Da Ordem Social

AutorJadir Cirqueira De Souza
Ocupação do AutorMaestría en Derecho Público de la Universidad de Franca - SP, especialista en Procedimiento Civil de la Universidad Federal de Uberlândia - MG y Licenciado en Derecho por la Universidad Gama Filho, Rio de Janeiro
Páginas391-430

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1 Direitos sociais

Antes da análise dos direitos sociais torna-se necessário ressaltar dois aspectos. Primeiro, optou-se por analisar apenas alguns dos direitos sociais, especialmente aqueles que começam a ganhar força nos meios judiciais, tais como o direito à saúde, crianças e adolescentes, meio ambiente e educação. É correto afirmar que o leque é muito mais amplo, a partir da leitura exemplificativa dos art. 217 (desporto), 218 (ciência e tecnologia) e art. 220 (comunicação social). Segundo, ao invés de tratar dos direitos dos trabalhadores na parte inicial, ou seja, no capítulo dos direitos fundamentais, resolveu-se analisa-los no presente contexto, sendo que a mudança pontual não retira a força dos novos direitos dos trabalhadores brasileiros. Trata-se, enfim, de mera opção doutrinária que objetivou aglutinar os direitos pelas suas características mais comuns.

O mundo globalizado vive grave paradoxo entre a necessidade de diminuir o tamanho e as várias e complexas atividades e/ou ações que devem ser desenvolvidas pelo Estado, sobretudo pelos problemas inerentes à manutenção da grandiosa, lenta e ineficiente e cara máquina pública e, ao mesmo tempo necessita mantê-lo em regular funcionamento pois tem a necessidade constitucional de garantir o mínimo de qualidade de vida às pessoas hipossuficientes, sobretudo nos países em desenvolvimento e/ou pouco desenvolvidos, cujo exemplo é o Brasil.

Sem adentrar nas interessantes e profícuas discussões políticas, culturais e ideológicas, a respeito do tamanho do Estado e da necessidade de oferecimento de uma rede de proteção social mínima, o mais adequado, ainda que utópico, seria um Estado forte, porém, mínimo, enxuto e ágil e, ao mesmo tempo, com uma rede social de proteção mínima, devidamente integrada com a sociedade, com o objetivo de resgatar a massa de pessoas carentes e ao mesmo tempo, dependentes das políticas públicas sociais que devem ser criadas e implementadas pela União, Estados, DF e Municípios.

Nesse vértice doutrinário, portanto, como idealização conceitual, o Estado com uma carga tributária justa e menor, deveria ser muito mais ágil, eficiente e dispen-

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sar à sociedade, principalmente em relação aos necessitados, condições materiais e qualidade de vida digna, via políticas públicas suficientes para resgatar a dignidade da pessoa humana, através da real implementação dos direitos fundamentais e da disponibilização dos serviços públicos indispensáveis à sadia qualidade de vida.

Conforme visto, os direitos fundamentais – de primeira, segunda e terceira geração - transcritos no sistema constitucional brasileiro, apresentaram uma lenta evolução histórica e difícil implementação, aliás, ainda pendentes de aplicação prática nas camadas mais carentes da população brasileira, muito embora possuam conteúdo cogente, ou seja, são direitos fundamentais obrigatórios, nos termos apresentados no capítulo relativo à temática dos princípios, direitos e garantias fundamentais.

Foi destacado também no capítulo dos direitos fundamentais que, nas duas primeiras constituições brasileiras – de 1824 e 1891 – inicialmente, foram constitucionalizados apenas os direitos de primeira geração, ou seja, aqueles relativos à liberdade e à igualdade entre as pessoas e que exigiam apenas a abstenção do Estado, nos termos da vertente ideológica do Estado de Direito. Não existia, à época, a obrigatoriedade do Estado de agir, muito embora sempre existiram no Brasil ações assistencialistas e filantrópicas de grupos economicamente organizados e, sobretudo, através das igrejas, que sempre se pautaram pela implementação dos direitos sociais. Assim, entre o período colonial, imperial e o da primeira república não existia a obrigatoriedade de implementação dos direitos sociais.

Todavia, a partir do início do século XX, os direitos de segunda geração foram paulatinamente incorporados nas constituições do mundo ocidental, particularmente na CF brasileira de 1934, a partir dos modelos alemão e mexicano. Tinham como característica central garantir ao cidadão, através do Estado do bem-estar social, o tratamento isonômico entre as pessoas que viviam em sociedade, sobretudo os hipossuficientes. Além da obrigação do Estado de cuidar dos necessitados, também restou constitucionalizada a ordem econômica e seus paradigmas.

Enfim, foi a consagração no plano constitucional do Estado Social de Direito, sendo a recordação relevante, na medida em que irá influenciar a idéia atual dos direitos sociais previstos na atual CF.

Dentro desse contexto histórico-constitucional, constata-se que o Estado brasileiro, apesar de receber a missão de cuidar dos direitos sociais, desde 1934 até os dias atuais, ainda não logrou êxito na respectiva implementação. Prova da afirmativa são os altos índices de desemprego, economia informal com diminuição da renda tributária, serviços públicos de saúde deficitários, etc. Ou seja, os direitos sociais estão muito longe de serem implementados no Brasil.

É na etapa da incorporação constitucional da segunda geração de direitos fundamentais, portanto, que se situam os direitos sociais relativos à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à

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infância e adolescência e a assistência aos desamparados, segundo o art. 6º e o art. 193 da CF de 1988, objeto da presente análise, doravante.

Os direitos sociais, além de decorrerem da evolução histórica da humanidade e serem incorporados nas sucessivas constituições brasileiras, sobretudo, a partir da Constituição de 1934, em síntese, apresentam algumas características peculiares. É adequado destacar que são características importantes pelo fato de que permitem o reconhecimento dessa fundamental categoria de direitos.

Primeiro, os direitos sociais são de responsabilidade do Estado que deve, ao mesmo tempo, implantá-los e estimular a participação da sociedade numa autêntica de imprescindível conjugação de esforços com o objetivo de torna-los efetivos para a maioria da população brasileira.

Naturalmente, em virtude da grandiosa carga tributária brasileira constitui um dos deveres dos órgãos estatais garantir o mínimo de bem estar social para todos os cidadãos, independente de raça, cor, sexo e/ou quaisquer outras formas de discriminação ou quaisquer outros tratamentos diferenciados. Ou seja, é obrigação jurídica do Estado, possível de ser discutida jurisdicionalmente, garantir um piso social mínimo para todos.

A partir da certeza de que a responsabilidade é do Estado, pode se afirmar que, embora o sistema constitucional estimule e incentive a participação da sociedade na busca do cumprimento dos direitos fundamentais, tal fato não descaracteriza ou diminui a responsabilidade estatal. Ao contrário, a conjugação dos esforços da sociedade, ao invés de ser considerado como problemático para vários setores da Administração Pública brasileira, na verdade, deveria servir de estímulo para a implementação de políticas públicas sociais muito mais arrojadas e eficientes, ao lado da sociedade, motivo primário da existência do Estado social.

Segundo, no plano democrático, as normas de direitos sociais constituem ideais programáticos que deveriam ser desenvolvidos pelo Estado, a partir de uma adequada organização, planejamento e controle. Cabe aos Poderes da República procurar cristalizar, no plano real e de modo factível, as políticas sociais determinadas pela CF.

Assim, enquanto o Poder Legislativo regulamenta a vontade do poder constituinte originário, caberá ao Executivo implementar o conteúdo normativo social e ao Poder Judiciário garantir, se provocado, mediante as ações individuais e coletivas, o efetivo cumprimento dos direitos sociais.

Portanto, ainda que de conteúdo programáticos, na medida em que os direitos sociais são regulamentados especificamente pelo legislador infraconstitucional, nos casos em que a norma constitucional não possui eficácia plena, deveriam ganhar imediata concretude social, sob pena de frustrar a vontade legislativa.

Infelizmente, a idéia de que os direitos sociais são meramente programáticos, mesmo com suas específicas legislações, ainda possui fortes seguidores, como se a marca programática não tivesse o condão de obrigar o Estado a implementá-los. Tra-

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ta-se de idéia ainda vivenciada em muitos tribunais que corroboram a idéia de que os direitos sociais não devem ser jurisdicionalizados e dependem, exclusivamente, da boa vontade dos poderes públicos.

Terceiro, não se desconhece as seguidas dificuldades orçamentárias nacionais, estaduais, distritais e municipais. Porém, a ordem social exige a implementação de um piso mínimo de efetivação dos direitos sociais, sob pena de abdicação da vontade do poder constituinte originário.

No entanto, não se deve, embora usual, sob o singelo pretexto de falta de verbas orçamentárias, naturalmente abundantes em outras áreas estatais para deleite de alguns setores políticos-partidários, deixar de fornecer o mínimo de qualidade de vida para todos.

Quarto, além das dificuldades orçamentárias, a cidadania brasileira ainda não conseguiu projetar sua real legitimidade popular, em decorrência de vários fatores econômicos, culturais e governamentais.

O desconhecimento dos respectivos conteúdos constitucionais e a falta de melhor e mais efetiva operacionalização dos direitos sociais, ainda são entraves à real democracia participativa. No Brasil, ainda são desconhecidas, por muitos, a responsabilidade do Estado e o direito do cidadão de exigir, se necessário, na via jurisdicional, a implementação dos direitos sociais, sejam individuais ou coletivos...

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