Cooperação Brasil-Moçambique: uma história de cinema ? entrevista com Chico Carneiro
Autor | Elsa Sousa Kraychete |
Cargo | UFBA |
Páginas | 688-704 |
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 245, p. 688-704, set./dez., 2018 | ISSN 2447-861X |
doi>: 10.25247/2447-861X.2018.n245.p710-716
COOPERAÇÃO BRASIL-MOÇAMBIQUE: UMA HISTÓRIA DE
CINEMA ENTREVISTA COM CHICO CARNEIRO
Elsa Sousa Kraychete (UFBA)
Resumo
Chico Carneiro, cineasta brasileiro, nascido no Pará, vive em Moçambique há 32 anos. Com uma câmara na mão
já percorreu o país de Norte a Sul, Leste a Oest e captando imagens, dando eco a histórias de vida e luta de
moçambicanos que reivindicam direitos. Nesta entrevist a, além da trajetória do cineasta, vem à tona a
centralidade que o cinema, desde a independência do país, tem na educação da população. É por meio do
cinema que aspectos da história recente de Moçambique vão sendo revelados nesta entrevista.
Elsa Sousa Kraychete: Você é brasileiro e vive aqui há bastante tempo, como foi essa travessia?
Chico Carneiro: Depois da independência, o governo de Moçambique criou o Instituto Nacional de
Cinema. O Samora Machel apostou fortemente na utilização da ima gem para a criação do homem
novo, para a divulgação das conquistas da independência. Na época, o cinema era feito em película,
que dependia de uma grande infraestrutura.
A película implicava ter um laboratório para revelar o filme negativo. Depois de revelado, fazia-se
cópia, obtendo um positivo, chamado de copião. Só depois de editado o filme nessa cópia de
trabalho, incluindo o som, montava-se o negativo, a partir da cópia de trabalho, e, depois, faziam-se
as cópias que eram exibidas no país, pelos cinemas. É um processo... fazer cinema em película
precisava de infraestrutura que era cara.
O Rui Guerra, que é moçambicano de nascença, mas saiu daqui muito jovem, com 20 anos, foi estudar
cinema em Paris e, depois, foi para Brasil e construiu a sua carreira como diretor de cinema no Brasil.
Ainda está vivo, ainda bem, é um homem de esquerda e que sempre procurou promover a igualdade,
a que todos procuramos, pelo menos eu também procuro.
Elsa: Continuamos na busca...
Depoimento concedido a Elsa Sousa Kraychete, em 27 de novembro de 2015, durante realização de trabalho
de campo em Maputo para e xecução do projeto O Brasil na cooperação Sul-Sul: a América do Sul, África e
BRICS (FAPESB/CNPQ - 009/2014).
Professora do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos/UFBA, atua no Programa
de Pós-Graduação em Relações Internacionais e no Núcleo de Pós-graduaçã o em Administração.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 245, p. 688-704, set./dez., 2018 | ISSN 2447-861X
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Cooperação Brasil-Moçambique: uma história de cinema Entrevista com Chico Carneiro | Elsa Sousa Kraychete
Chico: Então, Rui Guerra, que já era um nome famoso no Brasil, veio para cá, na condição de
moçambicano e na condição de acreditar no processo revolucionário, para assessorar o Ministro da
Informação, nas políticas que iriam conduzir o Instituto Nacional de Cinema. Não foi só ele, também
vieram outros, por aqui andou e passou muita gente importante, gente famosa, que também veio
vender o seu peixe. Um grande cineasta francês, o Jean Luc Godard, e o Jean Rouch (o pai do cinema
antropológico) também estiveram aqui.
Foi um laboratório bem interessante para muita gente. Foi criada uma empresa privada que tinha três
sócios: o Rui Guerra, o Estado moçambicano - via uma empresa chamada Socimo que era uma
empresa que o Estado tinha para atuar no comércio externo - e o In stituto Nacional do Cinema, que
era e continu a sendo o órgão que tutelava quem quisesse trabalhar com a imagem aqui em
Moçambique, subordinado ao Ministério da Informação, na altura. Foi, então, criada essa empresa,
chamada Kanemo, que, para simplificar, era uma empresa privada num país socialista! Este era o
conceito da empresa. Uma empresa que tinha que ter lucro. Fazer filme para ter lucro, vender filmes
para fora do país e possibilitar coproduções com outros países. Então, eu vim contratado para
trabalhar nessa empresa.
Elsa: E, como você entrou em contato, a partir do Brasil, com o pessoal que fazia cinema aqui?
Chico: Quem me contratou foi o diretor da empresa, que era um dos técnicos que tinha vindo
colaborar com o Instituto de Cinema, chamado Labi Mendonça. Ele me contratou, mas a gente não
se conhecia. Ele conhecia outra pessoa, também cineasta e amigo comum, e, por esse intermédio, ele
perguntou se eu não poderia vir. Eu estava interessado e vim parar aqui.
Elsa: Você continua nesta empresa?
Chico: Não, eu saí da empresa. Depois de alguns anos, cinco se não me falha a memória, e, com a
substituição do Labi por um diretor moçambicano, o meu contrato não foi mais renovado.
Posteriormente, a empresa acabou falindo.
Eu fiquei aqui, outros amigos brasileiros, colegas que trabalharam na empresa retornaram pro Brasil
e eu fiquei, me associei com amigos moçambicanos e montamos outra empresa produtora de filmes.
Até 2012, fiquei nessa nova empresa, depois, me separei, criei outra empresa só minha.
Elsa: qual é o nome da empresa anterior e da atual?
Chico: A anterior era Promarte e a atual chama-se Argus. Fazer cinema aqui, em Moçambique, é um
eterno exercício. Costumo dizer: eu estou sempre desempregado.
Elsa: Um eterno recomeço...
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