A democracia constitucional em período de tempestade

AutorClèmerson Merlin Clève
CargoProfessor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Páginas157-174
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Revista Judiciária do Paraná – Ano XV – n. 20 – Novembro 2020
A democracia constitucional em período de
tempestade1
Clèmerson Merlin Clève2
Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar, diante do contexto
político de desgaste do regime e da lei fundamental vivido
no Brasil e no mundo, de que forma o constitucionalismo
democrático reclama as tarefas que se considera primordiais
e urgentes: salvar e robustecer a democracia. Para tanto,
aponta-se como a atuação de contrapoderes tem servido
para acudir das investidas abusivas, especialmente por
parte do Executivo. Parte-se, então, para o fortalecimento
da democracia, oportunidade em que são apresentadas
propostas de soluções às crises do presidencialismo e da
legitimidade de representação política. Conclui-se que salvar
e robustecer a democracia são pontos de partida para obter
a possível e desejável combinação de eleições verdadeiras e
representação autêntica.
Introdução
O       nesta altura da história
brasileira, tão premente como na época em que, saídos da ditadura
militar, discutíamos a elaboração de uma nova Constituição. O título
da intervenção poderia, em situações normais, sugerir um objeto sem
delimitação denida, genérico, despido de maior urgência. Ocorre exa-
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tamente o contrário neste período de tempestade que estamos a expe-
rimentar.
Falar, hoje, de democracia constitucional deixa de ser um assunto
de especialistas, de professores, de doutrinadores, de advogados, de po-
líticos e de juízes. Trata-se, agora, de um tema de todos, supondo uma
discussão que atravessa a sociedade e preocupa a cidadania deste país
continental.
A propósito, duas situações preocupam:
(i) a lei fundamental está sendo testada
diante da tensão ocorrente na arena polí-
tica, dos sucessivos ensaios autoritários do
Executivo, das violações às cláusulas cons-
titucionais da separação dos poderes e dos
direitos fundamentais de grupos vulnerá-
veis, com o desmantelamento das agências
responsáveis pela sua satisfação.
(ii) a democracia também está sendo
testada, razão pela qual cumpre trabalhar
pela sua resiliência em um tempo de vi-
ragem dos humores políticos e do cresci-
mento de experiências iliberais em muitos
países (Polônia, Hungria, Turquia) ou do
crescimento das escolhas eleitorais popu-
listas em lugares inimagináveis como os Estados Unidos.
Há ampla literatura demonstrando que o processo de esgarçamen-
to, sufocamento e amesquinhamento das democracias não se opera
mais por meio de golpes clássicos, com o uso da força, mas pela erosão
contínua dos seus pilares de sustentação3.
Por outro lado, emerge, no mundo político, uma situação de es-
tranhamento entre representados e representantes, sobretudo nos
parlamentos, o que contribui para que algumas sociedades não re-
conheçam nos mandatários eleitos personagens autênticos que ex-
pressam a voz do povo. É perigosa a ideia de que todo político é um
estranho, um ser distante, alguém que cuida apenas dos seus próprios
interesses.
Fala-se em
democracia
liberal, democracia
pluralista,
democracia
inclusiva,
democracia social,
democracia
deliberativa. O
que importa para
nós, nesta altura,
é a democracia
constitucional
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