Direitos reprodutivos: debates e disputas sobre o direito ao aborto no contexto da redemocratização do Brasil

AutorMyriam Aldana - Silvana Winckler
CargoGraduação em Sociologia, Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (1994) e Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professora titular da Universidade Comunitária Regional de Chapecó.
Páginas167-184
Direitos reprodutivos: debates e disputas
sobre o direito ao aborto no contexto da
redemocratização do Brasil
Myriam Aldana1
Silvana
Winckler
Sumário: Introdução;
1. O surgimento dos direitos reprodutivos; 2. O debate sobre o
aborto no âmbito dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; Referências.
Resumo: O processo de redemocratização do
Brasil, após vinte anos de regime militar (1964-
1984), trouxe à tona uma série de demandas de
direitos até então não reconhecidos, reivindicados
por novos movimentos sociais pautados em
temáticas identitárias (gênero, etnia, classe etc.).
Neste cenário situam-se as manifestações pró
e contra o reconhecimento do direito ao aborto
enquanto dimensão dos direitos reprodutivos,
perpassando espaços institucionais, como os
poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e
mobilizando diferentes setores da sociedade civil,
além das Igrejas, que vêm jogando um papel
fundamental nesse processo. Este texto apresenta
elementos desse debate, no intento de afirmar os
direitos reprodutivos como direitos humanos.
Palavras-chave: aborto; direitos reprodutivos;
direitos sexuais.
Abstract: The process of redemocratization of
Brazil, after twenty years of a military regime
(1964-1984), brought within it several rights
which had never been recognized, defended
by new social movements based on identity
issues (gender, ethnic, social class, etc.).
Manifestations (for and against) the recognition
of the right to abortion as a dimension of the
reproductive rights cross institutional spaces,
such as the Legislative, Executive and Judicial
powers, and mobilize different sectors of the
civil society (besides churches), which have
been playing a fundamental role in this process.
This article presents some elements of this
debate, aiming to affirm the reproductive rights
as human rights.
Keywords: abortion; reproductive rights; sexual
rights.
1 Myriam Aldana V. Santin, Graduação em Sociologia, Mestrado em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (1994) e Doutorado Interdisciplinar
em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente
é professora titular da Universidade Comunitária Regional de Chapecó. Tem experiência
na área de Ciência Política, com ênfase em Políticas Públicas e Cidadania, Relações de
Gênero, atuando principalmente nos seguintes temas: Igreja Católica, direitos sexuais e
direitos reprodutivos, religião, direitos das mulheres, aborto.
168 Revista Seqüência, no 58, p. 167-183, jul. 2009.
Introdução
O debate sobre a política demográfica aconteceu no Brasil a partir da
segunda metade do ano de 1960. Nessa época, tal debate girava em torno
do controle da natalidade, da necessidade de os países subdesenvolvidos
adotarem políticas de regulação dos nascimentos para fazerem frente
aos problemas da fome, do subdesenvolvimento, do atendimento às
necessidades básicas da população. Um dos aspectos centrais era a
legitimidade ou ilegitimidade do Estado em traçar programas de controle
da natalidade. Por outro lado, o governo sofria pressões internacionais do
Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional para adotar políticas
controlistas. Neste contexto, o tema do aborto entra em pauta com certa
frequência no Congresso Nacional. De acordo com Rocha (1992, p. 26):
No âmbito das atividades ordinárias do Congresso, o assunto foi
objeto de inúmeros pronunciamentos, de diversos projetos de
lei, de pareceres, discussões e reuniões públicas nas Comissões
Permanentes, além de ter motivado a realização de duas Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs).
No debate sobre aborto, os atores principais têm sido sempre a Igreja
Católica e o movimento feminista (BARSTED, 1992). O aborto, que
continua sendo encarado pela Igreja Católica somente como problema ético,
para o movimento de mulheres já passa a ser visto como um dos direitos
reprodutivos – pois com ele se determina o grau de domínio que a mulher
pode ter sobre seu próprio corpo – e como uma questão de saúde da mulher
e de saúde pública. Essa duplicidade de visões tem marcado o debate que se
trava no Congresso nacional sobre a reprodução humana no Brasil.
O movimento feminista iniciou suas reivindicações perante a
sociedade brasileira na década de 1970, restringindo inicialmente suas
demandas às liberdades democráticas (pois o país vivia sob uma ditadura
militar desde 1964), às condições dignas de trabalho e aos cuidados com
a saúde da mulher. As reivindicações dos aspectos individuais e referentes
aos direitos reprodutivos só passam a figurar nos documentos dos encontros
feministas a partir da segunda metade da década de 1970. E daí em diante,
o direito de optar ou não pela concepção, o direito sobre o próprio corpo e
o direito de recorrer à interrupção de uma gravidez indesejada nunca mais
saíram da pauta de lutas dos movimentos feministas.

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