O desafio e o fardo do tempo histórico

AutorIstván Mészáros
CargoUniversidade de Sussex
Páginas17-33
Dossiê
O desafio e o fardo do tempo histórico
István Mészáros*
Eu sou muito privilegiado por estar aqui com vocês. Em italiano
não se costuma dizer “buona fortuna”, mas sim “in bocca al
lupo” (“na boca do lobo”). Eu estou, então, “na boca do lobo”, na
boa fortuna da companhia de todos vocês. O tema de meu livro é
O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico e vou tratar particularmente
da seguinte questão: Por que socialismo?
Em sua contribuição à primeira edição de Monthly Review,
Einstein propôs a questão: “Por que socialismo?”, destacando de
modo contundente em sua resposta que “a sociedade humana está
passando por uma crise, sua estabilidade foi gravemente abalada”.
Sustentou que os riscos a serem enfrentados eram muito altos em
nossa ordem social globalmente interligada porque “Não é exagero
dizer que o gênero humano constitui hoje uma comunidade planetária
de produção e consumo”. Ele tampouco pretendia subestimar os
problemas que deveriam ser enfrentados no futuro. Ao contrário, as-
severou com um senso lúcido de responsabilidade que “A realização
do socialismo requer a solução de alguns problemas sociopolíticos
* Conferência ministrada pelo Prof. Emeritus István Mészáros (Universidade de
Sussex), no dia 20 de novembro de 2007, quando se realizou o lançamento
de seu livro O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico (Boitempo) na Universidade
Federal de Santa Catarina. A mesa foi coordenada pela Profª. Claudia Mazzei
Nogueira (Departamento de Ser viço Social) e contou com a participação dos
professores Fernando Ponte de Souza (Programa de Pós-Graduação em Socio-
logia e Política), Paulo Tumolo (Programa de Pós-Graduação em Educação) e
Ricardo Antunes (UNICAMP). A conferência foi extraída do livro homônimo, por
meio de uma seleção de alguns capítulos, para que o Prof. Mészáros falasse em
português. As tradutoras do livro foram Ana e Vera Cotrim.
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Nº 13 – outubro de 2008
extremamente difíceis”. E concluiu seu raciocínio com as seguintes
palavras: “É de crucial importância, em nossa época de transição, a
clareza com respeito aos objetivos e problemas do socialismo”1.
Desde o momento em que essas palavras foram escritas, há
quase sessenta anos, a crise à qual Einstein se referia tornou-se
muito maior: uma crise estrutural genuína da totalidade do nosso
sistema de reprodução social. Ademais, ninguém hoje pretenderia
negar que devemos nos preocupar com a complexa situação de
apuro de uma ordem planetária. Além disso, com a implosão do
sistema de tipo soviético em meados da década de 1980, que trou-
xe repercussões dolorosas para incontáveis milhões de pessoas,
o parecer de Einstein de que “a realização do socialismo requer a
solução de alguns problemas sociopolíticos extremamente difíceis”
intensificou-se de forma drástica.
Portanto, mais do que nunca, nossa época de transição precisa
encontrar uma solução historicamente viável para suas contradições
e confrontos devastadores, a fim de reparar a estabilidade gravemen-
te abalada pelos antagonismos que deram origem às duas guerras
mundiais assoladoras do século XX e que prenunciam a destruição
total da humanidade no caso de uma terceira. Somente os defen-
sores mais acríticos da ordem estabelecida poderiam sustentar a
possibilidade de manter indefinidamente tudo do modo como tem
sido. Portanto, em vista da crise estrutural cada vez mais profunda da
ordem sociometabólica do capital, a questão “por que socialismo?”
pode – e deve – ser mais uma vez legitimamente evocada.
Então, por que socialismo? Primeiramente porque o capital,
por sua própria natureza, é incapaz de atentar para os problemas
ameaçadores de sua crise estrutural. O sistema do capital tem um
caráter eminentemente histórico. No entanto, suas “personifica-
ções” recusam-se a admiti-lo, no interesse de eternizar a vigência
de seu modo de controle sócio-reprodutivo, apesar de todos os
seus perigos hoje demasiadamente óbvios, mesmo com respeito à
destruição da natureza e às inegáveis implicações dessa destruição
para a própria sobrevivência humana.
1 Albert Einstein, Why Socialism?, em Monthly Review, mai 1949. Grifos meus.

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