilidades de concessáo, para, em seguida, elaborar o conceito de gestáo delegada. Bastaram dez anos para que a concessáo viesse a ser implantada no mundo inteiro " (Christian Bettinger, La Gestión Déléguée des Services Publics dans le Monde, Ed. Berger Levrault, París, 1997, p. 13).

A - Introduçáo e consideraçoes gerais
  1. A privatizagáo corresponde a urna tendencia mundial, que surgiu tanto em vir-tude da globalizagáo da economía como em decorréncia da falencia do Estado-Providencia (Welfare State), ensejando o redi-mensionamento das atribuigóes do Poder Público para que o mesmo seja eficiente, garantindo o bom funcionamento dos ser-vigos públicos essenciais.

  2. A existencia de importante déficit público e a impossibilidade de continuar financiando as despesas estatais mediante a emissáo de moeda, dentro de um clima inflacionario, fizeram com que, em todos os países, se realizasse urna grande transfor-magáo do Estado que, na palavra de um sociólogo francés, para ser moderno tinha que ser modesto.1

  3. Assim sendo, o Estado onipresen-te, que se desenvolveu no Brasil entre 1930 e 1990, sendo produtor, financiador, transportador, industrial, hoteleiro e até motelei-ro, para ser substituido pelo Estado regula-mentador, executor e fiscalizador dos servigos públicos essenciais, catalisador da produgao, e reformador de instituigoes. Ao mesmo tempo em que se abria a economia do país, tinham que ser extintos certos mo-nopólios estatais e a reserva de determinados mercados, que nao mais se coadunam com a nossa época, especialmente quando o Estado deixou de ter os recursos neces-sários para realizar os indispensáveis in-vestimentos para garantir o desenvolvi-mento da nossa economia.

  4. A privatizagáo tem varios sentidos, abrangendo desde a venda de ativos (bens públicos, empresas públicas e agoes de sociedades de economia mista), até a refor-mulagáo das concessóes, que, em certos se-tores, eram atribuidas, exclusiva ou quase exclusivamente, a empresas mistas. Tam-bém constituem formas de privatizagáo a extingáo parcial ou total de monopolios estatais, a implantagáo de um sistema de acordos de acionistas entre o Estado e empresas privadas ñas sociedades de economia mista, a transformagao do Poder Público de acionista majoritário em acionista minoritario, com ou sem urna agao especial (golden sharé) e até, em certo sentido, a abertura de certas atividades ou participa-góes ao capital estrangeiro.

  5. O conjunto de decisóes referentes á privatizagáo, em todos os sentidos, representa urna verdadeira revolugao económica, política, jurídica e cultural. Como lem-brava Ortega y Gasset, a revolugao se caracteriza por ser feita nao contra os abusos, mas contra os usos. Trata-se, pois, de um verdadeiro novo direito, cujas regras abran-

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    gem o direito constitucional, o direito administrativo, o direito económico e até o direito do desenvolvimento, com reflexos no direito societario e no direito do trabalho.

  6. O leque de normas jurídicas que trata do assunto, a partir da criagáo do Conselho de Desestatizagáo e da Medida Provisoria 26, há cerca de dez anos, até hoje, abrange numerosas Emendas Consti-tucionais, Leis Complementares, Leis Ordinarias, Medidas Provisorias, Decretos, Regulamentos e Portarías Ministeriais, tanto no plano federal, quanto nos diversos Estados e até em alguns Municipios.

  7. As privatizagóes já realizadas e em curso ultrapassam algumas dezenas de bi-lhóes de dólares e o Brasil pretende realizar, este ano, no plano das telecomunica-góes, urna das maiores privatizagóes do mundo ao transferir, para a iniciativa privada, o controle das empresas do sistema Telebrás.

  8. Embora diante de urna realidade...

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