Direito de comunidades tradicionais face ao agronegócio: análise da tutela de direitos desde resistências à monocultura da soja no Baixo Parnaíba maranhense

AutorRuan Didier Bruzaca
Páginas129-147
131
DIREITO DE COMUNIDADES TRADICIONAIS FACE AO AGRONEGÓCIO: ANÁLISE DA TUTELA DE
DIREITOS DESDE RESISTÊNCIAS À MONOCULTURA DA SOJA NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 2, p. 129-147, jul./dez. 2020.
Baixo Parnaíba maranhense context with a focus on the eectiveness of the rights of those ethnic
groups in the socio-environmental conicts caused by the monoculture of soy. The problem
leads to the question of the extent to which the resistance of traditional communities aected
by agribusiness contributes to the eectiveness of rights. The hypothesis is that communities
are opposed to the production model adopted by agribusiness entrepreneurs, characterized by
being environmentally, socially and culturally harmful, resulting in other ways of building law.
The general objective is to analyze the relationship between agribusiness and the eectivity of
rights of traditional communities. Specically, it seeks to highlight the territorial advance of
agribusiness in Brazil and Maranhão, present the relationship between the territorial advance
of agribusiness and the impacts on the environment and rights, examining the implications
of the resistance of traditional communities to the advance of agribusiness in Baixo Parnaíba
maranhense. Bibliographic and documentary research was carried out, with data collection from
the Brazilian Institute of Geography and Statistics from 2008 to 2016 and from the Brazilian
Institute of the Environment and Renewable Natural Resources regarding the marketing of
pesticides from 2009 to 2016.
Key-words: Agribusiness. Baixo Parnaíba maranhense. Traditional communities. Soy.
1 INTRODUÇÃO
Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno
Vocês que aumentam todo ano sua posse
E que poluem cada palmo de terreno
E que possuem cada qual um latifúndio
E que destratam e destroem o ambiente
De cada mente de vocês olhei no fundo
E vi o quanto cada um, no fundo, mente
(“Reis do agronegócio”, de Carlos Rennó e Chico César)
O agronegócio reete na realidade brasileira as implicações de modelos de
de se nv olv im en to que co ns ol ida m o pa ís en qu an to pr od utor de be ns pr im ár ios para expor ta çã o,
como é o caso da soja, grão que assume grande importância no mercado de exportações.
Neste cenário, o avanço das monoculturas no país repercute em variados impactos, como os
relacionados ao ambiente, ao território e aos direitos.
O tema do presente artigo cientíco é o impacto do agronegócio sobre os direitos de
comunidades tradicionais. De forma delimitada, analisando-se em consideração o contex to
do Baixo Parnaíba maranhense, dar-se-á enfoque à efetividade de direitos pelas resistências
destes grupos no cenário de conitos socioambientais provocados pelo monocultivo da soja.
A problemática do presente estudo refere-se à indagação de em que medida as
resistências das comunidades tradicionais atingidas pelo agronegócio, tal qual se observa
nos conitos envolvendo a soja no Baixo Paranaíba maranhense, contribui para a efetividade
de direitos. Tem-se como premissa principal que os direitos são efetivados na medida em
que as comunidades tradicionais se contrapõem ao modelo de produção adotado pelos
empreendedores, caracterizado por ser ambiental, social e culturalmente prejudicial.
Para tal, tem-se como objetivo geral analisar relação entre o agronegócio e a
consagração de direitos de comunidades tradicionais. Especicamente, busca-se: 1) destacar
o avanço territorial do agronegócio no Brasil e no Maranhão; 2) apresentar a relação entre o
132
Ruan Didier Bruzaca
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 11, n. 2, p. 129-147, jul./dez. 2020.
avanço ter ritorial do agronegócio e os impactos sobre o ambie nte e os direitos; 3) examinar as
implicações da resistência das comunidades tradicionais ao avanço do agronegócio no Baixo
Parnaíba maranhense.
Metodologicamente, além da realização de pesquisa bibliográca e documental,
destaca-se o levantamento de dados do Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística a
respeito do espaço ocupado pelo agronegócio, em particular pela soja, no Brasil, no Maranhão
e no Baixo Parnaíba maranhense, do ano de 2008 a 2016. Intentando destacar as implicações
ambientais do agronegócio, também se realizou levantamento de dados do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis a respeito da comercialização de
agrotóxicos de 2009 a 2016, no Brasil e no Maranhão.
2 O DESENHO DO AMBIENTE PELO CENÁRIO NEODESENVOLVIMENTISTA: AVANÇOS
DO AGRONEGÓCIO SOBRE O TERRITÓRIO BRASILEIRO E MARANHENSE
Os deb ates so bre neo desen volv ime nti smo, ou nov o desen volv ime nti smo, te m gan hado
atenção desde o seu surgimento enquanto balizador da política de desenvolvimento do Brasil.
Neste aspecto, o país insere-se num contexto que mantém o aprofundamento do capital
internacional e nacional em diferentes espaços do país, o que gera conitos com grupos
marcados por formas diferenciadas de criar, de ser e de viver, a exemplo do que ocorre no
Maranhão com as comunidades tradicionais.
Do início da ditadura civ il-militar, em 1964, até o seu m, no ano de 1985, tem-se o
chamado segundo ciclo do desenvolvimentismo (BIELSCHOWSKY, 2009, passim), no qual se
observa em seus governos (Castelo Branco e Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo) formas
diferentes e não-lineares de articulação na consolidação das políticas de desenvolvimento,
mas com características comuns. É o caso da abertura para o capital internacional, do
aprofundamento do capital no território brasileiro (em especial, na Amazônia, o que afeta
o Maranhão), da inserção do país na divisão internacional do trabalho enquanto provedor
de produtos primários, dos investimentos em infraestruturas e do desrespeito a direitos da
população étnica excluída, principalmente no campo (BRUZACA, 2014, passim).
Trata-se de um modelo que marcou a economia brasileira, cujas políticas de
desenvolvimento das últimas décadas guardam ainda relação. Neste sentido, Augusto et.
al. (2015, p. 98) destaca que no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso ocorreu
a rearticulação do “processo de modernização técnica da agropecuária, que se zera pelos
militares nos anos 1960 e 1970”, caracterizando o país como provedor de bens primários no
cená ri o in te rn ac ion al . Ad em ai s, ho uv e a re es tr ut uraç ão de “a li anç a da s ca de ia s ag ro in du st ri ais ,
da grande propriedade fundiária e do Estado, promovendo um estilo de expansão agrícola,
sem reforma social”. Finaliza-se destacando que os governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-
2015) intensicaram tal modelo.
É justamente este último período que se nomeia “neodesenvolvimentismo” ou “novo
desenvolvimentismo”. Segundo Santos (2013, p. 92-93), refere-se a um modelo de acumulação
mais nacionalista e estatista, baseado no neoextrativismo, com centralização no Estado,
intervindo no mercado nacional e internacional. Sobre a questão do extrativismo, Gudynas
(2016, p. 26-27, traduziu-se) destaca a existência de extrativismos conservadores reajustados
(Colômbia, Chile, Paraguai e Peru) e progressistas (A rgentina, Bolívia, Equador, Uruguai e
Venezuela), tendo diferenças na “estruturação econômica, [no] papel do Estado, [no] uso de
excedentes e [na] legitimação de políticas”, estando o Brasil no segundo grupo.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT