Culturas de periferia: entre o mercado, os dispositivos de gestão e o agir político

AutorLivia De Tommasi
CargoDoutora em Sociologia, professora adjunta do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense(UFF) ' Rio de Janeiro ' Brasil
Páginas11-34
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 12 - Nº 23 - Jan./Abr. de 2013
1111 – 34
Culturas de periferia: entre
o mercado, os dispositivos
de gestão e o agir político1
Livia De Tommasi2
Resumo
O texto apresenta os resultados parciais de uma pesquisa, de caráter exploratório, voltada a
indagar as manifestações culturais que acontecem nas periferias de três regiões metropolitanas:
Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. A percepção de que há, hoje, na sociedade brasileira, um esva-
ziamento do agir político, no sentido de um agir que explicite uma ruptura com a ordem existente
e projete alternativas de mundo possíveis, motivou a busca de outras formas de expressão do
conf‌lito. As práticas e atividades culturais periféricas são interrogadas considerando os signif‌ica-
dos políticos atribuídos pelos sujeitos envolvidos, procurando superar as visões dicotômicas para
indagar as ambivalências das práticas entre o mercado da arte e os projetos sociais, a af‌irmação da
identidade territorial e seus limites políticos, a autogestão e o empreendedorismo, a captura pelo
discurso que procura sustentar a ideia de “pacif‌icação” das periferias e a af‌irmação da alteridade,
a projeção pessoal e as possibilidades de transformação.
Palavras-chave: Periferia. Política. Movimentos Culturais. Arte Periférica. Produção Cultural.
1. Introdução
“ser pobre e ser artista é uma atitude de resistência, é uma luta contra a própria pobreza, cla-
ro, é uma porta de inserção social, é uma forma de você se sentir mais seguro, quanto mais
popular e sociável você é, principalmente quanto mais próximo você f‌ica de uma sociedade
elitista, mais você tem benefícios mesmo sem mudar suas condições econômicas, você vai
se sentir mais seguro, tudo porque: ser pobre é um crime”3
1 Uma primeira versão desse texto foi apresentada no XXVIII Congresso da Alas, em setembro de 2011.
2 Doutora em Sociologia, professora adjunta do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense
(UFF) – Rio de Janeiro – Brasil. Autora, entre outras obras, do livro Sintonia Jovem: o que pensam e desejam
os jovens brasileiros (Cultura Data/Fundação Padre Anchieta, 2008). E-mail: livia.detommasi@gmail.com.
3 Evandro Sena, músico e produtor cultural recifense, entrevista concedida no dia 23/05/2011.
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Culturas de periferia: entre o mercado, os dispositivos de gestão e o agir político | Livia De Tommasi
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Devo às longas conversas com Eleilson Leite, coordenador do programa
de cultura da ONG Ação Educativa, grande conhecedor, além de frequenta-
dor assíduo, das manifestações culturais da periferia paulista, o interesse por
pesquisar o sentido político das atividades artísticas e culturais que acontecem
nas periferias4.
A percepção de que há, hoje, na sociedade brasileira, um esvaziamento
do agir político, no sentido de um agir que explicite uma ruptura com a or-
dem existente e projete alternativas de mundo possíveis (LAZZARATO, 2004,
p. 5-15), motivou-me a ir em busca de outras formas de expressão do conito.
Como escreveu a socióloga Maria Celia Paoli, que nos anos da democratização
pesquisava e escrevia sobre os chamados “novos movimentos sociais”, hoje “téc-
nicas de controle e violência operam num mundo esvaziado da política autênti-
ca e de espaços públicos que poderiam acolhê-la” (PAOLI, 2007, p. 225).
Mas não se trata somente de contrapor um presente empobrecido po-
liticamente a um passado supostamente rico em termos de lutas políticas
contra-hegemônicas. Minha insatisfação se estendia também às leituras so-
bre os “novos movimentos sociais” que argumentavam a partir de um único
parâmetro explicativo: o de um processo de conquista de uma “democracia
ampliada” e de uma “cidadania emergente”, através da “luta por direitos” (cf.
DAGNINO 1994 e 2004). Categorias analíticas que, a meu ver, acabaram
engessando e reicando o que tentavam explicar.
Desde logo, descartei as explicações simplistas e o entusiasmo quase ro-
mântico com os quais alguns autores descrevem tudo que acontece de “bom”
nas margens geográcas e simbólicas da cidade5, procurando, nas minhas lei-
turas, ir além das visões dicotômicas para indagar as ambivalências, o que
acontece “entre”: a transgressão e a cooptação, os produtos de mercado e os
independentes, as obras originais e as repetições, a arte prossional e o ama-
dorismo. Com a convicção de que é justamente nesse “entre” que acontece o
que interessa.
Comecei com a periferia de São Paulo, onde estava morando, mas logo
minha mudança para o Rio de Janeiro e as conversas com artistas da periferia
4 A pesquisa é f‌inanciada com recursos do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científ‌ico e Tecnológico
(CNPq).
5 “Cada vez mais, a periferia toma conta de tudo. Não é mais o centro que inclui a periferia. A periferia agora
inclui o centro. E o centro, excluído da festa, se transforma na periferia da periferia.” (VIANNA, 2006, p. 12)

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