Da (in)constitucionalidade da nova base de cálculo do adicional de periculosidade dos empregados eletricitários estabelecida pela Lei n. 12.740/2012: uma análise a partir da proibição do retrocesso

AutorNeuber Teixeira dos Reis Júnior
CargoProfessor da Rede Doctum de Ensino ? Campus Manhuaçu/MG
Páginas111-118

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1. Introdução

A Lei Federal n. 7.369/1985 previa, em seu art. 1º, a incidência do adicional de periculosidade dos pro?ssionais do setor de energia elétrica sobre o “salário a perceber”, ao passo que a norma geral, art. 193, § 1º, do Decreto-lei
5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho — CLT), determina a aplicação desse adicional sobre o salário “sem os acréscimos resultantes de grati?cações, prêmios ou participações nos lucros da empresa”.

Esse fato resultou na edição da Súmula n. 191 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e da Orientação Jurisprudencial n. 279, pela Subseção Especializada em Dissídios Individuais n. 1 (SDI-1) daquele Tribunal, ainda vigentes, nos termos seguintes:

Súmula n. 191 do TST – O adicional de periculosidade incide apenas sobre o salário básico e não sobre este acrescido de outros adicionais. Em relação aos eletricitários, o cálculo do adicional de periculosidade deverá ser efetuado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial.

OJ n. 279 da SDI-1 do TST – O adicional de periculosidade dos eletricitários deverá ser calculado sobre o conjunto de parcelas de natureza salarial.

Ocorre que tal disciplina foi sensivelmente modi?cada pela edição da Lei Federal n. 12.740, de 8 de dezembro de 2012, a qual, dentre outras providências, expressamente revogou a supracitada Lei n. 7.369/85 e alterou a redação do art. 193 da CLT, o qual passou a vigorar nos termos seguintes:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei n.
12.740, de 2012)

I – in?amáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei n. 12.740, de 2012)

II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades pro?ssionais de segurança pessoal ou patrimonial. (Incluído pela Lei n.
12.740, de 2012) […]

Em suma, a mudança trazida pelo dispositivo acima modi?cou a base de cálculo do adicional de periculosidade do empregado do setor elétrico exposto a perigos decorrentes do contato com a eletricidade o qual, outrora apurado a partir de todo o complexo salarial, agora passa a considerar apenas o salário básico do trabalhadores dessa categoria, inovação que, como adiante será sucintamente tratado, ressalvado o princípio da condição mais benéfica, se encontra dentro dos limites de conformação do legislador, não eivada de vício de inconstitucionalidade.

2. Da suposta inconstitucionalidade por violação ao princípio da proibição do retrocesso social

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem por fundamento maior a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e empenha-se na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I). Os valores sociais do trabalho são igualmente tratados como basilares da República (art. 1º, IV), sendo que, apesar de constituírem direitos prestacionais cujo destinatário (obrigado) primeiro não é o Estado, traduzem, ainda assim, inequívoca expressão de um Estado Social de Direito1.

Desse modo, é de se a?rmar que os direitos sociais que vieram ou que vierem a ser conquistados na busca destes objetivos tão caros à nação brasileira não podem se esvaziar ou se perder em razão dos interesses outros, mesmo que representados por maioria numérica, o que importaria em retrocesso social.

No magistério de Sarlet:
a proibição do retrocesso social atua como baliza para a impugnação de medidas que impliquem supressão ou restrição de direitos

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sociais e que possam ser compreendidas como efetiva violação de tais direitos, os quais, por sua vez, também não dispõem de uma autonomia absoluta no sistema constitucional, sendo, em boa parte e em níveis diferenciados, concretizações da própria dignidade da pessoa humana.2Nesta senda, J. J. Gomes Canotilho aduz que:

A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de “contrarrevolução social” ou da “evolução reaccionária”. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direitos dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente uma garantia institucional e um direito subjectivo. Desta forma, e independentemente do problema fáctico da irreversibilidade das conquistas sociais (existem crises, situações econômicas difíceis, recessões econômicas), o princípio em análise justi?ca, pelo menos, a subctração à livre e oportunística disposição do legislador, da diminuição de direitos adquiridos [...]. O reconhecimento desta protecção de direitos prestacionais de propriedade, subjectivamente adquiridos, constituiu um limite jurídico do legislador, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente. Esta proibição justi?cará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada justiça social [...].3

Streck, citado por Bonna, diz que:
Dito de outro modo, a Constituição não tem somente a tarefa de apontar para o futuro. Tem, igualmente a relevante função de proteger os direitos já conquistados. Desse modo, mediante a utilização da principiologia constitucional (explícita ou implícita), é possível combater alterações feitas por maiorias políticas eventuais, que legislando na contramão da programaticidade constitucional, retiram (ou tentam retirar) conquistas da sociedade.4

Ainda, pela lição de Sarlet5 é possível concluir que a proibição do retrocesso trata-se de princípio constitucional implícito, que encontra fundamento a) na abertura constitucional brasileira ao sistema de proteção aos direitos humanos no campo internacional; b) no princípio da dignidade da pessoa humana;
c) no princípio da segurança jurídica; e d) do direito ao mínimo existencial.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca do princípio em testilha em inúmeros precedentes, podendo ser indicados, exempli?cativamente, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 1.946/DF, 2.065-0/DF (considerada a primeira manifestação daquela Corte sobre a matéria, datada de 17 de fevereiro de 2000), 3.104/DF, 3.105-8/DF, 3.128-7/DF e o Mandado de Segurança n. 24.875-1/DF6.

Vale, inclusive, trazer à baila trecho do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 639.337:

Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam

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desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES...

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