Dinamica de classes no acirramento da crise mundial do capitalismo: lutas de resistencia as alternativas capitalistas no Brasil/Class dynamics in the escalation of the world crisis of capitalism: struggles of resistance to capitalist alternatives in Brazil.

AutorCardoso, Franci Gomes

Introducao

As transformacoes ocorridas no mundo, no final do seculo XX e inicio do seculo XXI, tem colocado grandes desafios aos estudiosos do processo historico de desenvolvimento da sociedade, bem como as forcas sociais progressistas e de esquerda em luta. E um processo mundial que apresenta particularidades nos Estados nacionais que expressam a situacao de cada um no contexto global em que se situam. A compreensao dessa particularidade do Brasil, no contexto do acirramento da crise do capitalismo na contemporaneidade, e de fundamental importancia, na perspectiva de: recuperar historicamente esses desafios; contribuir teorica e politicamente com pesquisas historicas e publicacoes sobre as lutas sociais e organizacao das classes subalternas; e subsidiar o debate critico em torno da tematica em estudo e das praticas sociais para o enfrentamento das alternativas capitalistas.

A fase atual do capitalismo sintetiza o processo mundial de reestruturacao das relacoes de producao e de trabalho, orientada pela ideologia neoliberal, sob a hegemonia do capital financeiro. Nesse contexto,

a flexibilizacao da organizacao da producao e do trabalho, filiada a complexa dinamica do capital, operou grande transformacao economica e ideologica, portanto, na estrutura e superestrutura da sociedade. Assim, fortaleceu tambem a reacao conservadora no modo de pensar a de agir, fomentou a cultura da pos-modernidade, metamorfoseou as relacoes de exploracao, dominacao e humilhacao, com a crescente terceirizacao da producao, a precarizacao do trabalho e a fragmentacao da classe de trabalhadora (ANTUNES apud LOPES, 2015, p. 12). O neoliberalismo assume, no Brasil contemporaneo e nos termos do pensamento gramsciano, uma revolucao passiva, cuja estrategia de passivizacao e exatamente inserir de forma atomizada as classes subalternas no projeto do capital, mediante o conformismo. Por outro lado, tambem no pensamento gramsciano, e exigencia historica do processo de transformacao social a ruptura, pelas classes subalternas, com a ideologia dominante e a construcao de uma concepcao de mundo propria que constitui a base de acoes vitais.

Tal construcao se desenvolve na luta social concreta, determinada pelas condicoes objetivas e subjetivas da luta de classe. Essas condicoes se constituem como determinantes fundamentais das formas de organizacao das lutas empreendidas pelas classes subalternas para o enfretamento das contradicoes presentes nas diferentes conjunturas por elas vivenciadas. Busca-se, assim, a sintese dessas contradicoes, no caminho da construcao de uma sociedade justa e igualitaria, alternativa a capitalista.

Na dinamica historica atual do Brasil, evidenciam-se, por um lado, processos profundamente violentos, tanto fisica quanto moralmente, orientados pela ideologia neoliberal, sob a hegemonia do capital financeiro. Por outro lado, ha processos de resistencia que se expressam por movimentos de oposicao e protesto a opressao, como reacao a subordinacao, a exploracao e a humilhacao inerentes ao capitalismo, agora em crise mundial.

Essa crise evidencia as contradicoes do movimento de acumulacao e manifesta-se em diferentes frentes: a financeira, a ambiental, a do emprego, a da saude e da educacao, dentre outras formas de expressao. Diante dessas manifestacoes, as classes dominantes elaboram e implementam estrategias de acao que assegurem sua hegemonia. Na decada de 1990, por exemplo, no Brasil, a crise foi concebida como esgotamento do modelo fordista/keynesiano, dando lugar ao projeto neoliberal traduzido na privatizacao dos servicos publicos e na reducao drastica das politicas sociais (MOTA, 2010).

Para analise e exposicao da dinamica de classes em confronto, e com interesse centrado na politica, foram buscadas, no campo teorico e politico do pensamento de Marx e da tradicao marxista, as bases teoricometodologicas para a reconstrucao do objeto de estudo, priorizando, nesse campo, as contribuicoes de Gramsci. E a perspectiva teorico-metodologica dos dois teoricos revolucionarios que permite o conhecimento das mediacoes da vida social na ordem burguesa, desvelando os processos que a engendram e as totalidades que a constituem.

No contexto dessa opcao teorico-metodologica e politica, a prioridade dada a Gramsci se justifica pela contemporaneidade de seu pensamento e por ser a pratica politica o eixo central de sua preocupacao teorica. Alem disso, as contribuicoes, neste estudo, de pensadores da tradicao marxista e de Gramsci, em particular, constituem referencias basicas e genericas para pensar a realidade social como totalidade historica e para apreender o movimento do real e reproduzi-lo idealmente.

Com essas referencias, parte-se de tres premissas basicas norteadoras do estudo: 1--a ideologia tem papel ativo em processos historicos determinados, possui um peso decisivo na organizacao da vida social e se realiza concreta e historicamente, resultando do movimento da estrutura social; 2--na dinamica de classes, no capitalismo, e exigencia historica do processo de transformacao social a ruptura, pelas classes subalternas, com a ideologia dominante e a construcao de uma concepcao de mundo propria que constitui a base de acoes vitais; 3--as lutas sociais que se inserem na sociedade capitalista sao determinadas pela dinamica da realidade social, como totalidade historica.

A sistematizacao de parte dos resultados dos estudos realizados, aqui estruturada em forma de artigo, compoe-se desta introducao e de dois grandes itens: no primeiro debate-se o poder da ideologia na construcao da hegemonia das classes subalternas, a partir do pensamento de Gramsci; no segundo, sao expostas formas de expressao de lutas de resistencia das classes subalternas, no enfrentamento de alternativas capitalistas no Brasil. Conclui-se a exposicao recuperando aspectos relevantes do confronto das classes subalternas com o Estado e a classe dominante no processo de construcao de um novo bloco historico, de modo que sao apontados alguns elementos fundamentais da atual conjuntura brasileira, fundamentada em Gramsci.

O poder da ideologia na construcao da hegemonia das classes subalternas

No pensamento gramsciano a ideologia e uma "concepcao de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade economica, em todas as manifestacoes da vida individuais e coletivas" (GRAMSCI, 1978, p. 16). A ideologia tem, portanto, um peso decisivo na organizacao da vida social, pois se realiza concreta e historicamente, resultando do movimento da estrutura social.

Para Gramsci (1978), essa manifestacao da ideologia, enquanto concepcao de mundo, objetiva-se em graus diversificados que ele procura demonstrar em suas reflexoes sobre o processo de elaboracao de uma concepcao de mundo critica e coerente. Estabelece, nessas reflexoes, a relacao entre filosofia, senso comum e religiao, situando esses elementos no interior desse processo de elaboracao.

Ao tratar a filosofia, Gramsci (1978) ressalta que ha um preconceito bastante difundido de que ela seja algo muito dificil e a qual apenas uma determinada categoria de cientistas tem acesso, insistindo que tal preconceito seja destruido. Isso porque, para Gramsci (1978), todos os homens sao "filosofos", na medida em que - mesmo sem terem consciencia - na mais simples manifestacao da atividade intelectual esta contida uma concepcao de mundo, esta implicita uma ideologia.

Segundo o teorico marxista, essa filosofia tem limites porque e espontanea. Mas e acessivel a todo mundo, manifestando-se

[...] na propria linguagem, que e um conjunto de nocoes e de conceitos determinados e nao...

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