Da retórica protetiva à pretensão punitiva: compreendendo decisões judiciais de medida socioeducativa de internação no Recife

AutorÉrica Babini Lapa do Amaral Machado - Andrielly Stephany Gutierres Silva
Páginas132-148
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Da retórica protetiva à pretensão punitiva:
compreendendo decisões judiciais de medida socioeducativa de internação no Recife
Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas Vol. 16 N. 10 8, jan./jun. 2015
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1984-8951.2015v16n108p132
Da retórica protetiva à pretensão punitiva: compreendendo decisões
judiciais de medida socioeducativa de internação no Recife
Érica Babini Lapa do Amaral Machado
Andrielly Stephany Gutierres Silva
Da retórica protetiva à pretensão punitiva: compreendendo decisões judiciais de medida
socioeducativa de internação no Recife
Resumo: Trata-se de pesquisa sócio-jurídica com sessenta decisões judiciais de medida
socioeducativa de internação a adolescentes proferidas nos anos de 2011 e 2012 nas Varas da
Infância de Pernambuco, investigando sobre a presença de códigos ideológicos do julgador na
argumentação judicial. A pesquisa é quantitativa e foi utilizada como metodologia a análise de
conteúdo, a fim de encontrar as relações que existem entre subjetivismos do julgador e as
decisões judiciais. O marco teórico da pesquisa é a Criminologia Crítica, segundo a qual o
desvio são qualidades (etiquetas) atribuídas a determinados sujeitos através de processos de
interação social. Verificou-se que as decisões estão vinculadas a estereótipos que trazem
consequências à autoimagem do jovem processado que, a contrassenso do que enuncia a
Doutrina da Proteção Integral, enseja um retorno ao menorismo, tornando o adolesceste um
objeto marginalizado pelos atores judiciais.
Palavras-chave: Doutrina da Proteção Integral. Sentença de medida socioeducativa de
internação. Códigos ideológicos do julgador. Criminologia crítica.
From protective rhetoric to the punitiveness will: understanding judicial court decisions of
juvenile incarceration in Recife
Abstract: It‟s a socio-judical research with sixty judicial decisions of juvenile encarcerament in
the years of 2011/2012 in the Youth Courts of Pernambuco. The objective is to identify (or not)
ideological codes in the decisions. The research is quantitative and was used, as a methodology,
content analysis in order to find the relationships between ideological codes of the judge and the
judicial reasoning. The theoretical framework is the Critical Criminology for which criminality
is the result of labels assigned to specific individuals through complex processes of social
interaction. The conclusion is that the trials are, somehow, linked to stereotypes, which bring
consequences to social and self-image of youth, against of what the Doctrine of Integral
Protection establishes. Then, it dangerously entails a return to menorism period, making the
youth a manipulated object and by the actors of the process.
Keywords: Doctrine of Integral Protection. Incarceration decision youth Justice. Ideological
codes of the judge. Critical criminology.
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Da retórica protetiva à pretensão punitiva:
compreendendo decisões judiciais de medida socioeducativa de internação no Recife
Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas Vol. 16 N. 10 8, jan./jun. 2015
1. Introduzindo os marcos do Direito da Criança e do Adolescente: uma
construção histórica no sentido da autonomização de sujeitos de direito
A marcha do Direito da Criança e do Adolescente foi e ainda o é uma
trajetória de afirmação de Direitos Humanos. Esta caminhada não se concretizou sem
turbulências e muita disputa nas searas intelectuais. O processo de construção de um
sistema de direitos fundamentais e, por conseguinte, um trato constitucional destes,
evidencia o que em um tempo tem caráter de necessidade à existência social, e que
pode, mais adiante, categorizar-se com as vestes da mais cruel injustiça universalmente
condenada (MILL, 1992). No momento, imperioso se faz um sucinto relato
pormenorizado de sua contextualização para melhor entendimento da complexidade que
lhe é atinente.
A conceituação e tratamento jurídico da ideia de infância e adolescência não
existiam antes do século XIX. Só com o avanço das ciências e com um rol de mudanças
econômicas, fortalecidas na idade moderna, é que a visão de infância veio ser
considerada enquanto uma etapa do desenvolvimento do ser humano, com
características próprias atinentes às suas peculiaridades (RAMIDOFF, 2011).
O tratamento jurídico só começou a ser intensificado a partir do século XIX, com
o advento da potencialização de critérios biopsicológicos na área do conhecimento
médico acrescido ao alto grau de miséria e marginalização do quadro social europeu a
partir da revolução industrial.
No Brasil, a responsabilidade penal dada à criança remete às Ordenações
Filipinas, vigentes no Brasil até 1830, quando surge o Código Penal do Império. Com
um Estado não-laico e com uma Igreja oficial, conceitos de Direito Canônico se
confundiam com conceitos jurídicos estatais. Pela tradição católica, a idade “racional”
era atingida somente aos sete anos; também do ponto de vista estatal, o marco da
responsabilidade penal se dava nesta idade. Ademais, era assegurado pelas
Ordenações a inaplicabilidade da pena de morte e, em alguns casos, a redução de pena.
Pelo sistema “jovem adulto”, dos dezessete aos vinte e um anos, por sua vez, poderia
ser até mesmo condenado à morte. Enquanto isso, na Inglaterra germinava o Direito da
Infância com a Carta dos Aprendizes de 1802, à contramão da estagnação brasileira
(SARAIVA, 2009).
Com o surgimento do Código Penal do Império, em 1830, após a Proclamação da
Independência de 1822, a fixação da inimputabilidade penal plena se deu em 14 anos,
prevendo ainda um sistema biopsicológico para punição de crianças de sete a quatorze
anos. E, com a instituição da República (1889), saindo de cena o Código Penal do
Império e surgindo o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, a imputabilidade
penal vive uma pequena evolução, se estabelecendo aos nove anos a irresponsabilidade
penal máxima.
Ao acompanhar tais evoluções, pode-se perceber o trato diferenciado com a causa
juvenil por parte do Estado: da total indiferença à (tardia) proteção, ainda que mínima.
Erigindo, sem nos esquecermos do paradigmático caso da Sociedade Protetora dos
animais e da menina maltratada com nove anos, uma nova era do Direito. Antes “coisa”,
hoje reclamante de, minimamente, uma proteção estatal. Nascia o Direito de Menores
(MENDEZ, 1998).
Paralelamente ao surgimento de variados Tribunais de Menores, influenciados
pela primogenitude do Tribunal de Menores em Illinois, EUA, em 1899, construía-se a

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