Estatuto do Desarmamento: Medida Provisória Pode Adiar o Início de Vigência de Norma Penal Incriminadora?

AutorDamásio de Jesus
CargoAdvogado em São Paulo
Páginas21

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Os arts. 29, 30 e 32 1do Estatuto do Desarmamento2dispõem sobre os prazos:

  1. de expiração das autorizações para o porte de arma de fogo concedidas em face da legislação anterior3 (art. 29);

  2. para o registro das armas de fogo ainda não registradas (art. 30);

  3. de entrega das armas de fogo não registradas à Polícia Federal (art. 32).

Afirmam essas disposições: "Art. 29. As autorizações de porte de armas de fogo já concedidas expirar-se-ão 90 (noventa) dias após a publicação desta Lei.

Parágrafo único. O detentor de autorização com prazo de validade superior a 90 (noventa) dias poderá renovála, perante a Polícia Federal, nas condições dos arts. 4.º, 6.º e 10 desta Lei, no prazo de 90 (noventa) dias após sua publicação, sem ônus para o requerente".

"Art. 30. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deverão, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos".

"Art. 32. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas poderão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e, presumindo-se a boa-fé, poderão ser indenizados, nos termos do regulamento desta Lei.

Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo e no art. 31, as armas recebidas constarão de cadastro específico e, após a elaboração de laudo pericial, serão encaminhadas, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, ao Comando do Exército para destruição, sendo vedada sua utilização ou reaproveitamento para qualquer fim".

Ocorre que, de acordo com a Medida Provisória n. 174, de 18 de março de 2004, publicada no Diário Oficial da

União de 19 de março de 2004, a data de início dos prazos dos referidos dispositivos foi adiada. Eles deveriam ser considerados a partir da data da publicação da Lei n. 10.826/ 2003, a qual ocorreu em 23 de dezembro de 2003. Nos termos da mencionada Medida Provisória, porém, cumpre que sejam contados a partir do dia da publicação do decreto de regulamentação do Estatuto do Desarmamento, ainda não editado.

A Medida Provisória n. 174/2004, na verdade, ampliou temporalmente a validade legal dos portes já concedidos e os prazos para o registro inicial e entrega das armas de fogo irregularmente possuídas.

No caso do art. 29, na redação original, sem se levar em conta a Medida Provisória, as autorizações de porte de armas de fogo já concedidas expirariam 90 dias após 23 de dezembro de 2003 (data da publicação da Lei n. 10.826/2003). Depois desse prazo, deveriam ser consideradas ilícitas a sua propriedade, posse etc., conduzindo os fatos, por exemplo, à tipicidade do crime descrito no art. 14 do Estatuto do Desarmamento (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido). Diante da Medida Provisória, o lapso de 90 dias teve seu termo a quo alterado, passando para o dia da publicação do decreto de regulamentação, ainda inexistente.

Na hipótese do art. 30, em sua feição primitiva, os proprietários e possuidores de armas de fogo em situação irregular, isto é, não registradas, sob pena de responsabilidade criminal, precisavam legalizá-las no prazo de 180 dias após a publicação da Lei n. 10.826/2003 (23 de dezembro de 2003). Depois desse lapso, não sendo registradas, incidiria, em princípio, o crime do art. 12 da nova Lei Especial (posse irregular de arma de fogo de uso permitido). Em face da Medida Provisória n. 174/2004, esse prazo terá início na data da publicação da regulamentação vindoura.

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De acordo com a primeira redação do art. 32, os detentores de armas de fogo não registradas tinham o prazo de 180 dias, após a publicação da Lei n. 10.826/2003 (23 de dezembro de 2003), para entregá-las à Polícia Federal. Omisso o detentor, recairia o fato, por exemplo, nas malhas dos crimes dos arts. 12 ou 14 da Lei nova (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso permitido). Por força da Medida Provisória, teremos como data inicial do prazo o dia da publicação do decreto de sua regulamentação.

Vê-se que a Lei nova, qual seja a que instituiu o Estatuto do Desarmamento, fixou um período original para que os cidadãos afastassem suas armas de fogo da ilegalidade ou renovassem os registros concedidos nas hipóteses de seus arts. 29, 30 e 32. Desde que houvesse a regulamentação da Lei n. 10.826/2003, ultrapassados os limites temporais permissivos, quais sejam 90 ou 180 dias a partir de 23 de dezembro de 20034 , passariam a viger as normas penais incriminadoras, de modo que a sua propriedade, posse, detenção, porte etc. configurariam crimes. Com o advento da Medida Provisória n. 174, alterando o dies a quo da contagem dos lapsos, foi adiada a data de vigência das normas definidoras dos tipos penais delitivos da Lei n. 10.826/2003, no que tange às matérias reguladas pelos mencionados dispositivos, pressupondo-se já vigente o decreto regulamentador. De maneira que não se deve observar períodos de 90 ou 180 dias posteriores a 23 de dezembro de 2003, e sim os mesmos prazos a partir da publicação das futuras disposições de regulamentação, ficando condicionada a incriminação à entrada em vigor do novo decreto. Vê-se que, por via oblíqua, o Executivo alterou a eventual data de início de vigência das normas incriminadoras da Lei nova, aquelas que exigem regulamentação. Assim, por exemplo, um fato que seria considerado crime em face da Lei nova desde 22 de março de 2004, isto é, 90 dias depois da publicação do Estatuto do Desarmamento, passou a condicionar a sua tipicidade à edição do novo Regulamento5 .

Inegavelmente, dispositivo que adia o início de vigência de lei incriminadora é de natureza penal.

Daí as questões: 1a.) o Executivo pode legislar sobre matéria penal? 2a.) medida provisória pode adiar, por via indireta, a data de início de vigência de norma incriminadora, uma vez que o art. 62, § 1.º, I, b, da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, proíbe expressamente sua edição em matéria penal?

3a.) se medida provisória não tem força criadora de infração penal, cabendo esse poder somente à lei6 , pode ela modificar a data da entrada em vigor de lei penal incriminadora?

Há dois posicionamentos: 1º) a medida provisória pode disciplinar matéria de Direito Penal, desde que beneficie o réu.

Atendidos os argumentos dessa corrente, os dispositivos questionados, adiando a entrada em vigor de algumas normas incriminadoras do Estatuto do Desarmamento, não estão criando crime nem impondo pena, não contrariando o princípio da legalidade (ou da reserva legal). Como ensinam Celso Delmanto et al.7 , à regra segundo a qual a medida provisória não...

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