Da Liquidação no Processo do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Ocupação do AutorJuiz titular da 19a Vara do Trabalho de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Universitário (Graduação e Pós-Graduação).
Páginas223-244

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1. Do conceito de liquidação de sentença e sua natureza jurídica

Segundo os ensinamentos obtidos da melhor doutrina, a liquidação tem lugar quando a sentença ou acórdão não fixam o valor da condenação ou não individualizam o objeto da execução. A decisão contém a certeza da obrigação e das partes que são credora e devedora dessa obrigação (an debeatur), mas não fixa o montante devido (quantum debeatur).

A liquidação constitui, assim, uma fase preparatória, de natureza cognitiva1, em que

a sentença ilíquida passará a ter um valor determinado ou em que será individualizada a prestação ou objeto a ser executado, por um procedimento previsto em lei, conforme a natureza da obrigação prevista no título executivo.

A Consolidação das Leis do Trabalho, por opção legislativa e tendo à vista a simplicidade do processo do trabalho, inseriu a liquidação no Capítulo da Execução, uma vez que o art. 879 da CLT, que regulamenta a liquidação trabalhista, está inserido no Capítulo V, que trata da Execução. Dispõe o referido dispositivo consolidado:

Sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos. § 1º Na liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda nem discutir matéria pertinente à causa principal. (Parágrafo único transformado em § 1º pela Lei n. 8.432, de 11.6.1992, DOU 12.6.1992) § 1º-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições previdenciárias devidas. (Acrescentado pela Lei n. 10.035, de 25.10.2000, DOU 26.10.2000) § 1º-B. As partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente. (Acrescentado pela Lei n. 10.035, de 25.10.2000, DOU 26.10.2000) § 2º Elaborada a conta e tornada líquida, o Juiz poderá abrir às partes prazo sucessivo de 10 (dez) dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob

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pena de preclusão. (Parágrafo incluído pela Lei n. 8.432, de 11.6.1992, DOU 12.6.1992) § 3º

Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação da União para manifestação, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de preclusão. (Parágrafo alterado pela Lei n. 11.457, de 16.3.2007, DOU 19.3.2007) (Nova redação com vigência a partir do primeiro dia útil do segundo mês subsequente à data de publicação da Lei n. 11.457/2007) § 4º A atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios estabelecidos na legislação previdenciária. § 5º O Ministro de Estado da Fazenda poderá, mediante ato fundamentado, dispensar a manifestação da União quando o valor total das verbas que integram o salário de contribuição, na forma do art. 28 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, ocasionar perda de escala decorrente da atuação do órgão jurídico. (Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.457, de 16.3.2007, DOU 19.3.2007 com vigência a partir do primeiro dia útil do segundo mês subsequente à data de publicação da Lei n. 11.457/2007)

Com a liquidação, o título executivo judicial está apto para ser executado, pois, se o título não for líquido, certo e exigível, o procedimento de execução é nulo.

Como destaca Pedro Paulo Teixeira Manus2:

(...) entende-se por liquidação de sentença o conjunto de atos processuais necessários para aparelhar o título executivo, que possui certeza, mas não liquidez, à execução que se seguirá. Com efeito, tratando-se de condenação do reconhecimento de obrigação de dar quantia certa, quase sempre a decisão que se executa, embora certa quanto ao seu objeto, não traz os valores devidos de forma líquida3.

Para Manoel Antonio Teixeira Filho4, a liquidação constitui: a) fase preparatória à execução; b) em que um ou mais atos são praticados; c) por uma ou por ambas as partes;

  1. com a finalidade de determinar o valor da condenação; e) ou de individuar o seu objeto; f) mediante a utilização, quando necessário, dos meios de prova admitidos em lei.

    A doutrina ainda não chegou a um consenso sobre a natureza jurídica da sentença de liquidação. Para alguns, a natureza é declaratória; para outros, constitutiva.

    Para Liebman, a natureza jurídica da liquidação é declaratória, uma vez que traz a lume aquilo que se encontra implicitamente na sentença anterior. Para outros, como Pontes de Miranda, a natureza jurídica é constitutivo-integrativa, uma vez que não se limita à mera declaração, mas também dá uma certeza àquilo que até então era incerto.

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    No nosso sentir, a liquidação é uma fase integrativa5 da sentença, de natureza constitutiva6, fazendo parte da fase de conhecimento, que visa a apurar o quantum debeatur ou individualizar o objeto da execução. Nesse sentido, destacamos a posição de Antonio Carlos Matteis de Arruda7:

    A liquidação da sentença condenatória genérica, em nossa legislação processual civil, se faz por meio da propositura de uma ação de conhecimento especial, processualmente diversa e autônoma, em relação à anterior ação de natureza condenatória, sendo certo que essa ação de liquidação é de natureza constitutivo-integrativa.

    Discute-se na doutrina e na jurisprudência se o Juiz do Trabalho pode iniciar a liquidação, de ofício, determinando que a Secretaria ou um perito contador realize a conta de liquidação, sem oportunizar às partes a elaboração dos cálculos ou dos artigos de liquidação.

    Argumentam os defensores da liquidação de ofício pelo juiz que ela propicia maior celeridade processual e maior qualidade na elaboração do cálculo. Sustentam ainda que a liquidação por iniciativa do juiz encontra suporte no impulso oficial da execução (art. 878 da CLT), e, na interpretação teleológica do § 3º do art. 879 da CLT, possibilita ao Juiz do Trabalho determinar a realização dos cálculos de liquidação.

    De nossa parte, entendemos que o Juiz do Trabalho somente deve tomar a postura de liquidar a sentença de ofício em casos excepcionais, na hipóteses em que o trabalhador estiver sem advogado, valendo-se do jus postulandi, ou quando o reclamante tiver advogado, mas este justificadamente, não puder realizá-la. Em outras situações, deve o Juiz do Trabalho ponderar as circunstâncias do caso concreto.

    Em Varas nas quais observamos a liquidação por iniciativa do juiz não constatamos resultados satisfatórios. Além disso, houve grande dissenso das partes e inúmeros incidentes de impugnação.

    A CLT disciplina as três espécies de liquidação no art. 879. Diz o caput do referido dispositivo que:

    (...) sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, arbitramento ou por artigos.

    No nosso sentir, ainda que determinado no título executivo com trânsito em julgado que a liquidação se processe por cálculos, poderá o Juiz do Trabalho se valer das três modalidades de liquidação, se necessário, para se chegar ao quantum devido, pois

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    não há vedação na legislação processual e tal conduta se coaduna com os princípios do fiel cumprimento da obrigação consagrada no título executivo e também da máxima efetividade da jurisdição.

    Nesse sentido é a Súmula n. 344 do STJ, in verbis:

    Liquidação - forma diversa na sentença - não ofensa à coisa julgada. A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada.

    Nesse sentido, vale transcrever a seguinte ementa:

    Desde que não implique prejuízo aos legítimos interesses das partes, o juiz pode, em situações especiais, variar a forma de liquidação, convertendo para cálculos a liquidação a princípio fixada por artigos, sempre que os autos contiverem elementos bastantes para possibilitar a realização da conta. (TRT - 12ª R. - 3ª T. - Ac. n. 001838/95 - relª. Juíza Lília L. Abreu - DJSC 20.04.95 - p. 77)

    O termo "sentença" deve ser interpretado em sentido amplo para abranger a sentença de primeiro grau e também os acórdãos, tanto dos TRTs como do TST. No processo do trabalho, assim como no processo civil, há três modalidades de liquidação:

  2. por cálculos; b) por arbitramento; e c) por artigos.

    A liquidação não pode ir aquém ou além do que foi fixado na decisão transitada em julgado, sob consequência de nulidade do procedimento e desprestígio da coisa julgada material, cabendo ao juiz velar pelo seu fiel cumprimento8. Além disso, a proteção à coisa julgada tem status constitucional (art. 5º, inciso XXXVI, da CF). Nesse sentido é a disposição do § 1º do art. 879 da CLT, abaixo transcrito:

    Na liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda, nem discutir matéria pertinente à causa principal.

    No mesmo lastro, é o art. 509, § 4º, do CPC, in verbis:

    Na liquidação é vedado discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.

    Nesse sentido, relevante destacar as seguintes ementas:

    Nesse sentido, relevante destacar as seguintes ementas:

    Liquidação - Limites. Na liquidação deve-se observar os exatos limites impostos pela sentença exequenda, sob pena de ofensa à coisa julgada (art. 879, § 1º, da CLT). (TRT 12ª R. - 2ª T. - relª. Juíza Sandra Márcia Wambier - Doc. n. 1044131 em 1º.12.08 - AP n. 1630/2004.016.12.85-6) (RDT n. 2 - fevereiro de 2009)

    Cálculos de liquidação. Havendo transitado em julgado o Acórdão que considerou totalmente quitadas as horas extras excedentes da 8ª diária, tem-se que só tem o exequente direito a receber como excedentes as 7ª e 8ª horas diárias, num...

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