Direito coletivo do trabalho no setor público

AutorJouberto De Quadros Pessoa Cavalcante/Francisco Ferreira Jorge Neto
Ocupação do AutorProfessor da Faculdade de Direito Mackenzie/Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região)
Páginas410-482

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8.1. A Administração Pública e o Direito Coletivo do Trabalho

Durante muito tempo, como aponta Robertônio Santos Pessoa1: “... considerou-se desnecessária a adoção de regras especiais para solução dos conflitos de trabalho no setor público. Primeiro porque a própria ideia de existência de uma conflituosidade inerente à administração pública era tida como incompatível com princípios basilares do Direito Público, em especial do direito administrativo, particularmente no tocante a noções de soberania, hierarquia, legalidade e continuidade dos serviços públicos. Segundo porque os procedimentos adotados no setor privado eram considerados inconciliáveis com tais noções. Os procedimentos disciplinares constituíam a única exceção nos regimes decorrentes de tais ideias.

Contudo, a experiência dos últimos anos, notadamente a partir da década de 70, tanto nos países desenvolvidos como naqueles considerados em desenvolvimento, tornou manifesta a existência de conflitos coletivos de trabalho no setor público, e a necessidade premente da adoção de mecanismos para dirimi-los, sem comprometimento grave dos serviços públicos prestados à população.”

Além disso, “a concepção atrasada de que as condições de trabalho no setor público são fixadas unilateralmente pela Administração impediu por muito tempo a sindicalização dos servidores públicos.

A ideia ínsita de negociação, inseparável da existência de sindicatos livres, foi excluída deste setor, o que tornava impossível a sua criação. A unilateralidade das condições, impostas sem negociação, inviabilizava o diálogo entre o servidor e o Estado”2.

É inegável que as relações entre servidores e administração pública tenham problemas específicos e que envolvam questões políticas, sociais, econômicas e jurídicas, por vezes, diversas das existentes na iniciativa

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privada, com destaque para as limitações impostas à administração pública por regras e princípios constitucionais e de Direito Administrativo.

Por outro lado, os sindicatos de trabalhadores, sejam eles na iniciativa privada ou não, têm funções inerentes à sua própria existência: a) representação dos interesses da categoria; b) desenvolvimento da negociação coletiva com sindicato patronal ou empresa; c) prestação de assistência jurídica e de outra natureza, como, por exemplo, médica; d) defesa dos interesses próprios em juízo.

Com a ratificação da Convenção n. 151 da OIT pelo Brasil3, a qual trata, de forma específica, da sindicalização no setor público, prevendo estímulo aos procedimentos de negociação coletiva, estende a proteção contra a discriminação antissindical e a ingerência recíproca na organização de pessoal do serviço público.

A Convenção n. 151 da OIT se aplica a todas as pessoas empregadas pela administração pública, na medida em que não lhes forem aplicáveis disposições mais favoráveis de outras Convenções Internacionais do Trabalho (art. 1º — 1). A legislação nacional deverá determinar até que ponto as garantias previstas na Convenção se aplicam aos empregados de alto nível que, por suas funções, consideram-se normalmente possuidores de poder decisório ou desempenhem cargos de direção, ou aos empregados cujas obrigações são de natureza altamente confidencial. Além disso, a legislação nacional deverá determinar ainda até que ponto as garantias previstas na Convenção são aplicáveis às Forças Armadas e à Polícia.

8.2. A Liberdade Sindical

O ponto de partida essencial do sindicalismo, como lembra José Augusto Rodrigues Pinto4, “é a liberdade, o mais nobre sentimento do ser racional, consolidado na consciência do ‘poder de agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas’”.

Durante a 26ª Conferência Geral da OIT (1944), foi aprovada a Declaração Referente aos Fins e Objetivos da OIT, instrumento conhecido como “Declaração da Filadélfia”, no qual se reafirmou os princípios fundamentais sobre os quais repousa a OIT.

Nessa ocasião, a Conferência reafirmou os princípios fundamentais: a) trabalho não é mercadoria; b) a liberdade de expressão e de associação é

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uma condição indispensável a um processo ininterrupto; c) a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral; d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando ao bem comum.

Enquanto, genericamente, suas finalidades são: a) o pleno emprego e a melhoria do nível de vida dos trabalhadores; b) o emprego dos trabalhadores em ocupações em que possam encontrar sua plena realização e, assim, contribuir para o bem comum; c) o fomento da formação profissional; d) o incremento da possibilidade de os trabalhadores participarem de forma equitativa nos frutos do progresso em matéria de salários, assegurando um salário mínimo vital; e) a negociação livre e efetiva dos contratos coletivos de trabalho; f) a segurança social; g) a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores, em todas as suas ocupações; h) a proteção da infância e da maternidade; i) um nível adequado de alimentação, de vida e de cultura; j) a garantia de uma igualdade de oportunidades nos campos profissional e educativo.

Em 1946, na 29ª Conferência Internacional do Trabalho da OIT, foi aprovada a Constituição da OIT, a qual acabou por incorporar a Declaração da Filadélfia.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948, prevê: Art. XXIII — 1. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis e à proteção contra o desemprego. 2 — Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3 — Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4 — Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus direitos. Art. XXIV — Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas. Art. XXV — 1. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

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Os direitos consagrados pela Declaração Universal do Homem foram regulamentados pelo Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais5 e pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos6 e aprovados pela Assembleia Geral da ONU em 1966.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos conhecida como Pacto de São José da Costa Rica7 (1969), em seu art. 16, ao cuidar do direito de associação, garante a todas as pessoas o direito de se associar livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

Como aponta Arnaldo Süssekind8, “essas normas não consideram o exercício dos direitos sindicais, inclusive o de greve, um direito absoluto e ilimitado. Por isso, o Pacto da ONU admite restrições fundadas ‘no interesse da segurança nacional ou da ordem pública’ e, bem assim, ‘para proteger os direitos e liberdades de outrem’, devendo os movimentos grevistas observar as leis do respectivo país, elaboradas em consonância com essas diretrizes”.

Internacionalmente, a Convenção da OIT n. 84 (1947) trata do direito de associação nos territórios não metropolitanos.

A Convenção da OIT n. 87 (1948) dispõe sobre a liberdade sindical, reconhecendo aos trabalhadores e empregadores um amplo direito de se organizarem em associações para defesa de seus interesses, sem a interferência direta ou indireta do Estado (art. 2º).

O art. 9º da Convenção n. 87 prevê que “a forma pela qual as garantias previstas na presente convenção se aplicarão às forças armadas e à polícia será determinada pela legislação nacional”.

A Convenção n. 87 não fez qualquer distinção entre trabalhadores da iniciativa privada ou da administração pública, prevendo apenas a possibili-dade de a legislação nacional atenuar sua abrangência em relação às forças armadas e à polícia, chegando muitos a afirmar, como José Martins Catharino9, que “desde a Convenção n. 87, é esmagadora a consagração...

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