Entre o ser e o dever ser

AutorJurandir Antonio Sá Barreto Júnior
CargoPossui graduação em História pela Universidade Católica do Salvador (1990), graduação em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (1993), graduação em Direito pela Universidade Católica do Salvador (1995), mestrado em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (2002), mestrado em Ensino História e Filosofia da Ciência pela ...
Páginas65-87
ENTRE O SER E O DEVER SER
ENTRE ÊTRE ET DEVOIR ÊTRE
Jurandir Antonio Sá Barreto Júnior
1
RESUMO
Através do presente artigo, pretende-se refletir sobre a natureza do Direito no pensamento de Hans
Kelsen, a partir da investigação dos pressupostos epistemológicos sobre os quais se fundamentam o
conhecimento do fenômeno jurídico expresso na sua obra Teoria Pura do Direito (1934). Descreve-se,
então, o processo de construção do discurso kelseniano. Caracterizam-se, posteriormente, as
contradições no seio de sua fundamentação epistemológica para seguirem-se as críticas à sua concepção
de Direito. Sugere-se uma compreensão do fenômeno jurídico relacionado à realidade social na qual
está inserida.
Palavras chave: Epistemologia. Norma Fundamental. Positivismo. Ser e Dever-Ser. Transcendência.
RÉSUMÉ
Le travail ci-présent est une réflexion sur la nature du droit et de l’ Etat dans la pensée de Hans Kelsen
à partir de la recherche des Fondements épistémologiques du phénomène juridique exprimé dans son
oeuvre “Théorie Pure du Droit”. On décrit alors le processus de construction du discours kelsenien. On
caractérise posterieurement les contradictions dans le sein de sa fondation épistémologique pour suivre
les critiques de sa conception du droit de l’ Etat. On suggére une compréhension du phénoméne juridique
en relation à la rèalité sociale dans laquelle il est inclus.
Mots-clés: Épistémologie. Être et dovoir être. Norme Fondamentale. Positivisme. Transcendance.
1 INTRODUÇÃO
O jurista Hans Kelsen pode ser considerado um divisor de águas para toda a teoria
jurídica contemporânea. Kelsen escreveu, em 1934, sua mais famosa obra, Teoria Pura do
Direito, cujo objetivo foi discutir os princípios e métodos da teoria jurídica, pondo em questão
a própria autonomia da Ciência do Direito, conferindo a ela um método e um objeto próprios,
1Possui graduação em História pela Universidade Católica do Salvador (1990), graduação em Filosofia pela Universidade
Federal da Bahia (1993), graduação em Direito pela Universidade Católica do Salvador (1995), mestrado em Direito Público
pela Un iversidade Federal de Pernambuco (2002), mestrado em Ensino História e Filosofia da Ciência pela Universidade
Federal da Bahia (2004), é Doutor em Estudos Etnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia (2011) e realizou estágio
Pós Doutoral em Ciências Jurídicas e Garantias Constitucionais na Universidad de La Matanza em Buenos Aires - Argentina
(2012) e também estágio Pós Doutoral em Direito Internacional na Université du Quebéc à Montréal (UQAM) em Montreal -
Canadá (2015). Atualmente é professor Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), da Faculdade da Cidade do
Salvador e da Universidade Católica de Salvador (UCSAL). Atua principalmente nos seguintes temas: Introdução ao Estudo
do Direito, Teoria da Interpretação Jurídica, História do Direito, Filosofia do Direito, Sociologia Jurídica e Projeto de Pesquisa
em Direito.
234 | Entre o Ser e o Dever Ser
Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, V. II, Nº 02, p. 233 a 256, jul-dez, 2018 | ISSN 2595-0614
capazes de superar as confusões metodológicas então reinantes, dando ao jurista uma autonomia
científica. Com esse objetivo, Kelsen propôs o que denominou princípio da pureza, segundo o
qual, a Ciência Jurídica deveria ter como premissa básica tão somente o enfoque normativo. Ou
seja, o Direito, para o jurista, deveria ser encarado como norma, não se confundindo com o fato
social ou com a moral. Isso valia tanto para o objeto quanto para o método. Suas indagações
epistemológicas preocuparam-se com a consolidação da Ciência Jurídica, reagindo à aparente
anarquia conceitual a que se tinha reduzido a meditação científica do direito.
Assim, pelo Princípio Metodológico Fundamental ou Princípio da Pureza, estabeleceu,
como foi dito, que o objeto da Ciência Jurídica é a norma, de modo que sua atividade se esgota
na tarefa de conhecer as normas do direito. Contudo, fazia-se necessário precisar,
epistemologicamente, a realidade existencial na qual estava inserida a normatividade. Para
explicar o plano cognoscitivo existencial da normatividade, Kelsen utilizará o Pr incípio
Metodológico Transcendental, que é uma reafirmação da normatividade, enquanto objeto da
Ciência Jurídica, situando-a, porém, no horizonte do dever-ser.
2 FUNDAMENTO DE VALIDADE
O objeto da ciência jurídica reside no campo epistemológico de investigação da ciência
normativa, caracterizada pela categoria do dever ser.
Para formular sua teoria, Kelsen introduziu, em sua obra, o conhecido dualismo
neokantiano do Ser e do Dever Ser, que constitui duas categorias originárias ou a priori do
conhecimento, isto é, que não derivam de nenhuma outra. Kelsen chega a esse dualismo
categorial, lógico-transcendental, inspirado em Kant, que, com o seu criticismo, realizou a
distinção entre o mundo da percepção sensível e o mundo do entendimento e da razão.
Kant indaga, na Crítica da Razão Pura, sobre as condições de possibilidade ou de
validez do conhecimento racional científico, logicamente necessário e universalmente válido,
bem como sua extensão e limites objetivos. Encontra essas condições de possibilidade nas
formas a priori da percepção sensível ou da sensibilidade e nas formas a priori ou categorias
(conceitos) do entendimento, que precedem o conhecimento como tal. Isto é, estão dadas antes
(a priori) de todo conhecimento como seu prius lógico e necessário, revelando essa
anterioridade em face da experiência, no processo mesmo do conhecimento ou no ato de
conhecer, que começa com a experiência. Esse prius lógico do conhecimento é o
“transcendental” em Kant, ou seja, aquilo que antecede como condição para o conhecimento.
O referido pressuposto kantiano não se encontra na ordem do tempo, não deriva da experiência,
pelo contrário, independe dela e das impressões dos sentidos. Consubstancia-se num

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