Criação do Fundo Garantidor de Créditos.

AutorAntonio Augusto Cruz Porto
Páginas265-280

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Chega-se, pois, ao cerne do estudo ora empreendido: a criação de um Fundo garantidor dos depósitos realizados em instituições financeiras - até um limite preestabelecido -, de natureza eminentemente privada e cuja constituição patrimonial decorre de aportes de recursos advindos do próprio Sistema Financeiro, denota aspectos positivos no desenvolvimento pelo qual transpassou o sistema bancário do País. Paralelamente à atividade prestamista exercida pelo Banco Central do Brasil, concebida como mola-injetora de liquidez nos bancos, engendra-se um instrumento privado de seguro-depósito objetivando a proteção da poupança popular e, por certo, da própria conjuntura do Sistema Financeiro, na medida em que sobreleva os níveis de confiabilidade da estrutura bancária.

Os regramentos de seguros-garantia de depósitos e aplicações financeiras não são totalmente novos no Brasil. A Lei 5.143/66, originária do Imposto sobre Operações Financeiras, com redação alterada pelo Decreto-lei 1.342 de 1974, dispôs então que a receita líquida derivada do IOF destinar-se-ia à formação de reservas monetárias, que poderiam ser aplicadas pelo Banco Central do Brasil na assistência às instituições financeiras em situação de insolvabilidade214. Adverte Saddi que, não sem admoestação de segmentos da sociedade civil organizada, nem mesmo sem claras acusações de escândalos com suspeitas de favorecimento a determinados clientes e banqueiros, "esse fundo de reserva foi o mecanismo largamente utilizado no saneamento de passivos de ins-

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tituições financeiras liquidadas, depois transferidas a outros conglomerados"215.

Desta maneira, após a utilização de grandes somas de dinheiro público visando ao saneamento de inúmeras instituições financeiras, notadamente no período de 1974 a 1988, houve "a sinalização da necessidade de manter alguma política de proteção aos depositantes, mas de forma transparente e sem a utilização de recursos públicos"216. Também por conta disso, a Constituição Federal de 1988 vedou a utilização das receitas oriundas do Imposto sobre Operações Financeiras para outras fontes que não o próprio Tesouro Nacional, impossibilitando vertê-las às instituições insolventes ou ilíquidas217.

Assim, no âmbito do processo de reestruturação bancária, em 31 de agosto de 1995, por intermédio da Resolução 2.197, do Conselho Monetário Nacional, autorizou-se a "constituição de entidade privada, sem fins lucrativos, destinada a administrar mecanismo de proteção a titulares de créditos contra instituições financeiras"218. Vale observar que o inciso VI do artigo 192 da Constituição Federal - revogado pela Emenda Constitucional 40/2003, porém vigente à época - já prescrevia a necessidade de criação de um fundo ou seguro ao fito de proteger a economia e garantir créditos, depósitos e aplicações até deter-minado valor, vedando a participação da União219.

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Na norma autorizativa de sua formação, importa consignar, determinou-se que as instituições recebedoras de depósitos à vista, a prazo e em cadernetas de poupança deveriam associar-se compulsoriamente à entidade220, dela participando como contribuintes. Reside aqui o ponto nodal: a constituição patrimonial do Fundo deveria ser realizada à mercê de aportes dos próprios bancos integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

No ato de criação, porém, o fundo absorveria ainda o patrimônio do Fundo de Garantia dos Depósitos e Letras Imobiliárias (FGDLI) e o patrimônio da Reserva para Promoção da Estabilidade da Moeda e do Uso do Cheque (RECHEQUE)221, os quais seriam extintos na data da transferência patrimonial222.

Foi assim que, em 16 de novembro de 1995, a Resolução nº 2.211 do Conselho Monetário Nacional decidiu aprovar o estatuto e o regulamento de criação do Fundo Garantidor de Créditos, pessoa jurídica de direito privado constituída por prazo indeterminado, sob forma de associação civil sem fins lucrativos, nos termos do atual artigo 53 do Código Civil, objetivando garantir depósitos à vista, depósitos a prazo e poupança, letras de câmbio, letras imobiliárias e letras hipotecárias, de emissão ou aceite de instituição financeira ou associação de poupança e empréstimo em funcionamento no país223.

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Logo no início de sua criação alguns temas foram objeto de constante dissenso. Apesar de a ideia tencionada à constituição de fundo de reserva de capital privado, intuindo salvaguardar os depositantes de instituições submetidas a regimes especiais de intervenção e liquidação extrajudicial, fosse inovadora e merecedora de aplausos, a Resolução inauguradora previu a possibilidade de utilizarem-se recursos advindos da Reserva Monetária - constituída, relembre-se, por depósitos originários da arrecadação do IOF - para complementar eventual deficiência financeira do Fundo Garantidor de Créditos na eventual necessidade de cobertura máxima dos depósitos efetuados em instituições insolventes. Houve, aqui, um retrocesso na caminhada adiante.

Ato contínuo, pois, editou-se a Resolução nº 2.249, de 8 de fevereiro de 1996, extinguindo a possibilidade de adiantamento de recursos líquidos, em dinheiro, da Reserva Monetária ao Fundo Garantidor de Créditos, sobretudo por conta de que à época tramitava a Ação Direta de Inconstitucionali-dade nº 1.398-0, perante o Supremo Tribunal Federal, a qual questionava justamente a utilização de recursos públicos para capitalização de um fundo privado.

A par disso, contatou-se a existência de alguns problemas de aportes financeiros e de capitalização patrimonial, de modo que o Fundo Garantidor de Créditos teve atuação mitigada nos processos de saneamento do sistema bancário brasileiro concretizados nos anos 1995 a 1997224. De qualquer

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forma, restabeleceram-se os prumos desenvolvimentistas preconizados pela criação desse importante mecanismo estabilizador, norteados pela preconcebida participação de recursos puramente privados na formação de seu capital.

Inicialmente, estimou-se que as contribuições mensais das entidades participantes do Fundo deveriam aportar 0,025% (vinte e cinco milésimos por cento) do montante dos saldos das contas correspondentes às obrigações objeto de garantia, sendo que, para fins de cálculo do valor da contribuição, deveriam ser utilizados os dados constantes no balancete do mês imediatamente anterior225. Ademais, estipulou-se que a constituição do Fundo seria proporcionada, além das contribuições ordinárias das participantes e de eventuais receitas provenientes de outras origens, (i) por taxas de serviço decorrentes da emissão de cheques sem provisão de fundos, (ii) pela recuperação de direitos creditórios nos quais o Fundo houver se sub-rogado, em virtude de pagamento de indenizações a credores cobertos pela garantia, (iii) pelo resultado líquido dos serviços prestados pelo Fundo Garantidor e (rendimentos de aplicação de seus recursos226. Na hipótese de ser verificada a insuficiência de recursos para fazer frente aos desideratos do fundo, previu-se a possibilidade de antecipação ou criação de contribuições extraordinárias por parte dos participantes227.

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De importante alusão é o fato de que a prestação de garantia pelo Fundo deveria ocorrer nas hipóteses, previamente delineadas na sua inauguração, de (i) decretação da intervenção, liquidação extrajudicial ou falência da instituição ou (ii) reconhecimento, pelo Banco Central, do estado de insolvência da instituição que, nos termos da legislação vigente, não estivesse sujeita aos regimes especiais mencionados no item anterior.

Vê-se que a característica inicial de sua criação pressupunha, unicamente, o estabelecimento de um mecanismo de segurança dos depositantes, garantindo-lhes cobertura limitada até o valor máximo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) contra a mesma instituição ou contra todas as instituições de um mesmo conglomerado financeiro. A ideia, pois, era a de preservar a maioria da população detentora de recursos econômicos, antevendo-se o fato de que os grandes investidores de recursos teriam mais facilidade de acompanhar o mercado e de filtrar os sinais de instabilidade. Porém, mais do que isso, a premissa da qual se partiu jungia a proteção da poupança popular com a estabilidade da rede bancária, colimando evitar corridas bancárias extremadas e substanciais retiradas de aportes financeiros também de outras instituições, a mitigar as crises sistêmicas.

Tanto por isso se estabeleceram alguns critérios para garantia, ao passo em que não seriam passíveis de cobertura (i) os créditos de titularidade de outras instituições integrantes do sistema Financeiro Nacional, (ii) os depósitos, empréstimos ou quaisquer outros recursos captados ou levantados no exterior e (iii) os créditos de titularidade de pessoas ligadas à instituição, assim entendidos os seus administradores e demais membros de órgãos estatutários, seus controladores e sociedades por estes controladas, direta ou indiretamente, e de coligadas sob controle comum228.

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Instituído em uma época...

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