A terapêutica da lepra no século XIX

AutorDilma Cabral
CargoArquivo Nacional/UFF
Páginas35-61
35
Dilma Cabral
Arquivo Nacional/UFF
Resumo
Na primeira metade do século XIX a lepra foi integrada à pauta da pesquisa
científica no Brasil, com estudos sobre sua etiologia e distinção clínica. A com-
plexidade de elementos que compunham o quadro etiológico da lepra se expres-
saria, no plano terapêutico, pela adoção de remédios de bilitantes, parte de uma
estrutura cognitiva em que o restabelecimento da saúde se daria a partir da deso-
bstrução e equilíbrio do organismo. Nas décadas finais do século XIX, o trata-
mento da lepra sofre significativas transformações, a bacteriologia criara novos
valores científicos, conferindo um novo papel ao médico e a reorientação da
terapêutica da lepra.
Palavras-chave: Lepra, Terapêutica, Hanseníase, História da Medicina.
Abstract
In the first half of nineteenth-century the leprosy was integrated to the guideline
of the scientific research in Brazil, with studies about its etio logy and clinical
distinction. The complexity of elements that composed the etiologic picture of the
leprosy will express, in the therapeutical plan, for the adoption of debilitating
remedies, part of the cognitive structure whose the reestablishment of the health
will give from unblockage and balance of the organism. In the final decades of
nineteenth-century, the treatment of the lepers significant transformations, the
bacteriology cr eates new scientific values, conferring a new role to the doctor
and the reorientation of the therapeutical of the leprosy.
Key-words: Leprosy, Therapeutical, Hansen’s disease, History of Medicine.
INTRODUÇÃO
Na primeira metade do século XIX foram produzidos os primeiros traba-
lhos sobre lepra no Brasil. Médicos como Joaquim Cândido Soares de Meirelles,
João Maurício Faivre, Luis Vicente De-Simoni e Francisco de Paula Cândido
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elaboraram estudos que procuravam elucidar as muitas incertezas em relação à
doença e produziriam um modelo original sobre a etiologia da lepra no país. Estes
trabalhos partiam da convicção de que a doença paulatinamente tornava-se um
problema sanitário nacional, o que permitiu sua inclusão na agenda cientifica do
período. No Br asil, a pesquisa sobre a lepra se centraria na busca de um consen-
so em torno de sua definição e na tentativa de cara cterizar o quadro clínico da
moléstia, procurando conferir um diagnóstico diferencial com o utras doenças,
tais como a sífilis ou a elefantíase-dos-gregos.
O esforço em dissipar esta instabilidade conceitual da lepra integrou um im-
portante momento na história moderna da doença, quando se produziram estudos
que procuravam estabelecer elementos que a tornassem clinicamente distinguível.
É importante lembrar que foi somente em 1847, com a publicação do tratado ilus-
trado Om Spedalsked (Um estudo da Lepra), dos médicos noruegueses Daniel
C. Danielssen e C. W. Boeck, que se definiram às bases clínicas da lepra. A carac-
terização distinção clínica da lepra significou não apenas diferenciá-la de outras
doenças, mas também precisar sua etiologia e definir uma terapêutica exclusiva
para a doença. Neste contexto em que a lepra paulatinamente adquiria relevância
sanitária e científica e integrava-se ao quadro dos problemas médicos nacionais, a
medicina recorreu a uma variada escala de recursos terapêuticos para corrigir os
elementos que contribuíam para produzir a lepra no Brasil.
A MEDICINA BRASILEIR A E A LEPRA
O diagnóstico e a descrição da lepra, na primeira meta de do século XIX,
fez parte de seu longo processo de compreensão e estruturação como uma enti-
dade patológica singular. O estabelecimento de suas causas, sintomas, terapêuti-
ca e profilaxia constituiu-se num campo de debates, caracterizando o momento
em que a medicina deu passos decisivos para dissipar esta instabilidade conceitu-
al da lepra. Nos textos médicos brasileiros deste período ainda encontramos o
mal de Lázaro, a elefantíase-dos-gregos, a morféia e a lepra identificadas como
a mesma doença. Mas, podemos também observar a tentativa de definir estas
enfermidades dentro de modelos diferenciados, o que significava estabelecer eti-
ologia, sintomas, sede e lesões orgânicas distintas. Este refinamento conceitual,
presente ao longo de todo século XIX, produziu a individualização do fenômeno
patológico que conhecemos como lepra, processo construído a partir das diver-
gências e disputas teóricas no meio médico.
Este proces so de si ngular ização da l epra no Bra sil uti lizou-se dos pres-
supostos científic os da anát omoclí nica, qu e associava a doenç a a lesõ es or -
gânicas. Assim, na tentativa d e definir o s efeitos e fenô menos conse cutivo s
REVIS TA ESBOÇOS Nº 16 — UF SC

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