Dano moral - Ambiente de trabalho - Condições degradantes - Indenização

AutorJuiz Igor Cardoso Garcia
Ocupação do Autor2ª Região - SP
Páginas60-66

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SENTENÇA

Na data e no horário acima assinalados determinei a abertura da presente sessão (CLT, art. 765), com vistas à prolação da seguinte sentença:

I - RELATÓRIO.

O reclamante ajuizou ação trabalhista em face da reclamada deduzindo as pretensões descritas nas fls. 08-09. Juntou documentos. A reclamada apresentou

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contestação escrita, conforme fls. 69-94, resistindo aos pleitos do reclamante. Juntou documentos. Dispensados os depoimentos das partes, encerrando em seguida a instrução processual. Em razões finais os litigantes mantiveram suas posições antagônicas, restando frustradas as propostas conciliatórias oportunamente ofertadas. é o relatório.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

a) Prescrição quinquenal parcial. Prescrição vintenária. Rejeito a arguição da prescrição quinquenal parcial da pretensão do reclamante, tendo em vista que o inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal somente terá aplicabilidade quando o seu inciso I for regulamentado e passar a viger, face a coerência que deve ser extraída do texto constitucional. Não se pode, pois, aplicar-se imediatamente inciso que prejudica um dos lados da relação de emprego - o trabalhador (XXIX) - sem aplicar o inciso que lhe dá guarida para poder pleitear verbas durante a vigência dessa mesma relação (I). Ambos são faces de uma mesma moeda e, portanto, só podem atuar conjuntamente, a fim de que um dos lados não prevaleça sobre o outro. Deve-se, assim, sistematizar as normas trabalhistas, apoiando-se no princípio protetor, expresso em termos constitucionais como valorização social do trabalho. A aplicação de mencionadas regras deve ser conjunta, em atendimento aos princípios da progressão das condições sociais e protetor e sob pena de menoscabo ao sistema instituído pelo art. 7º da Constituição Federal e aceitação diária de renúncias a créditos alimentares. Nesse sentido, o verbete aprovado no XV CONAMAT, realizado entre os dias 28 de abril e 1º de maio de 2010, em Brasília1 e a r. sentença da lavra do ilustre magistrado Oscar Krost, nos autos do processo n. 0001655-46.2010.5.12.0018, mantida quanto ao ponto pela Colenda Sexta Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, da qual extraímos o seguinte trecho que, com as devidas vênias, adotamos também como razão de decidir: "Ocorre que nas relações trabalhistas, de trato sucessivo, em que vigora o Princípio da Continuidade, embora estabelecida uma relação contratual, esta se dá ‘sob o império da necessidade’, segundo definição de Tarso Genro (Introdução à crítica do Direito do Trabalho. Porto Alegre: L & PM Editores Ltda., 1979, p. 76), sendo evidente a distinção de condições materiais entre os contratantes, razão de ser do Princípio Protetivo e de seus desdobramentos. Assim, examinar topicamente cada regra que compõe o art. 7º da Constituição, de modo descontextualizado, conduz a conclusões distintas das idealizadas pelo Constituinte, afetando os fundamentos e objetivos do Direito do Trabalho. O inciso XXIX, referente ao direito de ação para postular créditos decorrentes da relação de trabalho, quando limita seu alcance aos devidos no período de cinco anos, observados dois anos da extinção do pacto, foi idealizado em um sistema de estabilidade no emprego, em que vedada a despedida arbitrária, segundo o inciso I, o qual perdura desde 1988 sem a regulamentação devida.(...) Aplicável também, por analogia, o disposto no Código Civil, art. 197, que regula as causas suspensivas da prescrição em relações entre cônjuges na constância do casamento, ascendentes e descendentes durante o poder familiar e tutelados/curatelados e seus tutores/curadores no curso da tutela/curatela, ou seja, enquanto configuradas situações que envolvam subordinação ou dependência. Além disso, aceita a possibilidade de o principal seguir o acessório, quando mais favorável ao trabalhador, possível apenas a pronúncia da prescrição trintenária quanto à pretensão para postular a paga de toda e qualquer parcela decorrente do contrato, tal qual estabelecido na Lei n. 8.036/90, art. 23, §5º, observando-se o lapso de dois anos após sua extinção, como consagrado na Súmula n. 362 do TST." Assim, inexiste prescrição quinquenal parcial a ser pronunciada. Por outro lado, não se há falar em prescrição vintenária para uma suposta lesão à honra que teria sido continuativa. Ora, se a lesão é contínua, deve-se contar o lapso de sua prescrição, no mínimo, do término da lesão, e não como pretende a reclamada. Rejeito, pois, a arguição de prescrição vintenária.

b) Reparação por danos morais. O dano de índole moral decorre da ação ou omissão que ofenda os direitos da personalidade humana, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, valores esses protegidos no contexto social (art. 5º, V e X da Constituição Federal e art. 11 do Código Civil). Para a existência da responsabilidade civil, necessária a existência de três requisitos: ato ilícito, dano e nexo entre um e outro (Código Civil, arts. 186 e 187). Vejamos se isso ocorreu no caso em análise. (I) Depoimentos prestados por testemunhas em outros processos, conforme atas de audiência acostadas aos presentes autos: (i) proc. 0000881-26.2011.5.02.0255: o Sr. Marcus Vinicius Corrêa afirmou o seguinte: que fazia suas necessidades fisiológicas no mato ou na locomotiva; que também parava, quando possível, em algumas estações, sem autorização da ré; que viajava até 06h/07h sem parada; que a ré não autorizava a parada da locomotiva para ir ao banheiro; o sr. Mauro Salgueiro, ouvido a convite da ré, afirmou o seguinte: que as locomotivas não têm banheiros; que só ia ao banheiro nas estações e que, fora deles, parava a locomotiva e fazia no

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mato; que a ré não negava autorização para que fizesse suas necessidades fisiológicas; que pegava água na estação e levava para a locomotiva; que as refeições eram feitas na locomotiva ou nas estações (fls. 62-64); (ii) proc. 0000888-18.2011.5.02.0255: o sr. Anderson Barboza Madureira, ouvida a convite da ré, afirmou o seguinte: que na serra não havia banheiros, então o reclamante fazia suas necessidades no mato e quando ficava no ramal das fábricas havia banheiros; que o maquinista ou auxiliar faziam a solicitação para ir ao banheiro "via Macro" e, para essa finalidade, o veículo em movimento apenas poderia ser parado mediante autorização; que as locomotivas não possuem papel higiênico e água potável; o sr. Rodrigo Delipe Andreosi, ouvido a convite da ré, afirmou o seguinte: que quando estava nas estações, fazia suas necessidades nelas, quando não, as fazia no mato (fls. 65-67); (iii) proc. 0000903-87.2011.5.02.0254: o sr. Edgard dos Santos Barros afirmou o seguinte: que não havia sanitários nas locomotivas; que não havia banheiros em todas as estações; que em algumas estações com banheiro às vezes estes ficavam fechado no período noturno; que às vezes a solicitação prévia para ir ao banheiro era negada pela ré; que quando isso ocorria o trabalhador tinha que fazer suas necessidades fisiológicas no mato ou dentro da locomotiva; que não havia água potável dentro da locomotiva; e que havia água potável em apenas algumas estações; o sr. Antonio Barbosa da Silva, ouvido a convite da ré, afirmou o seguinte: que não há sanitários nas locomotivas; que nas estações desativadas, que se tornaram pátios de cruzamento, não há sanitários; que nesses locais os trabalhadores fazem suas necessidades fisiológicas no mato; que na baixada leva-se cerca de duas horas de uma estação a outra; que as locomotivas novas têm banheiro, mas não podem ser utilizados, pois as portas são travadas; que indagado pelo juízo sobre o motivo pelo qual se proíbe a utilização de banheiro nas locomotivas novas, a testemunha respondeu "boa pergunta" (fls. 100-101); (iv) proc. 0000880-41.2011.5.02.0255: o sr. Rogério Pinto dos Santos afirmou o seguinte: que os banheiros das locomotivas são lacrados e que algumas não possuem banheiros; que as necessidades fisiológicas são feitas no chão forrado, em garrafas "pets", pois se saírem das locomotivas são penalizados; que na época da FEPASA existiam estações para os maquinistas pararem, hoje em dia algumas foram fechadas e as que estão abertas não possuem condições de uso, inclusive faltando água e luz; que na maioria das estações não há água potável, tendo os maquinistas que levarem de casa; que existem estações em que há galões de água, porém insuficientes e que normalmente faltam; que os banheiros foram lacrados para redução de custo com manutenção e limpeza; que enquanto os maquinistas estão no trem não podem usar os banheiros, pois a prioridade é sempre o trem (fls. 102-104). (II) Esclarecimentos quanto à aplicação da prova emprestada a estes autos: é fato público e notório, principalmente nesta Comarca, onde os processos se repetem, que, após o processo de privatização da Malha Paulista da Rede Ferroviária Federal, em 1998, várias operações comerciais foram realizadas em relação a ela - nas quais tiveram participação, entre outras empresas, a a Ferrovia Bandeiras S.A. e a Ferrovia Centro Atlântica S/A - culminando na incorporação de todas elas ao grupo América Latina Logística. As provas apresentadas pelas partes, portanto, ainda que tenham ré com razão social diversa da ora reclamada, merecem ser aqui levadas em consideração, pois todas fazem parte do grupo América Latina Logística, ante os termos dos arts. 10 e 448 da CLT. (III) Dos depoimentos prestados conclui-se com extrema segurança o seguinte: (i) que os trens antigos não possuem sanitários; (ii) que os trens novos possuem sanitários, mas ficam lacrados, não podendo ser utilizados...

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