Depois da tempestade: uma resenha de "Four futures", de Peter Frase.

AutorHillani, Allan M.
CargoResena de libro

Depois da tempestade: uma resenha de "Four futures", de Peter Frase

FRASE, Peter. Four futures: life after capitalism. London: Verso Books, 2016.

Fredric Jameson disse certa vez que e mais facil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. (1) Nao a toa, a ficcao e recheada de narrativas catastroficas que ameacam acabar com a humanidade, desde meteoros a invasoes alienigenas, passando por apocalipses biologicos e contaminacao zumbi, enquanto que poucas sao as que se arriscam a retratar uma sociedade pos-capitalista. Esse e precisamente o grande valor do recente livro de Peter Frase, Four futures: life after capitalism [Quatro futuros: vida apos o capitalismo, sem traducao para o portugues], publicado em conjunto pela Jacobin magazine e pela Verso books em 2016. O livro, uma versao estendida de um artigo publicado por Frase em 2011 com o mesmo titulo, (2) se baseia em um interessante experimento de pensamento ao se questionar como sera a sociedade pos-capitalista. Porque de uma coisa podemos estar certos: o capitalismo vai acabar. Talvez nao logo, mas a humanidade jamais presenciou um sistema social eterno e o capitalismo esta longe de se candidatar a esse posto com tantas contradicoes e disfuncoes. Como ele vai acabar e o que vira depois, contudo, ainda e incerto.

Por essa razao Frase abusa das referencias ficcionais. Nao se trata de frivolidade. Com isso, ele busca conciliar a analise cientifica do presente com a imaginacao sobre o futuro, o que exige tanto a atencao aos estudos sociologicos contemporaneos--que dao substrato teorico para a percepcao das tendencias--como as producoes artisticas que em outra linguagem buscam apresentar suas leituras do mundo. Basta olhar para a tradicao distopica que abrange George Orwell, Aldous Huxley, Anthony Burgess e Margaret Atwood--por sinal, todas ausencias notaveis do livro, que prefere referencias menos obvias--dentre tantos, para entender o poder da arte em compreender o seu tempo. Como ele afirma, trata-se de "uma tentativa de usar as ferramentas das ciencias sociais em combinacao com as da ficcao especulativa para explorar o espaco de possibilidades em que os nossos conflitos politicos futuros se darao", uma especie de "ficcao cientifica social" (social science fiction, muito mais sonoro no original).

Segundo Frase, dois espectros assombram o mundo no seculo 21: a catastrofe ecologica e a automacao. Como ele afirma, trata-se de ansiedades opostas diametralmente. No primeiro caso e o medo da falta: falta de comida, falta de recursos, falta de espaco, coisas que ameacam a sobrevivencia humana. No outro, e o medo do excesso: a possibilidade de uma economia totalmente automatizada de produzir tanto com tao pouco trabalho humano que os trabalhadores se tornem dispensaveis em sua grande maioria. Uma crise de escassez e de abundancia ao mesmo tempo e, para Frase, e justamente o resultado dessas duas dinamicas sobrepostas que dara o tom da sociedade futura. Somado a esse conflito, ele insere um segundo conflito que, de algum modo, sobredetermina o primeiro: a politica, ou, na classica terminologia preferida pelo autor, a luta de classes. O resultado das duas "crises" depende da forma pela qual serao distribuidos os onus e os bonus, a escassez e a abundancia da sociedade futura, isto e, se sera uma forma igualitaria--o fim da pre-historia da luta de classes (e, consequentemente das castas e estamentos sociais)--ou uma forma hierarquica--o surgimento de uma violenta divisao social recalcada na contradicao entre igualdade formal e desigualdade material que e constitutiva da modernidade capitalista.

Para Frase, no centro da questao esta o desenvolvimento tecnologico e a possibilidade de acabar com o trabalho humano involuntario, uma tendencia que para ele parece ser irrefreavel. Para desenvolver seus "tipos" ideais, entao, ele leva a questao ao seu extremo: imaginemos um futuro em que todo o trabalho humano produtivo pode ser dispensado. Se o trabalho pode se tornar desnecessario, isso nao significa que sera possivel o consumo infinito (problema ecologico), nem que estaremos diante de uma sociedade livre e emancipada (problema politico). Como ele aponta, se o desenvolvimento tecnologico e uma constante, a questao ecologica e politica sao variaveis e e nessa composicao que ele vai focar para apresentar seus "quatro futuros". A estrutura da sociedade pos-capitalista dependera, portanto, de dois...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT