Critical thought, empirical research and theoretical emancipation of law/ Pensamento critico, pesquisa empirica e emancipacao teorica do direito.

AutorFalbo, Ricardo Nery
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

A ausencia de analise critica dos modelos teoricos no campo da pesquisa juridica constitui obstaculo epistemologico a producao de conhecimento cientifico. Este obstaculo esta referido a ausencia de problematizacao das funcoes teoricas e sociais dos modelos de investigacao como condicao fundamental da pratica cientifica de natureza social. A presenca de sistemas ideologicos que operam como praticas cientificas podem explicar a ausencia de analise critica. Esta situacao de negatividade epistemologica produz como obstaculo cientifico a ausencia de questionamento quanto ao processo de producao de formulacao teorica, de construcao metodologica e de investigacao empirica no interior das unidades de producao e de circulacao dos conhecimentos cientificos. Neste sentido, o estatuto de cientificidade do conhecimento juridico corresponde meramente a modelos teoricos formais de investigacao. Sao estes modelos que constituem os verdadeiros obstaculos ao desenvolvimento da pratica cientifica no Direito, principalmente quanto a questao da dimensao empirica da investigacao cientifica referida a configuracoes historicas e sociais determinadas.

Esta situacao pode tambem ser explicada como consequencia da preocupacao mais burocratica dos pesquisadores quanto ao valor da questao pratica, quanto ao papel da questao tecnica na definicao e realizacao de suas pesquisas. O obstaculo que essa circunstancia constitui para o processo de producao cientifica do Direito diz respeito menos a um diagnostico resultante do mapeamento da pesquisa juridica no Brasil em determinado periodo do que a exigencia de reflexao epistemologica no ambito da investigacao cientifica do Direito quanto ao carater tradicional e formal da matriz cognitiva vigente de forma ainda hegemonica no Pais neste inicio do seculo XXI.

A emancipacao cientifica do Direito quanto ao obstaculo definido por sua matriz cognitiva depende da intervencao da pratica epistemologica no processo de desenvolvimento da pratica cientifica. Ela pode ser descrita de acordo com a seguinte tese sobre a intervencao epistemologica na producao do conhecimento cientifico nas ciencias sociais: "Todo o desenvolvimento de uma pratica cientifica (...) pressupoe a critica e a anulacao do obstaculo epistemologico dominante, provocando, no mesmo movimento, um deslocamento na hierarquia dos obstaculos. [No Direito, este obstaculo e ainda representado pelo idealismo dos pressupostos teorico-metodologicos do positivismo e do empirismo que caracterizam sua matriz cognitiva]. Esta anulacao apenas e temporaria e parcial. Ela depende em ultima instancia da pratica social" (CASTELLS, IPOLA, 1973:24).

E a instancia da pratica social em seu sentido ampliado que define o carater materialista da epistemologia capaz de emancipar o Direito e que revela o problema da pesquisa empirica no ambito dos aparelhos institucionais (institutos e centros de pesquisa e ensino do Direito). De forma mais especifica, este problema consiste na "dificuldade" que enfrenta o Direito de reconhecer e operar no nivel mais micro das relacoes juridico-sociais concretas e investigar atores e processos sociais, ambiguidades e contradicoes sociais, relacoes e conflitos sociais referidos a configuracoes historicas determinadas. Orientado pela adocao inquestionavel do paradigma da objetividade e da universalidade da ciencia moderna, o Direito realiza ainda parte de suas investigacoes com fundamento na dicotomia que opoe ciencia e senso comum, de um lado, e objetividade e subjetividade, de outro. A ausencia de analise critica pelo Direito produz como efeito a naturalizacao da modernidade e dos campos de conhecimento que ela produz e legitima como sistemas fechados. Assim, as oposicoes modernas entre ciencia e filosofia, ciencia e senso comum definem as estruturas de organizacao e desenvolvimento dos campos de conhecimento e as estruturas de "relacionamento" entre eles. Desta forma, as formulacoes cientificas no Direito sao frequentemente produzidas de forma independente da Filosofia quanto a reflexoes sobre o proprio processo de producao do conhecimento. Esta ausencia de reflexao epistemologica--que define a tradicao da pesquisa no Direito como pratica de investigacao "idealista" e "naturalizada"--impossibilita a reflexao teorica e metodologica sobre a base material constituinte do fenomeno juridico e fundamento da pesquisa empirica nas ciencias sociais.

Por outro lado, quando o Direito busca sua emancipacao epistemologica por meio do questionamento do paradigma da ciencia moderna--e como resposta as criticas quanto a ausencia de pesquisa empirica --, o problema desta pesquisa reaparece de forma duplicada segundo o modo como a atividade critica responde pela articulacao entre a construcao do empirico "para dentro" do campo de investigacao e a realizacao do social "para fora" do campo de investigacao.

A primeira dimensao do problema diz respeito a critica da modernidade quanto a discurso que circula no mundo academico--e fora dele --e que e adotado no Direito de forma inquestionavel como paradigma critico e emancipatorio em relacao ao paradigma da ciencia tradicional. Este discurso e o do paradigma da interdisciplinaridade. Considerada como discurso critico, a interdisciplinaridade permitiria a abertura e a comunicacao entre os diversos tipos de conhecimentos. Consequentemente, o Direito teria acesso a concepcoes teoricas e procedimentos metodologicos que lhe permitiriam realizar pesquisas empiricas. No entanto, a interdisciplinaridade nao costuma ser problematizada no Direito como "ato de tensao disciplinar" (FALBO, 2010:01-18). Ela e simplesmente definida como expressao de "dialogo" entre praticas cientificas especializadas, sem questionamento quanto ao carater das contribuicoes entre os especialistas e da integracao real entre as disciplinas.

A segunda dimensao do problema esta referida a analise historica da instauracao, desenvolvimento e crise da modernidade ocidental como realidade historica de natureza ideologica que ocultou e/ou dominou as especificidades das realidades sociais latino-americanas e brasileiras. No entanto, preocupacao de natureza mais essencialista com tais especificidades tem traduzido expectativas idealizadas dos pesquisadores quanto aos fenomenos por eles investigados. Neste sentido, a "critica juridica" destes pesquisadores encontra dificuldades de ser considerada como "um saber especifico que adquiriu relativa autonomia na relacao com a totalidade social, mas que nem por isso deixa de instaurar o dialogo entre os marcos politicos do Direito e os pressupostos juridicos da politica" (WOLKMER, 2006:89). O dialogo e duplamente fragilizado, tanto dentro dos campos das teorias e dos fenomenos como entre os referidos campos, e cede lugar a rupturas de natureza ontologica que impedem seja a construcao da dimensao empirica da investigacao referida a pratica social da forma como ele existe em contexto historico e social determinado.

Quanto a primeira dimensao do problema, o empirico figura na pesquisa juridica como expressao de realidade que e referida a contextos e conjunturas historicas e sociais, que, embora determinadas, nao sao efetivamente investigados de acordo com as concepcoes teoricas e procedimentos metodologicos das ciencias sociais. Quanto a segunda dimensao do problema, o empirico e considerado como realidade construida metodologica e teoricamente com base na utilizacao de concepcoes teoricas e procedimentos metodologicos proprios dos campos de conhecimento que fundamentam a critica ao disciplinar por meio do interdisciplinar.

Pensar a emancipacao do Direito--quanto ao obstaculo epistemologico a producao e ampliacao de praticas cientificas e filosoficas no campo das pesquisas juridicas--supoe conhecer a contribuicao do pensamento critico como condicao para pensar a critica no Direito. Esta contribuicao sera analisada com base em dois conjuntos de concepcoes e argumentos. O primeiro sera representado pela teoria critica de Horkheimer e Marx; o segundo, pelo pensamento pos-colonial de Dussel e Grosfoguel. A opcao quanto a estes autores--e as tradicoes que eles representam--exclui a contribuicao efetiva da critica juridica de pensadores brasileiros, a comecar pelos trabalhos de Roberto Lyra Filho. No entanto, se "a carencia da teoria dialetica do Direito (...) e a preocupacao e a realizacao da Nova Escola Juridica Brasileira" (LYRA FILHO, 1983:77), ela nao foi superada por todas as experiencias e pensamentos que, desde a segunda decada do seculo XX no Brasil, "se aproximam e se interligam numa cumplicidade de 'critica juridica', denunciando as falacias do normativismo estatal e as abstracoes miticas do formalismo legal-dogmatico" (WOLKMER: 2006:96).

E este fato que justifica e explica o papel da visao epistemologica e da definicao teorica da pesquisa cientifica quanto a proposta de construcao de uma metodologia de investigacao para o Direito.

  1. Teorias e praticas da teoria critica

    A laboriosa atividade de colecionar, em todas as especialidades que se ocupam com a vida social, a compilacao de quantidades enormes de detalhes sobre problemas, as pesquisas empiricas realizadas atraves de enquetes cuidadosas ou outros expedientes, que, desde Spencer, constitui uma boa parte dos trabalhos realizados nas universidades anglo-saxonicas, oferecem certamente uma imagem que aparenta estar mais proxima exteriormente da vida em geral dentro do modo de producao industrial do que a formulacao de principios abstratos e ponderacoes sobre conceitos fundamentais, em gabinete, como foi caracteristico de uma parte da sociologia alema. Mas isto nao significa diferenca estrutural do pensamento (HORKHEIMER, 1980: 119).

    Esta citacao de Horkheimer define uma das condicoes de possibilidade de distincao entre teoria critica e teoria tradicional. Ela esta referida a producao da pesquisa empirica quanto a questao de natureza metodologica. Ela descreve perspectivas e praticas que opoem e aproximam anglo-saxoes e germanicos...

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