A dimensão da 'justiça' na Justiça de Transição: uma aproximação com o caso brasileiro

AutorRicardo Silveira Castro
Páginas190-230
In: MEYER, Emílio Peluso Neder; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Justiça
de transição nos 25 anos da Constituição de 1988. 2ª ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. ISBN
978-85-64912-50-2.
A dimensão da "justiça"
na Justiça de Transição
Uma aproximação com o caso brasileiro
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Resumo: Com o objetivo de contribuir para a delimita-
ção dos contornos do que se pretende buscar com a
aplicação das medidas de responsabilização dentro do
marco teórico da justiça de transição, o presente estudo
analisará os principais paradigmas transicionais viven-
ciados no século XX para identificar o espaço do eixo
da "justiça". Em seguida, pretende-se averiguar o sen-
tido e as possíveis respostas ao fenômeno do crime de
Estado.
Palavras-chave: Justiça de Transição - Crime de Estado
- Responsabilidade Criminal
Resumen: Con el objetivo de contribuir a la definición
de los contornos de lo que se pretende proseguir con la
aplicación de las medidas rendición en el marco teórico
de la justicia transicional, este estudio examinará los
principales paradigmas de transición experimentados
en el siglo XX para identificar lo espacio de lo eje de la
! Acadêmico do período do curso de Direito na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Bolsista de Iniciação
Científica PIBIC/CNPQ. Membro do Grupo de Pesquisa "Direito à
Verdade e à Memória e Justiça de Transição".
A dimensão da “justiça” na Justiça de Transição
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"justicia". Sucesivamente, se investigará el significado y
las posibles respuestas al fenómeno del crimen de Es-
tado.
Palabras-clave: Justicia Transicional - Crimen de Esta-
do - Responsabilidad Penal
1. Introdução
No cenário político latino-americano modelado
pela redemocratização de Estados que passaram por
períodos de autoritarismo nas décadas de 1960 e 1970
surge a problematização a respeito do binômio utilida-
de-necessidade envolvendo o julgamento dos crimes
cometidos pelos agentes públicos no momento da re-
pressão política promovida pelo Estado contra os seus
cidadãos. A análise a respeito da validade de anistias e
indultos interpretados extensivamente aos agentes es-
tatais recoloca no planejamento de ações democratizan-
tes a questão sobre a possibilidade jurídica dos proces-
sos de responsabilização por esses crimes. Diante da
emergência dessa demanda por justiça, faz-se necessá-
rio enfrentar quais os modelos teóricos que lhe dão
suporte, principalmente para que seja possível vislum-
brar o alcance dessas medidas de responsabilização
propostas.
É nessa direção que a primeira parte do presente
trabalho busca delimitar historicamente o conteúdo da
expressão "justiça de transição", para logo em seguida
descrever as propostas do paradigma preponderante
na atualidade, com destaque às proposições que envol-
vem a responsabilização criminal dos agentes públicos
que cometeram crimes de Estado. Em um segundo
momento, analisar-se-á os contornos do que se entende
por "crime de Estado", procedendo-se à reflexões bási-
cas sobre as razões que impõem a punição criminal
dessas condutas criminosas - com destaque ao caso
brasileiro - e sobre o modelo de punição que deve pre-
valecer durante os processos de responsabilização.
Ricardo Silveira Castro
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2. Justiça de Transição: um conceito
Para explorar o tema da justiça de transição, é
preciso que o pesquisador manuseie ferramentas de
diversas áreas do saber (ou ao menos se proponha a
fazê-lo), tendo em vista a interdisciplinaridade do as-
sunto. Nesse sentido, mesmo uma abordagem voltada
ao campo jurídico não dispensa uma avaliação a partir
da perspectiva da sociologia, da filosofia, da história,
da ciência política, da psicologia, e de tantos outros
prismas. A busca por uma análise multifocal, assim, é
imprescindível para a compreensão do objeto em análi-
se no presente trabalho, qual seja, o modo de tratamen-
to do legado deixado pelo complexo fenômeno do
"crime de Estado".
O termo “justiça de transição” refere-se a uma
série de medidas que precisam ser adotadas pelo Esta-
do que sai de um período de conflito e de instabilida-
des para que se possa criar condições reais de implan-
tação de um regime democrático. A expressão foi utili-
zada em um dos relatórios do Secretário-Geral da
ONU# em 2004 e desde então tem representado uma
"State crime is increasingly recognized as a sub-discipline of crimi-
nology, but while our own intellectual background is un this field,
many of the most significant contribuitions to state crime scholarship
have come from anthropologists, psychologists, political scientists, and
writers on international relations and foreign policity." (GREEN, Pen-
ny. The advance of state crime scholarship. In: Journal Of The Interna-
tional State Crime Iniciative, vol.1, n.1, 2012. p.5)
# "A noção de 'justiça de transição' discutida no presente relatório
compreende o conjunto de processos e mecanismos associados às
tentativas da sociedade em chegar a um acordo quanto ao grande
legado de a busos cometidos no passado, a fim de assegurar que os
responsáveis prestem contas de seus atos, que seja feita a justiça e se
conquiste a reconciliação. Tais mecanismos podem ser judiciais ou
extrajudiciais, com diferentes níveis de envolvimento internacional (ou
nenhum), bem como abarcar o juízo de processos individuais,
reparações, busca da verdade, reforma institucional, investigação de
antecedentes, a destruição de um cargo ou a combinação de todos

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