Das obrigações de fazer

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas85-97

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6. 1 Distinção entre obrigação de fazer e de dar

Uma pessoa pode, mediante convenção, assumir uma obrigação de prestar serviço e, ao mesmo tempo, prometer a entrega de uma coisa produzida; é o caso do empreiteiro que promete construir e entregar um prédio dentro de certo prazo. Trata-se de uma tarefa a ser executada fielmente como foi pactuada (obrigação de fazer) e, ao mesmo tempo, de prometer a entrega da coisa (obrigação de dar) - RT 402/221.

Fazer uma coisa (prestar serviço ou praticar ato) é diferente de entregar. A obrigação de fazer visa à prática de um ou mais atos por parte do

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devedor; é um facere, ou seja, um serviço ou prática de um ato por parte do devedor ou por outra pessoa às custas daquele; a obrigação de dar consiste na promessa da entrega de um bem devido, para constituir um direito real, ou a concessão do seu uso, ou, ainda, a sua restituição ao dono.

Exemplificando: Um cantor de ópera que se obriga a se apresentar em espetáculo patrocinado por determinada companhia, assume uma obrigação de fazer. O cumprimento da obrigação consuma-se com a prestação do serviço e não com a entrega de alguma coisa. A obrigação de dar caracteriza-se pela entrega da coisa; só será cumprida com a tradição da coisa. Confira-se o seguinte aresto: "Inadmissível o uso de ação cominatória, visando compelir contratante inadimplente a pagar faturas-duplicatas, se o contrato de fornecimento de mercadorias celebrado entre as partes situa-se, exclusivamente, no âmbito da obrigação de dar, pois o mero descumprimento do acordo não tem o condão de transmudar a avença em obrigação de fazer" (in RT 768/236).

Em suma, na obrigação de fazer, o objeto da prestação é um ato do devedor com proveito patrimonial para o credor; na de dar, a obrigação consiste na entrega de uma coisa prometida.

Se o devedor assume, ao mesmo tempo, obrigação de fazer a coisa antes, e de entregá-la depois, segundo a doutrina, a obrigação é de fazer. Veja o que escreve o saudoso Prof. Washington de Barros Monteiro a respeito: "O substractum da diferenciação está em verificar se o dar ou o entregar é ou não conseqüência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou de entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, tem ele de confeccionar a coisa para depois entregá-la, se tem ele de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer".51

É de grande utilidade e de máxima repercussão a distinção entre obrigação de fazer e de dar. Na obrigação de dar, por exemplo, não cabe o processo cominatório previsto pelo artigo 287 do Código de Processo Civil, que transcrevemos a seguir:

"Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumpri-mento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela (art. 461, § 4.º, e 461-A)".

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Este preceito cominatório só serve de instrumento às ações que visam ao cumprimento de obrigação de fazer (ou não fazer), prestação geralmente infungível por natureza ou por convenção. Seria o caso, por exemplo, de um locador que se compromete, em cláusula contratual, a entregar ao locatário um aparelho telefônico para uso durante a vigência do contrato de locação, mas não cumpre a referida obrigação. Trata-se de uma obrigação de fazer de natureza infungível, e assim, a utilização do processo cominatório de aplicação de multa diária, encontra suporte na lei e na jurisprudência (in RT 488/169), sendo meio ideal de coagir o devedor a cumprir sua obrigação.

O processo cominatório (ação cominatória), agasalhado pelo artigo 287 do CPC, equivale à antiga ação cominatória que tinha procedimento especial, previsto pelo art. 302 do antigo Código de Processo Civil. Na época de sua vigência (antes de 1973), foram intentadas contra a Empresa Folha da Manhã S/A, inúmeras ações de dar, e o Supremo Tribunal Federal decidiu, reiteradamente, que a ação cominatória era imprópria para o fim colimado pelos autores (Rec. Extraordinário ns. 6l.066 e 62.797). A ementa do acórdão de um deles foi a seguinte: Ação Cominatória - Cabível exclusivamente para as obrigações de fazer.

Atualmente, a ação cominatória52não tem procedimento especial, mas está prevista em diversos dispositivos, cabível especial-mente para as obrigações de fazer.

Podemos imaginar um número infinito de situações em que o processo cominatório pode ser aplicado. Imagine uma praça ou uma rua onde favelados instalam seus barracos. A ação cominatória é a ideal para obrigar a Prefeitura a retirá-los do local. Pense, ainda, na existência de um vazamento de água em um apartamento que venha afetar o apartamento do andar inferior. O dono deste poderá utilizar-se da referida ação, pelo sistema de multa cominatória diária, de índole pecuniária por dia de atraso para o devido cumprimento da obrigação de fazer, ou seja, de consertar o vazamento, podendo, ainda, requerer perdas e danos.

6. 2 Noção de obrigação de fazer

Vimos que a obrigação de dar é diferente da obrigação de fazer. A obrigação de dar tem como objeto da prestação a entrega de uma coisa; a

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obrigação de fazer tem como objeto da prestação um ato do devedor. A prestação de um trabalho material ou intelectual é uma obrigação de fazer. Por exemplo, construir um muro ou pintar um quadro é um trabalho material; escrever um artigo jornalístico é um trabalho intelectual, mas todos são obrigações de fazer.

A obrigação de fazer pode ser positiva. O devedor obriga-se a cumprir um ou vários atos ou a prestar uma atividade qualquer. "A significação de "fazer" - explica o Prof. Antônio Chaves - implica, na generalidade dos casos, na idéia de prestação de trabalho: é uma locação de obras, é uma empreitada, é a realização de determinado serviço por parte do devedor".53

6. 3 Espécies de obrigação de fazer

As obrigações de fazer são fungíveis ou infungíveis, depen-dendo do fato de poderem ou não ser realizadas por outra pessoa que não o próprio devedor. O empreiteiro que promete construir um prédio dentro de certo prazo, assume, geralmente, uma obrigação de fazer, de natureza fungível, porque o serviço poderá ser realizado por terceiro à sua custa. Plácido e Silva afirma que o empreiteiro é a "designação dada a qualquer pessoa que toma um trabalho ou uma obra por empreitada para executar ou fazer executar por pessoas que ele assalaria por sua conta".54

Se, porém, a realização de um ato ou a prestação de um fato depender de uma atuação personalíssima do devedor (caso do empreiteiro em que a empreitada é objeto de contrato, ficando estabelecido que o negócio seja intuito personae), a pessoa do devedor é insubstituível na prestação daquele fato em virtude de qualidades pessoais, de habilidade e talento. A obrigação será, então, infungível, e nesse caso, só será adimplida se feita pelo próprio devedor. "Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível" (CC, art. 247).

Portanto:

  1. A obrigação de fazer pode constituir-se intuitu personae, isto é, só pode ser executada pelo próprio obrigado por depender das qualidades individuais de quem se obriga. Portanto, só pode ser executada pelo próprio devedor;

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  2. A obrigação de fazer pode não ser personalíssima, podendo ser

    cumprida até por terceiro.

    A regra, no entanto, é a fungibilidade da prestação e somente quando o credor desejar a realização do serviço pelo próprio obrigado, é que deve fazer constar expressamente do contrato.

    Casos especiais haverá que evidenciam a presunção de que a prestação só deva ser executada pelo próprio devedor, ainda que não conste cláusula expressa no contrato exigindo a prestação "dele próprio", pois já se falou na linha anterior em "próprio devedor". Se contrato, por exemplo, famoso cantor para apresentar-se em um determinado show, implícito está que o executor só poderá ser aquele cantor contratado, mesmo que não haja cláusula expressa. A própria natureza do ato ou do serviço evidencia a presunção de que a prestação não pode ser executada por outrem.

6. 4 Descumprimento das obrigações de fazer

Obrigação é relação...

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