Da aplicabilidade da justiça restaurativa à lei maria da penha como instrumento de revalorização da vítima

AutorFernanda Ravazzano L. Baqueiro - Fábio Roque da Silva Araújo
CargoPós doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Barcelona-Espanha. Doutora em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Professora do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da UCSAL. 2 Doutor em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Professor-adjunto da Faculdade de Direito da UFBA.
Páginas115-151
DA APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA À LEI MARIA DA PENHA
COMO INSTRUMENTO DE REVALORIZAÇÃO DA VÍTIMA
Fernanda Ravazzano L. Baqueiro
1
bio Roque da Silva Araújo2
RESUMO: Trata-se de artigo que discorre sobre a importância da Justiça Restaurativa
emergir como novo paradigma, em contraposição a Justiça Retributiva, permitindo às partes o
protagonismo na resolução dos conflitos penais. A voluntariedade das partes é requisito
essencial para a possibilidade da mediação na área penal e permite a revalorização da vítima,
bem como do infrator, evitando o processo de vitimização secundária e mesmo terciária que o
sujeito passivo termina submetido no processo penal formal. Em seguida será analisada a Lei
Maria da Penha e as formas de violência nela previstas, questionando-se acerca da
admissibilidade da mediação penal quando o crime versar sobre bem jurídico disponível.
Diante da tímida redução dos índices de violência contra a mulher branca e o aumento do
número de homicídios contra a mulher negra, questionamos a eficácia da LMP pautada
somente na justiça retributiva, vislumbrando a alternativa da Justiça Restaurativa para solução
dos conflitos.
PALAVRAS-CHAVE: Justiça Restaurativa; Lei Maria da Penha; violência doméstica.
ABSTRACT: This article discusses the importance of Restorative Justice to emerge as a new
paradigm, as opposed to Retributive Justice, allowing the parties to play a leading role in
resolving criminal conflicts. The willingness of the parties is an essential requirement for the
possibility of mediation in the criminal area and allows the revaluation of the victim as well as
the offender, avoiding the process of secondary and even tertiary victimization that the
taxpayer ends up in the formal criminal proceedings. Next, the Maria da Penha Law and the
forms of violence that it contemplates will be analyzed, questioning about the admissibility of
the criminal mediation when the crime is about legal good available. Faced with the timid
reduction of violence against white women and the increase in the number of homicides
against black women, we questioned the effectiveness of the PML based only on retributive
justice, looking for the alternative of Restorative Justice to resolve conflicts.
KEY-WORDS: Restorative Justice; Maria da Penha Law; domestic violence.
1 Pós doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Barcelona -Espanha. Doutora em Direito Público
pela Universidade Federal da Bahia. Professora do Mestrado em Políticas Sociai s e Cidadania da UCSAL.
2 Doutor em Direito Público pela Universidade Federal da B ahia. Professor-adj unto da Faculdade de Direito da
UFBA.
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Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, V. I Nº 01, p. 115 a 151, jul-dez, 2017 | ISSN 2595-0614
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem por finalidade questionar a aplicabilidade do procedimento
restaurativo nos crimes que envolvem a Lei Maria da Penha. Para tanto, primeiramente iremos
nos debruçar sobre a Justiça Restaurativa, traçando um paralelo com o paradigma punitivista,
apontando as principais falhas da Justiça Formal, defendendo, enfim, a introdução da
mediação como possível solução na resolução dos conflitos penais.
Com efeito, a Justiça Formal é expressão da violência humana, ofendendo não apenas
os direitos e garantias do acusado, mas da sociedade e da vítima.
A vítima no processo penal é deixada de lado, não possuindo voz, sendo tratada tão
somente como meio de prova. Dessa forma, ela sofre com o processo de vitimização primária
por figurar como sujeito passivo de um crime com a vitimização secundária no
momento em que temos um processo penal que a trata como prova, sendo, ainda,
demasiadamente longo e a vitimização terciária em que o indivíduo é desrespeitado pela
própria sociedade que, não raro, a responsabiliza por ter sofrido uma agressão.
A Justiça Restaurativa propõe a retomada do conflito pelas partes diretamente
envolvidas na celeuma, permitindo ainda a participação da sociedade interessada na resolução
do fato.
Através do uso do diálogo, o procedimento restaurativo propicia que o autor e a vítima
externalizem seus pontos de vista, oportunizando que o sujeito ativo explique os motivos que
o levaram a delinquir, bem como compreenda o alcance de sua conduta e as consequências de
sua infração para o sujeito passivo e a sociedade. A vítima, por sua vez, ganhará destaque,
explanando o que sentiu e como o delito afetou sua vida.
Em seguida abordaremos as formas de violência previstas na Lei Maria da Penha,
questionando a redação do artigo 7° da mencionada lei e as eventuais inconstitucionalidades
em sua redação.
Com efeito, a Lei 11.340/2006 elenca como formas de violência doméstica contra a
mulher os crimes contra o patrimônio, crimes contra a honra, além da lesão corporal leve,
estabelecendo o mesmo patamar para todos os delitos, o que claramente ofende os princípios
da proporcionalidade e razoabilidade.
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Em seguida analisaremos os dados apresentados pelo IPEA e pela Faculdade Latino-
Americana de Ciências Sociais (Flacso) que apontam, respectivamente, a redução de apenas
10% (dez por cento) do número de homicídios de mulheres brancas em dez anos de Lei Maria
da Penha e o aumento de cerca de 54% (cinquenta e quatro por cento) o número de mulheres
negras vítimas de homicídios por seus companheiros.
Cumpre questionar: diante da ineficácia da justiça retributiva na repressão às formas de
violência contra a mulher e perante a desproporcionalidade entre as formas de violência
contra a mulher, não seria possível a aplicação do procedimento restaurativo às formas de
violência que envolvem bens jurídicos disponíveis? A proibição das formas de conciliação na
LMP não termina sendo nova forma de violência contra a mulher?
É o que passaremos a discutir.
2 A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO NOVO PARADIGMA
Apresentaremos neste primeiro momento a Justiça Restaurativa como via autônoma
para a resolução dos conflitos penais em contraposição à Justiça Retributivista. Para tanto,
apresentaremos a proposta do procedimento restaurativo, analisando a necessidade da
sociedade em punir com sanções aflitivas o infrator para, em seguida, abordar os princípios
basilares da Justiça Restaurativa e seu procedimento, abordando ainda as teorias que se
referem a tal prática.
Em seguida trataremos da falência da Justiça Formal, tecendo comentários sobre o
processo penal desumano e a desvalorização da vítima e o desrespeito ao infrator, bem como
a não diminuição dos índices de criminalidade a fim de, no final deste capítulo, traçar um
paralelo entre a Justiça Retributivista e a Justiça Restaurativa.
2.1. A PROPOSTA DA JUSTIÇA RESTAURATIVA E A CRISE DA RACIONALIDADE
PENAL MODERNA
A Justiça Restaurativa tem por objetivo a resolução dos conflitos penais através do
diálogo, propiciando às partes envolvidas e a comunidade diretamente interessada à tomada
da decisão que aparentar ser a mais adequada ao caso. Dessa forma, propõe a retomada do
conflito pelos particulares, ao invés de deixar nas mãos do Estado a perseguição e punição do

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