Diferenças de caderneta de poupança

AutorAmaury Silva
Páginas239-262

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1 Plano Bresser e Plano Verão

SENTENÇA

1 - Relatório

.................... e .................... aforaram pedido de cobrança em desfavor de ...................., anotando que entre as partes vigorou contrato de depósito sob a modalidade de caderneta de poupança, constituindo obrigação da parte ré o crédito alusivo à correção monetária e juros, estabelecidos segundo a disciplina normativa do Governo Federal, e que, em decorrência de diversos planos econômicos, omitiu-se o réu no implemento dos respectivos créditos.

Desse modo, fariam jus as partes autoras ao recebimento do equivalente à supressão do percentual de 8,04% referente à correção monetária relativa ao Plano Bresser, e correção monetária e juros no parâmetro de 42,72% derivados do Plano Verão.

Pugnaram pela citação e acolhimento do pedido para que o réu fosse condenado no pagamento das respectivas diferenças.

Inicial de f. .. instruída com documentos – f. ... Citação – f. ...

Resposta sob forma de contestação – f. .., com documentos – f. .., suscitando como preliminar a inépcia da inicial, eis que a narração não estaria encadeada com a conclusão, desafiando a extinção do processo sem resolução do mérito, com indeferimento da inicial nos moldes do art. 485, I, CPC/2015, outrossim, porque os autores não trouxeram qualquer documento que comprovasse o pacto entre os litigantes.

Agitou-se ainda a tese da incompetência absoluta, pois teria o requerido agido por determinação do Banco Central do Brasil, havendo interesse da União, deslocando-se a competência para a Justiça Federal.

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Por outro prisma, foi sustentada a existência de litispendência, eis que o Instituto de Defesa do Consumidor teria ajuizado ação perante o STF, incluindo todos os consumidores brasileiros.

Veio a ser sustentada a prescrição relativa às diferenças pretensamente originárias do Plano Bresser, porquanto o ajuizamento do feito se deu em .../.../....., por incidência da norma civil do art. 178, § 10, III, do Código Civil de 1916.

Quanto ao mérito, ostentou o réu que as intervenções do Estado na economia, por ocasião da edição dos planos econômicos, se deu sob a rubrica do interesse público, quadro que se revestiu de legitimidade.

No que diz respeito ao Plano Bresser, sintetizou que a modificação na planificação dos fatores de recomposição monetária dos depósitos em contas de poupança e outras providências trazidas com o Decreto-Lei 2.335/1987 não poderiam ser contidas pelo fenômeno do direito adquirido.

Já no tocante ao Plano Verão, com o recrudescimento da inflação e a necessidade de intervenção estatal na economia, ocorreram os mesmos parâmetros que justificaram a adoção do Plano Bresser, não sendo lícito falar em direito adquirido às correções conforme fatores não delineados pelo quadro normativo excepcional.

Discorreu ainda sobre a impossibilidade de inversão dos ônus da prova e a exibição de extratos, bem assim se irresignou com a ausência dos cálculos do que seria devido. Quanto aos juros remuneratórios, em tese alternativa, pugnou pelo reconhecimento da prescrição, nos termos do art. 178, § 10, III, CC/1916, e arts. 206, § 3º, III, e 2.028, do CC/2002, volvendo a contagem dos juros moratórios, a partir da citação, conforme estabelecido pelo art. 240, caput, CPC/2015.

Réplica autoral – f. ... Instadas à manifestação quanto ao interesse na produção de outras provas, não promoveram requerimentos as partes – f. ...

É a compilação.

2 - Fundamentação

Presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.

Passo a conhecer das questões preliminares aventadas pela parte ré. Com supedâneo na lógica enfrenta-se, em primeiro plano, a questão ligada à incompetência absoluta, pois prejudicial da análise das ulteriores preliminares.

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Não se vislumbra interesse federal capaz de estabelecer a competência da Justiça Federal, isso porque as consequências da comutatividade do pacto havido entre os litigantes não desafiam tal ótica, pois que circunscritas a esse específico universo.

Fosse a demanda alvitrada no sentido de discutir a incidência de normas federais em um contexto de amplitude, poderia se indagar de tal perspectiva. Mas, a discussão temática litigiosa é apenas entre as partes, em decorrência do negócio jurídico.

Desse modo a repercussão no interesse da União, como resultado da demanda, é de nenhuma envergadura, motivo pelo qual afasto a preliminar sob tal ótica.

Inépcia da inicial

A ausência de extratos bancários ou outro documento que indicasse a movimentação da conta de poupança da parte autora não constitui estorvo para admissão e sequência da inicial, isso porque os apanhados dos extratos nada mais significam do que a tradução dos registros e controles à disposição do banco e, como dizem respeito à relação contratual entre os litigantes, a qualquer momento deve ser exibido, se determinado, como preconiza o art. 399, III, CPC/2015, pois documento comum a ambos. Nesse sentido é a orientação jurisprudencial do excelso STJ:

“Não são indispensáveis ao ajuizamento da ação visando à aplicação dos expurgos inflacionários os extratos das contas de poupança, desde que acompanhe a inicial prova da titularidade no período vindicado, sob pena de infringência ao art. 333, I, CPC. Os extratos poderão ser juntados posteriormente, na fase de execução, a fim de apurar-se o quantum debeatur.” (RESP 644346/BA – 2ª Turma, Relatora Min. Eliana Calmon, j. 21/09/2004, in DJ 29/11/2004, p. 305)

No caso sob exame, já com a inicial a parte autora trouxe documento que comprova a existência da conta – f. .., e sequer houve discordância do réu nesse ponto.

A dispensa dos extratos se mostra com tal clareza, com o espírito da reforma processual civil, que o disposto no art. 524, §§ 3º e 4º, CPC/2015, disciplina a obrigação da parte que detém os dados e informações, indispensáveis ao cálculo, disponibilizá-los à parte contrária e ao juízo, a fim de se promover a liquidação, na hipótese de condenação.

Na esteira desse raciocínio, não há nenhuma confusão ou impropriedade no aforamento do pedido sob o rito ordinário, existindo a incidência da exibição

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de documentos na fase de cumprimento de eventual sentença condenatória, não sendo esse motivo hábil a encorajar a tese da inépcia da inicial.

De se apontar, por relevante, que a narrativa do pórtico em nenhum momento embota ou desatende o raciocínio para fins de se atender a conclusão, não podendo ainda se falar de defeito da peça nessa singularidade.

Ademais, desincumbiu-se a parte ré de contrapor-se aos argumentos do exórdio, sem qualquer prejuízo ao contraditório ou à ampla defesa.

Rejeito a preliminar de inépcia da inicial.

LITISPENDÊNCIA

Inviável se cogitar do acerto de tal tese, pois repelida de maneira taxativa pela norma do art. 104, Lei 8.078/90.

Dessa maneira, afasto a preliminar.

Promovo o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, CPC/2015, pois não há necessidade de dilação para arrecadação de provas.

Nesse percurso, é de ser assinalado que a prova pericial no estágio atual não é imprescindível, pois não houve nenhuma parcela do pedido autoral com valor nominativo.

Com isso, o valor global permaneceu ilíquido, sendo certo que na forma do que dispõe o art. 509, § 2º, CPC/2015, na fase da liquidação, o mero cálculo aritmético poderá chegar à conclusão do que for devido, dispensando-se a perícia, ou, se for a hipótese, diferindo-se o arbitramento para a ocasião necessária, isto é, no próprio cumprimento da sentença.

Restando demonstrada a existência da relação jurídico-material entre as partes, ou seja, os depósitos em caderneta de poupança – f. .., necessária a aferição quanto ao direito do autor em auferir os valores decorrentes da aplicação dos índices propugnados.

No que diz respeito ao evento econômico denominado Plano Verão, soa com tonitruante acerto no campo jurisprudencial que a aplicação do índice de 42,72% deve ser destinada às poupanças com início e renovação até 15.01.1989, ou seja, o IPC referente ao indigitado mês.

Ora, a não adoção desse índice retira por fragmento a necessidade de recomposição do valor monetário, em franco prejuízo ao poupador, pois perdeu o mecanismo mínimo contra a desvalorização da moeda e deterioração do seu poder aquisitivo, constituindo drástico enriquecimento ilícito da instituição financeira.

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Essa posição foi sufragada pelo excelso STJ, como se pode ver no seguinte aresto: AgRg no Ag 617217/SP, 4ª Turma, Rel. min. Fernando Gonçalves, j. 21/08/2007, in DJ 03/09/2007, p. 179.

A tese do estrangulamento do direito adquirido não pode prevalecer, sob pena de se instaurar a mais pronta insegurança jurídica, dotando o mecanismo de controle estatal na atividade econômica do mais autêntico despotismo. Nos sistemas democráticos de direito as garantias individuais devem ser plenas e, como tal paradigma está assentado no art. 5º, XXXVI, CF, mesmo em relação à potestade estatal, as garantias podem ser invocadas e efetivadas.

Com isso, os expurgos inflacionários gerados e produzidos a partir da modificação do regramento infraconstitucional não podem acarretar supressão de direitos projetados pela situação consolidada.

Nesse sentido foi a abordagem dada ao assunto pelo excelso STJ, como visto no RESP n. 433.003/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 26/02/2002, in DJ...

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