Democracia, invisibilidade social e o desencanto com o (pós) moderno: a desobediência civil como alternativa democrática

AutorLucas Kaiser Costa - Daury Cesar Fabriz
CargoDoutorando em Direitos e Garantias Fundamentais. Mestre em Direito. Professor Universitário - Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Vitória
Páginas132-167
Rev. direitos fundam. democ., v. 22, n. 2, p. 132-167, mai./ago. 2017.
DOI: 10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v22i2738
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
DEMOCRACIA, INVISIBILIDADE SOCIAL E O DESENCANTO COM O (PÓS)
MODERNO: A DESOBEDIÊNCIA CIVIL COMO ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA
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DEMOCRACY, SOCIAL INVISIBILITY AND THE DISENCHANTMENT WITH (POST)
MODERN: CIVIL DISOBEDIENCE AS DEMOCRATIC ALTERNATIVE
Lucas Kaiser Costa
Doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais. Mestre em Direito. Professor
Universitário.
Daury Cesar Fabriz
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Vitória.
Resumo
Desde sua gestação até sua retomada na modernidade, a
democracia é consagrada como a melhor forma de governo, ápice da
organização política, reduzindo-se as possibilidades às democráticas.
Todavia, a partir da conjugação aos interesses do mercado, fruto do
sistema capitalista dos Estados (neo)liberais, e pautando-se numa
racionalidade instrumental, observa-se um verdadeiro esvaziamento
da essência democrática, uma vez que o modelo ignora quem o
legitima. Observa-se um lado perverso desse modelo, que silencia,
exclui e fomenta a invisibilidade, impondo-se repensá-lo, buscando-se
alternativas que possibilitem retomar sua essência. O presente artigo
objetiva contribuir com esse debate, investigando quais seriam essas
alternativas, que permitiriam repensar a democracia e sua viabilidade
propositiva de mudanças. Partindo-se da busca por alternativas no
seio social, consubstancia-se a desobediência civil como interessante
caminho que possibilita abertura de espaços para outras formas
1 Oportuno observar que o título do presente estudo foi alterado após a sua conclusão. A importância
desta observação diz respeito ao próprio problema formulado como combustível da pesquisa
(pergunta-problema que motivou a investigação), no sentido de que a resposta, agora, encontra-se
no título, o queo ocorreu quando a pesquisa ainda estava sendo realizada. Assim, bom que se
esclareça, a resposta ao problema não foi, evidentemente, formulada a priori, tendo sido construída a
partir da pesquisa realizada; apenas após as considerações finais e a realização de todas as
“amarras” teóricas, é que o título foi alterado, contemplando a desobediência civil como alternativa
democrática.
LUCAS KAISER COSTA / DAURY CESAR FABRIZ
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democráticas, através da ruptura com o paradigma vigente,
repensando a democracia para além do seu modelo atual.
Palavras-chave: Democracia. Desobediência Civil.
(Pós)Modernidade.
Abstract
Since the conception until its resumption in modernity, democracy is
known as the best form of government, apex of political organization,
reducing all possibilities to democratic. However, since the
combination to market interests, the result of the capitalist system of
states (neo) liberal, and basing on an instrumental rationality, there is
a true emptying of the democratic essence, since the model ignores
who the legitimate. There has been a dark side to this model,
silencing, deletes, and fosters invisibility, imposing rethink it, seeking
alternatives that enable resume its essence. This article aims to
contribute to this debate by investigating what those alternatives that
would allow rethinking democracy and its purposeful viability changes.
Starting from the search for alternatives within the social, civil
disobedience is embodied as interesting path that enables opening
spaces for other democratic ways, by breaking with the current
paradigm, rethinking democracy beyond its current model.
Key-words: Democracy. Civil Desobedience. (Post)Modernity.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O modelo democrático de governo, conforme gestado na Grécia antiga, apesar
de suas adaptações que, de certa forma, até o descaracterizam , foi fundamental
para a construção do projeto da modernidade, na medida em que contribuiu na
consolidação dos Estados modernos, notadamente a partir da Revolução Francesa,
em 1789.
Dessa forma, verificou-se a sua consagração como a forma de governo por
excelência, vale dizer, o ápice da organização política, que, por sua vez, refletia-se
também na organização social e econômica, de modo que se reduziu todas as
possibilidades às democráticas, como se qualquer outra fosse ruim a priori.
Nesta perspectiva, o projeto da modernidade, se valendo de um ideal
democrático em seu discurso, elegeu como propósito a emancipação dos indivíduos,
através de uma racionalidade iluminista e de um modelo liberal. Assim, só era moderno
quem era democrático.
Todavia, observa-se que as promessas da modernidade não foram entregues,
de modo passou-se a compartilhar sentimentos de insatisfação e desconforto quase
que inexplicáveis , que caracterizam a atual fase, chamada de pós-modernidade, que,
por sua vez, esgarça uma democracia falaciosa, subjugada a interesses outros
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notadamente econômicos , ignorando-se os interesses sociais.
Impõe-se, assim, um paradigma democrático como único possível na exata
medida em que esse mesmo paradigma se curva aos interesses do capital, deixando
de observar a própria essência democrática de participação social, na medida em que
esses destinatários são silenciados, não tendo sequer voz para participar do debate.
Assim, no presente estudo propõe-se a análise dos temas referentes à
democracia, à modernidade e pós-modernidade, e à invisibilidade social, bem como
outros temas correlatos como a liberdade, o constitucionalismo e o niilismo
constitucional, na tentativa de se entender esse sentimento de insatisfação
compartilhado pela sociedade.
Deste feita, como forma de problematizar o presente estudo, serão realizados
questionamentos introdutórios, gestados a partir de uma temática central que servirá
de fio-condutor, estabelecendo-se, ainda, diálogo entre autores contemporâneos que
abordam as sobreditas temáticas.
Nesta perspectiva, inúmeros problemas movem a realização da pesquisa,
como, por exemplo: A democracia, conforme gestada na modernidade, se ajusta, em
seus moldes, à chamada pós-modernidade? Existiria um modelo democrático
constitucionalmente adequado?
Todavia, não obstante as indagações supramencionadas, o objetivo geral
deste estudo que pode ser considerado como fio-condutor e que se pretende, em
última análise, verificar é o seguinte: Tendo em vista o falacioso modelo democrático
experimentado na modernidade conjugado com o sistema capitalista , que promete
a liberdade, mas, paradoxalmente, impede que a promessa seja cumprida, qual(is)
ação(ões) denota(m) uma(s) alternativa(s) democrática(s) viável(is) na pós-
modernidade como forma de romper com o paradigma moderno? Em pormenores: De
que forma seria possível se repensar a democracia, a partir de alternativa(s)
democrática(s) viável(is) capaz(es) de sufocar esse mal-estar vivenciado?
Este é, portanto, o objetivo geral da pesquisa, a que se pretende contribuir com
o debate. Noutro caminhar, como objetivos específicos pretende-se: primeiramente,
pesquisar as razões para que as promessas da modernidade não tenham sido
cumpridas; num segundo momento, analisar como ocorre o processo de invisibilização
social dentro de um modelo dito democrático; em terceiro lugar, investigar quais seriam
os limites inerentes à democracia na pós-modernidade; e, finalmente, perquirir se
existe um modelo democrático que seja mais constitucionalmente adequado ou

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