Críticas e sugestões ao combate ao crime de abuso de poder econômico

AutorRenata Carvalho Kobus
Páginas155-166

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Ver Nota1

1. A “normalidade” da prática de abuso do poder econômico

A lamentável situação de impunidade penal dos agentes que cometem o ilícito de abuso do poder econômico ocorre, principal-mente, pelo fato de nossa sociedade não possuir o costume de reprimir esse delito, ou melhor, de não considerar o abuso do poder econômico como crime, como uma conduta em desconformidade não somente com a lei, mas também com os princípios éticos e sociais. Isso porque a prática desse delito exige que o agente infrator seja detentor de poder econômico, ou seja, o agente ativo é um indivíduo que integra as altas castas da sociedade, sendo muitas vezes admirado devido ao seu sucesso profissional.

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Este status, de indivíduo rico e inteligente, acaba por afastar da mentalidade dos indivíduos a concepção de que este sujeito seja capaz de cometer delitos. As pessoas costumam fazer uma análise, se assim pode-se dizer, “lombrosiana” dos sujeitos aptos a cometerem infrações.

Ainda temos a forte concepção de que o criminoso é um indivíduo das baixas classes sociais, ignorante, e, na maioria das vezes, morador de rua e usuário de substâncias entorpecentes2. É desse tipo de indivíduo que a sociedade possui medo, não dos grandes executivos que trabalham em seus escritórios luxuosos. E esse fato é justamente decorrente da falta de punição dos “grandes” criminosos.

Nas palavras de Jorge Figueiredo Dias e Manoel da Costa Andrade3:

Pela dimensão dos danos materiais e morais que provoca, pela sua capacidade de adaptação e sobrevivência às mutações sociais e políticas, pela sua aptidão para criar defesas frustrando as formas de luta que lhes são dirigidas, a criminalidade econômica é uma ameaça séria a minar os alicerces de qualquer sociedade organizada. Daí que a intervenção de formas eficazes de luta seja hoje preocupação das instâncias governativas, judiciais, policiais, etc. de todos os países.

Enquanto os detentores do poder jurídico continuarem apenas a punir os fracos e oprimidos de nossa sociedade, milhões e milhões continuarão a serem ganhos ilicitamente pelos criminosos das altas classes sociais, o que viola, direta ou indiretamente, diver-sos direitos e garantias constitucionais.

2. A dificuldade nas provas para a caracterização do abuso do poder econômico

Em relação aos crimes econômicos4, e em decorrência da dificuldade de materialização dos danos, sendo geralmente impossí-

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vel a sua quantificação, assim como da necessidade de punição dos agentes infratores, utiliza-se o tipo de perigo abstrato.

Em relação à relevância da existência dos tipos de perigo abstrato, Cezar Roberto Bitencourt entende que, “nesta criminalidade moderna, é necessário orientar-se pelo perigo ao invés do dano, pois quando o dano surgir será tarde demais para qualquer medida estatal”5.

Nesse mesmo sentido, acerca da importância do perigo abstrato para a punição dos infratores à ordem econômica, cumpre destacar as palavras de Klaus tiedemann6:

La normativa jurídico-administrativa somete la actividad global del empresario a la fiscalización estatal, mientras que la prohibición jurídico-penal solamente alcanza al sector social-mente indeseable de esa actividad. un Derecho Penal que se limite a controlar mediante la creación de tipos penales y la persecución de hechos punibles puede ser, por lo tanto, más permisivo que una legislación administrativa sin sanciones penales.

A existência dos tipos de perigo abstrato é fundamental para a instrução probatória, uma vez que a simplifica imensamente ao não haver a necessidade da comprovação efetiva do dano. Acerca desta facilitação referente aos meios de prova7:

E é fundamentalmente devido ao facto de a criminalidade económica ser refractária a uma valoração objectiva do desvalor do resultado – este traduz-se muitas vezes unicamente numa violação da confiança no sistema econômico, como bem salienta Delmas-Marty – que o legislador sente a necessidade de considerar o mero pôr em perigo determinados bens jurídicos é um elemento do tipo (crimes de perigo concreto) ou mesmo entender que a proteção do perigo nem sequer é elemento do tipo (crimes de perigo abstrato). É evidente que principalmente os crimes de perigo abstrato facilitam enormemente a supera-

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ção das dificuldades de prova que a criminalidade económica acarreta, o que levou o legislador de muitos países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Grécia, Japão, Polônia, Suíça) a utilizarem esta forma de tipo legal do crime.

No entanto, como visto, mesmo com esta facilitação dos meios de prova, no Brasil não há punição efetiva para os crimes econômicos. Caso o crime de abuso do poder econômico fosse de perigo concreto, certamente não haveria registro de uma só condenação por esse delito.

3. Críticas e possíveis alternativas ao atual sistema

Como visto no decorrer deste artigo, o delito de abuso do poder econômico é um crime que está rumo ao desaparecimento em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista a inaplicabilidade do inciso I do artigo 4º da Lei 8.137/90.

De nada adianta a previsão legal se esta não é observada pelos aplicadores da justiça. Para que haja a punição desse delito é necessária uma mudança na cultura de nossa sociedade. Os grandes agentes econômicos também cometem crime, e, por sinal, são vários os casos nos quais sua riqueza é adquirida por intermédio da prática de condutas ilícitas.

Demonstra-se essencial a investigação de tais delitos por pessoas capacitadas e que não possuam receio ou medo de enfrentar os poderosos do crime8. tais investigações acabam sendo bem mais complexas em relação às dos demais crimes, uma vez que exige, muitas vezes, um conhecimento...

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