Da prescrição e da decadência

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas445-459

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29. 1 Introdução

O decurso do tempo exerce influência sobre as relações jurídicas, criando ou extinguindo direitos subjetivos. O Código Civil distingue duas espécies de efeitos do decurso do tempo sobre a relação jurídica:

1) a prescrição aquisitiva ou usucapião, através da qual o titular do direito adquire a propriedade dos bens, com o passar do tempo. Vale dizer, o direito é conferido em favor daquele que possui, com ânimo de dono, a propriedade ou outro direito real referente a um bem móvel ou imóvel. É a aquisição de direito real pelo usucapião. Por exemplo, uma pessoa, que está de posse de um imóvel durante 15 anos, de forma pacífica e contínua, mesmo não sendo portadora de título e boafé, adquire a propriedade do imóvel. Confira-se pelo art. 1.238 do CC: "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que

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assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".

2) a prescrição liberatória ou extintiva implica na perda do direito de ação e isto acontece quando o titular é negligente deixando passar certo tempo previsto pela lei sem propor a ação competente em defesa de seu direito. Por exemplo, um reclamante, estando trabalhando, tem o prazo de cinco anos após o período de gozo para reclamar, judicialmente, o pagamento em dobro das férias não concedidas. Se deixar passar esse prazo, perde o direito de ação para reclamar o pagamento das férias em dobro.

Embora a prescrição extintiva como a prescrição aquisitiva tenham como ponto comum o decurso do tempo, são institutos com finalidades diversas. Por essa razão, a prescrição extintiva é tratada na Parte Geral do Código, enquanto a aquisitiva, ou o usucapião, é estruturada na Parte Especial, dentro do Direito das coisas.

No presente capítulo trataremos da prescrição liberatória ou extintiva, conhecida, simplesmente, como prescrição; trataremos, ainda, da decadência que tem também como base a inércia do titular do direito durante certo prazo fixado por lei, fazendo com que haja a perda da ação judicial, ou seja, a perda do direito de propor a ação. Funciona como meio de defesa contra o titular do direito, pois o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente; deve ser exercido pelo titular dentro de determinado tempo.

29. 2 Conceito de prescrição

O devedor tem o dever de cumprir sua obrigação e, por isso, o credor pode valer-se dos meios processuais para receber seu crédito. Por exemplo, se o credor possui um cheque sem provisão de fundos, tem o prazo de seis meses a partir do 30.º dia a contar da data da emissão do cheque, para o exercício da ação executiva a fim de recebê-lo quando passado na praça onde tiver de ser pago. Quando for pagável em localidade diversa da da emissão, ou quando for

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emitido no exterior, o prazo de seis meses será contado a partir do 60.º dia após a data da emissão (Lei n. 7.357/85). Se deixar passar o referido prazo, não mais terá direito à referida ação, perdendo o direito de penhorar os bens do devedor no começo da ação e de cobrar a correção monetária desde a data da emissão do cheque. Mas terá o portador do cheque, ainda, o direito ao procedimento monitório desde que dentro do prazo prescricional de dois anos a que se refere o art. 61 da Lei do cheque, por enriquecimento ilícito ou para evitar o locupletamento indevido. Neste caso, o cheque deixa de ser um título de crédito passando a ser um documento comum em que o devedor pode oferecer defesa quanto ao mérito, cuja correção monetária somente começará a incidir a partir da propositura da ação. A penhora só será possível quando o juiz julgar procedente o feito. (in RT 653/141).

Atualmente, quando o cheque se encontra prescrito para a ação executiva, o credor usa muito a ação monitória dentro do prazo de dois anos, um instrumento processual visando a expedição do mandado de pagamento para a satisfação de seu direito. Se deixa passar esse prazo para a ação monitória, concessa máxima vênia, o credor tem direito a ação de conhecimento para a cobrança, no prazo do art. 205 do CC.

Prescrição, portanto, é a desoneração do devedor, devido à negligência do credor em não propor ação em juízo, dentro de certo lapso de tempo previsto em lei, reclamando o seu direito. Com isso, a prescrição extingue diretamente a pretensão e, como conseqüência, atinge o direito do autor ou credor. Analise o entendimento do saudoso Prof. Washington de Barros Monteiro: "A prescrição atinge diretamente a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela tutelado"338.

A natureza da prescrição é, pois, de uma sanção contra o credor negligente, funcionando para o devedor, como excelente meio de defesa. Clássica é a definição oferecida por Clóvis Beviláqua: "Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo"339.

Se existe uma ação exercitável e o seu titular mantém-se inerte durante certo tempo e não promove a defesa do seu direito violado, propondo a competente ação, perde ele esse direito. O direito é atingido pela prescrição por via da conseqüência: deixando passar o prazo de prescrição e caso venha ele a exercitar a ação própria, o direito torna-se inoperante se o devedor a invocar.

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Portanto, os requisitos são a inércia do titular do direito e o decurso do tempo. Pela prescrição busca-se dar segurança às relações jurídicas, extinguindo a pretensão pelo não uso da ação após certo tempo previsto pela lei. "Em se tratando de nome fantasia, - decidiu o Tribunal - a propriedade há de ser reconhecida a quem primeiro o registrou. Entretanto, a ação por violação a nome comercial prescreve em cinco anos, de conformidade com entendimento pelo STF no ERE 46.597 (RTJ 20/270). A autora propôs a ação, seis anos depois da ré haver registrado o nome fantasia semelhante, portanto, quando já ocorrera a prescrição" (in RT 672/240).

29. 3 Diferença entre prescrição e decadência

"Se o menor, condômino de coisa indivisível, for preterido na venda de frações ideais do imóvel, o lapso de 6 meses para exercitar seu direito de preferência não poderá ser suspenso, pois trata-se de prazo decadencial e não prescricional" (RT 749/416).

Para entender a ementa do acórdão destacado, necessário conhecer o princípio do art. 504 do CC, in verbis: "Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranho, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência". Cento e oitenta dias é o prazo decadencial, ou seja, o menor tem cento e oitenta dias para depositar o preço pago pelo adquirente e haver para si a coisa, exercendo judicialmente, assim, o seu direito de preferência. Se o prazo não fosse de decadência, o referido tempo de cento e oitenta dias ficaria suspenso até o menor impúbere alcançar dezesseis anos, pois, segundo o artigo 198, I, do CC, não corre prescrição contra o absolutamente incapaz. Sendo de decadência consoante mostra a ementa do acórdão destacado acima transcrito, o lapso de cento e oitenta dias (seis meses) para o exercício do direito de preferência é fatal. O artigo 207 do CC mostra bem essa situação: "salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição".

Quando uma pessoa decai do direito de postular em juízo por ter deixado escoar determinado prazo estabelecido em lei, opera-se, de pleno

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direito, a decadência e, a conseqüência é a inexistência de qualquer causa interruptiva, suspensiva ou que impossibilite a fluência do prazo. Se o prazo decadencial, por exemplo, previsto por lei cai em sábado, domingo ou feriado, o titular do direito deve ingressar com a ação um dia antes. Por exemplo, o art. 33 da Lei n. 8.245/91 (Lei do Inquilinato) estabelece o prazo de seis meses para o exercício do direito de preferência que tem o inquilino a partir da data do registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis (CRI), para anular o negócio jurídico entre o locador e terceiro adquirente do imóvel realizado em desobediência ao direito de preferência. Caso o locatário deixe passar esse prazo, opera-se de pleno direito a decadência, ou seja, o locatário perde definitivamente o direito não exercido a tempo, tornando impossível o nascimento da ação, não importando que o dia fatal do vencimento seja sábado, domingo ou feriado. Se, por exemplo, o prazo peremptório vence no dia 20 e coincide com o sábado, o autor deverá distribuir a ação um dia antes; não se pode alargar o lapso até o primeiro dia útil, como se faz com os prazos processuais típicos. Veja, a propósito, a palavra de Alfredo Buzaid: "Segundo a jurisprudência, o prazo para a propositura da ação renovatória de locação é de decadência, e não de prescrição; por isso não se suspende, não se interrompe, não se dilata, ainda que o último dia caia em domingo"340. Eis uma ementa de acórdão muito comum: "O prazo estabelecido no art. 4.º do Dec. 24.150/34341para o ajuizamento da ação é de decadência, insuscetível de suspensão, interrupção ou dilação342. O termo do prazo para o exercício da ação é o último dia do penúltimo semestre, correndo contra o autor o acidente de ser feriado forense e não haver foro aberto" (in...

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