A Constituição "Cidadã" de 1988 e a redemocratização

AutorNourmirio Bittencourt Tesseroli Filho
CargoProfessor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Páginas21-23

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Introdução

Certa feita, em sessão da Assembléia Nacional Constituinte, bradou o saudoso Ulysses Guimarães:

"Esta Constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo."

Fato triste, porém, é que alguns dias após o quarto aniversário da aludida Constituição, o helicóptero que transportava Ulysses Guimarães sofreu uma queda depois de sair de Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro. Não obstante o corpo do deputado Ulysses não tenha sido encontrado, seu passamento foi oficialmente reconhecido.

Ulysses desapareceu em 12 de outubro de 1992, mas a sua sonhada cria, batizada por ele de Constituição cidadã, ainda vive - assegurando a todos os brasileiros direitos e garantias fundamentais ignorados durante duas décadas de regime militar.

20 e poucos anos

Há 20 anos o Brasil foi apresentado à Constituição Federal de 1988, apelidada pelo "Senhor Diretas" de Constituição cidadã, tendo em conta a ampla participação do povo durante a sua confecção.

Na sessão da Assembléia Nacional Constituinte, em 27 de julho de 1988, discursou Ulysses Guimarães, à época deputado federal: "Repito: essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria".

E ele tinha razão. Embora muitos brasileiros ainda estejam na completa miséria, "segregados nos guetos da perseguição social", não se pode negar que a Carta de 88 foi a que apresentou maior legitimidade popular.

Dentre diversas características, a CF/88 contempla vários deveres para o Estado - obrigações passíveis, em princípio, de serem exigidas pela população. E esse é um dos motivos da Carta Magna ter recebido o apelido de "Cidadã" pelo Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, conhecido como "Senhor Diretas" ou "O Grande Timoneiro", figura ilustre da política brasileira.

Com o término do período de ditadura militar, José Sarney, sucessor de Tancredo Neves, encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de emenda à Constituição de 1969, que resultou na EC n. 26, de 27 de novembro de 1985. Tal emenda convocou a supracitada Assembléia Nacional Constituinte, composta pelos próprios deputados federais e senadores da época, ao mesmo tempo, congressistas e constituintes - muitos deles vítimas dos abusos e arbitrariedades cometidos durante o regime militar ditatorial.

A mencionada Constituinte, instalada no dia 1º de fevereiro de 1987, veio a concluir seus trabalhos tão-somente em 5 de outubro de 1988, com a promulgação, sob a proteção divina, da atual Carta Republicana.

"Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil", bradou Ulysses Guimarães, símbolo das "Diretas".

Mudanças

Já se passaram mais de 20 anos da promulgação da liberal e democrática Carta Cidadã. De lá pra cá muitas alterações ocorreram, desfigurando boa parte do trabalho laborioso do constituinte originário de 1988.

O texto original foi modificado 56 vezes - trabalho realizado pelo poder constituinte derivado reformador, com capacidade de alterar o ordenamento constitucional vigente, por meio de um procedimento específico, fixado pelo poder constituinte originário.

De se notar que Ulysses Guimarães tinha como certa a ocorrência de futuras emendas. Ao apresentar a nova Carta ao povo brasileiro, afirmou:

"Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada até por maioria mais acessível, dentro de cinco anos. Não é a Constituição Page 22 perfeita, mas será útil e pioneira e...

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