O corpo sexuado nas relações de poder

AutorPaulo Roberto de Carvalho
CargoDoutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas56-72
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.2, p.56-72 Set.-Dez. 2018
ISSN 1807-1384 DOI: 10.5007/1807-1384.2018v15n3p56
Artigo recebido em: 15.10.2017 Revisado em 21.05.2018 Aceito em: 29.05.2018
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
O CORPO SEXUADO NAS RELAÇÕES DE PODER
Paulo Roberto de Carvalho
1
Resumo
Em Foucault, a problemática do poder comparece sempre referida à materialidade do
corpo, às suas características e potencialidades. Com a noção de poder disciplinar,
ele assinala uma vertente individualizante do poder, que atua nos corpos tendo como
objetivo torná-los úteis e dóceis. Foucault também coloca em evidência um poder que
se exerce sobre a população (a biopolítica), que reconhece a coletividade e intervém
sobre ela, especificamente sobre sua condição corporal . A partir dos referenciais
acima descritos, este estudo tem por objetivo analisar a trajetória de crescente
politização das temáticas ligadas ao corpo e à sexualidade que ganharam destaque
ao longo do século XX e que, de modo parcial, foram incorporadas ao debate cotidiano
das populações. Do ponto de vista metodológico, trata-se de estudo teórico e
qualitativo que reúne subsídios para a análise da presença recorrente das tematícas
corporais nos diferentes contextos da contemporaneidade. Dentre os resultados
obtidos tem-se que as características classificatórias do corpo humano vivo, tais como
gênero, sexualidade e faixa etária tornaram-se alvo de uma atenção permanente, seja
na forma de produção de conhecimento sobre as mesmas ou ainda como objeto de
uma sensibilização que toma o corpo em sua dimensão política inscrevendo-o, a partir
daí, nas políticas institucionalizadas e nas legislações. Como conclusão parcial chega-
se à constatação de que está em curso uma mudança normativa e valorativa de amplo
alcance que tem na questão do corpo sexuado seu eixo principal.
Palavras-chave: Biopolítica. Corpo. Poder. Sexualidade. Subjetividade.
1 INTRODUÇÃO
A produção teórica de Michel Foucault, em diferentes períodos, manteve-se
comprometida com a investigação de um objeto complexo e de difícil visualização: as
relações de poder. Suas obras dedicaram-se, de modo incisivo e continuado, a
descrever o poder, caracterizando-o a partir dos efeitos que produz sobre a vida
humana, individual e coletiva e evidenciando sua incontornável presença nas
relações sociais. O poder, tal como exposto por Foucault é um objeto histórico, ou
1
Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Docente do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia e do Departamento de Psicologia Social e Institucional da
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil E-mail: paulor@uel.br
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seja, varia através dos tempos nos seus modos de efetuação, mas também em função
do contexto social no qual se exerce. Ainda que possa variar, as relações de poder
mantiveram-se constantes nos períodos descritos pelo autor, produzindo efeitos
sociais que convergem em direção a determinadas finalidades: fazer dos corpos
humanos e da vida dos homens algo de que se possa extrair valor regularmente.
Assim, o poder mantém-se estável no que diz respeito à sua presença e efetuação,
bem como com relação aos seus objetivos. Ao caracterizar o percurso teórico adotado
por Foucault Machado considera:
Objetivo ao mesmo tempo econômico e político: aumento do efeito de seu
trabalho, isto é, tornar os homens força de trabalho dando-lhes utilidade
econômica máxima; diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência,
de luta, de insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos
de contra-poder, isto é, tornar os homens dóceis politicamente. Portanto,
aumentar a utilidade econômica e diminuir os inconvenientes, os perigos
políticos: aumentar a força econômica e diminuir a força política (MACHADO,
1996, p. xvi).
Foucault, por sua vez, elege uma perspectiva ou ainda uma abordagem
estrategicamente posicionada, que orienta suas pesquisas. A produção do
conhecimento sobre o poder comparece então como mais um instrumento na luta
contra esse mesmo poder, resgatando assim o caráter político da produção teórica. O
campo das relações de poder é marcado, assim, por uma reversibilidade permanente,
onde poder e resistência confrontam-se permanentemente, o que pode ser
caracterizado como um enfrentamento nas relações de poder. O autor considera ainda
que o poder é, antes de qualquer coisa, uma relação de forças que se estabelece no
meio social. Nas suas palavras, é necessário fazer a
Luta contra o poder, luta para fazê-lo aparecer e ferí-lo onde ele é mais
invisível e mais insidioso. Luta não para uma ‘tomada de consciência’ [...],
mas para destruição progressiva e a tomada do poder ao lado de todos que
lutam por ela, e não na retaguarda, para esclarecê-los. Uma ‘teoria’ é o
sistema regional desta luta (FOUCAULT, 1984, p. 71).
A constatação de que a vida em sociedade é permanentemente atravessada
pelas relações de poder vai se consolidando apesar de uma dificuldade já assinalada:
o poder é invisível, uma vez que se faz presente nas relações sociais, não se
separando delas. Para Foucault, no entanto, o alvo das relações de poder, seu espaço
de efetuação, onde ele se mostra e se manifesta, não tem nada de oculto ou invisível.
Trata-se da vida humana na sua materialidade constituinte, ou seja, dos corpos
humanos que a ordem social capitalista pretende utilizar e deles extrair valor.
Vejamos: “Na verdade, nada é mais material, nada é mais físico, mais corporal que o

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