A responsabilidade decorrente do inadimplemento dos deveres anexos do contrato

AutorCláudio José Franzolin
Páginas137-153

Cláudio José Franzolin. Professor, advogado e consultor jurídico. Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Contratos pelo Centro de Extensão Universitária, São Paulo (C.E.U.) e em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie, em São Paulo. Professor dos Cursos de Direito na PUC-Campinas, FACAMP, UNIP-Jundiaí e USF - Campus de Bragança Paulista. Email: cfranzol30@gmail.com.

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Introdução

O contrato recebe, cada vez mais, recebe os influxos axiológicos de uma interpretação direcionada à realização dos direitos dos contratantes. Tal interpretação, por sua vez, repercute, também, no estudo da responsabilidade,Page 138 pois o descumprimento de alguma conduta de gênese contratual afeta o interesse do contratante ou de um terceiro.

Propicia a circulação econômica de interesses e movimenta o tráfego jurídico de bens e de serviços visando atender, as mais variadas necessidades. É só imaginarmos o contrato de transporte, o de locação de bens, o de corretagem. Contratos com causas econômicas distintas, mas todos destinados à satisfação de determinado interesse.

O contrato impõe, cada vez mais, comportamentos solidários dos contratantes. Tais comportamentos se acentuam ou se atenuam conforme a complexidade ou não dos interesses envolvidos. Para isso, é necessário considerar a qualidade do contratante e o objeto da prestação; o prolongamento ou não da execução do contrato; os atos preparatórios, ou seja, as expectativas e repercussões que a fase pré-negocial promove na esfera pessoal e patrimonial do outro contratante; a fase pós-contratual, haja vista certos interesses e valores dignos de tutela, embora a prestação fundamental já tenha sido adimplida.

Enfim, o contrato implica uma complexa rede de fenômenos e condutas que exigem do intérprete apreciação qualitativa das situações jurídicas envolvidas.

Imagine um contrato que tem como prestação a entrega de galões de tintas a uma loja de materiais de construção. No dito contrato se estabelece que o fabricante de tinta deverá entregar, semanalmente, ao lojista, cem galões de um litro ao logista. Decorrido algum tempo e durante a execução do contrato, este se surpreende com entregas quinzenais de galões de dois litros. Apesar disso, o lojista não se insurge e não repugna a entrega dos galões, ou seja, a execução do contrato prossegue em desconformidade com o que nele foi ajustado. Mas, após vários meses, o lojista resolve o contrato sob o fundamento de que o fabricante não adimpliu o contrato na forma ajustada. Tal pretensão adotada por aquele desconsidera as situações concretas cristalizadas por meio de comportamentos tácitos concludentes que significaram sua anuência com a alteração na maneira de executar o contrato.

Em suma, o contrato encerra uma acumulação de comportamentos que podem ser compatíveis ou não, contraditórios ou não, quando se analisa a globalidade de todos os fenômenos contratuais envolvidos. Tudo isso contribui para se extrair como a responsabilização vai interagir com o contrato ao se deparar com alguma situação danosa, situação esta que pode afetar a integridade patrimonial ou pessoal das partes, ou, inclusive, de terceiros.

É que o contrato impõe aos contratantes, seja na fase pré, seja na execução, seja na pós-contratual, deveres de cooperação. Com isso, emerge intensifica uma variedade de comportamentos que são avaliados conforme a intensidadePage 139 do contato negocial, se há ou não contratos conexos, enfim, situações que contribuem para se apreciar a intensidade dos deveres imputados às partes. E, caso sejam descumpridos, ditos deveres podem ser ocasionado danos.

E a atenção é justamente com tais danos, pois há uma expansão deles, em virtude dos impactos da constitucionalização na esfera da interpretação das relações privadas. Assim a responsabilidade civil também ganha contornos mais contemporâneos, ante os novos danos ressarcíveis, como, por exemplo: a crescente preocupação com a legitimação do dano moral, como forma de proteger a dignidade humana (art. 1, III, da Constituição Federal - CF/88); os impactos de uma sociedade cada vez mais justa e solidária (art. 3, I, da CF/88), imprimindo aos contratantes deveres de colaboração, os quais, ao deixarem de ser observados, geram conseqüências.

É que o contrato, enquanto instrumento nobre principal mecanismo jurídico de circulação de bens e de serviços promove uma interação especial entre as partes, o que floresce entre elas um efetivo dever de colaboração. O problema ocorre é se dito dever não ocorre. Nesta rota, tal situação pode ser examinada em várias situações: à contraparte, pode lhe ser obstaculizado o acesso a algum bem; a um contratante pode ser negado o direito de repactuar sua dívida e, por conseguinte, ele terá problemas na obtenção de crédito ou um outro bem; uma parte pode abusar de sua posição de vantagem num dado contrato e daí advirem repercussões negativas na esfera patrimonial da contraparte; a parte pode não respeitar o sigilo e a privacidade que o contrato requer e, por conseguinte, causar alguma espécie de dano à contraparte etc.

Diante deste cenário, repercute também a necessidade de se apreciar a responsabilidade no âmbito dos contatos particularizados entre as partes decorrentes do contrato. Isso exige do intérprete que ele considere, na realidade atual, a expansão dos danos ressarcíveis; as condutas que se conectam ou não com o perfil dinâmico do contrato; a qualidade do contratante; o objeto envolvido na prestação; a execução continuada do contrato ou a sua execução imediata etc.

Enfim, situações jurídicas diversas que refletem no estudo da responsabilidade contratual. Esta não se encerra, apenas, sob a ótica do inadimplemento da prestação principal, mas se amplia para captar outros fenômenos, sob um prisma mais elaborado e mais funcional que o contrato desperta entre as partes.

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1 As premissas metodológicas e sua repercussão no âmbito do inadimplemento decorrente do contrato

O contrato se transformou. Ele passou a ser compreendido a partir do seu texto e do contexto no qual está inserido, rompendo-se a neutralidade axiológica e expandindo seu entendimento, além de receber, com mais intensidade, interferências sociais e econômicas. Assim, o contrato passa a acomodar não só obrigações expressamente pretendidas pelos contratantes, como também outras que se inferem do referido negócio celebrado. E o problema emerge quando alguma obrigação é descumprida, surgindo situações que aumentam o ângulo de visão do jurista para essa análise.

A preocupação então desperta para o estreitamento entre a responsabilidade e o contrato ante os variados fenômenos e intercorrências resultantes das perturbações na execução do contrato.

É o que acontece, por exemplo, quando se estuda acerca do desenvolvimento do dever de segurança no âmbito dos contratos. Este nasce, a princípio, em virtude do contrato de transporte (VINEY, 2007, p. 342) e, depois, do trabalho. A importância do surgimento do citado dever foi um dispositivo jurídico para proteger a vítima quando advém algum prejuízo à ela devido à execução do contrato.

Assim, o dever de segurança proporciona um instrumento mais eficiente à pessoa que sofre danos na sua integridade pessoal ou psíquica, baseado num mecanismo ressarcitório facilitado, sem que a vítima tenha de recorrer à apreciação da culpa do causador do dano. É o que procedeu, em relação ao transporte de pessoas, conforme Louis Josserrand (1941, p. 558):

a companhia ferroviária, assume, perante o viajante, uma obrigação de segurança absoluta; ela deve restituí-lo a si mesmo, são e salvo, no ponto de destino; senão, violou o contrato; é então responsável de pleno direito, contratualmente, salvo se provar a culpa da vítima.

À medida, no entanto, que se dilatam as relações sociais, o dever de segurança avança para se aplicar a outros contratos, como os de prestação médicoassistencial, os que têm como objeto mediato produtos perigosos etc.

Além disso, o contrato passa a assimilar uma complexidade e uma diversidade de situações jurídicas que afetam a esfera pessoal e patrimonial. Por isso, espera-se que os contratantes se auxiliem e se tutelem mutuamente. Enfim, há um núcleo rígido no contrato, que é a prestação principal. No entanto, despontando outros deveres que devem ser adimplidos e se não forem, podem desaguar em responsabilidades, segundo a dinâmica da relação obrigacional.

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Não é só. A heteronomia decorre de valores e princípios que passam exigir do intérprete ampliação do seu ângulo de visão no âmbito dos contratos. Permite que vários fenômenos ganhem o colorido da juridicidade em virtude do contato negocial particularizado entre as partes envolvidas. Enfim, a heteronomia avança por meio das cláusulas gerais, porque torna o juiz um efetivo canal axiológico entre as expectativas negociais que se pretende preservar e os interesses e os valores que a sociedade quer resguardar e caso eles não sejam protegidos, há conseqüências ao inadimplente. A conseqüência vai ser decidida também pelo juízo, conforme a gravidade do dever descumprido e como o contratante o descumpriu, além de ter de apreciar se ele afeta, de forma intensa ou não, o que já foi adimplido pela contraparte.

Mas, para se avançar nesta rota, primeiramente, deve-se partir de algumas premissas compreensivas que...

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