Conhecimento e categorias do pensamento crítico

AutorLuiz Fernando Coelho
CargoFilósofo e jurista
Páginas140-158
SELEÇÃO DO EDITOR
140 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 662 I FEV/MAR 2020
Luiz Fernando CoelhoFLÓSOFO E JURSTA
CONHECIMENTO E CATEGORIAS
DO PENSAMENTO CRÍTICO
Leia o primeiro capítulo do livro ‘Teoria Crítica do Direito’, clássico
daliteratura jurídica, cuja 5ª edição acaba de ser lançada; obra
influenciou ativismo judicial
Aracionalidade induz o ser humano a
não somente perceber os objetos ex-
teriores mediante os sentidos, como
também a vivenciá-los por meio da
inteligência. Esse contato intelectual
não se exaure nas sensações nem nas reações
emocionais provocadas pelo objeto, mas per-
manece após o desaparecimento delas, ao se
prolongar nas representações mentais e con-
ceitos.
Pelas representações, o homem se relaciona
com as coisas, distinguindo-as como indivíduos;
pelos conceitos, elas como que se indeterminam,
pois a relação intelectual que então se produz
leva à supressão dos detalhes característicos
da individualidade. A abstração é progressiva,
de sorte que os conceitos dela resultantes são
mais gerais ou menos gerais em relação a essas
características. Existe, destarte, uma graduação
entre a imagem que mentalmente se obtém de
alguma coisa e os diversos conceitos que a re-
presentam, os quais ostentam um grau crescen-
te ou decrescente de generalidade. Assim sendo,
é o grau de abstração que determina a maior ou
menor generalidade de um conceito.
No nível gnósico, quem atua nesse processo
de apreensão intelectual é o sujeito, e tudo o
que constitui o receptáculo daquela apreensão,
tudo o que revela o ser, passa a formar o objeto,
sendo a síntese entre ambos realizada pelo con-
ceito. Reduzem-se a três, portanto, os elementos
da atividade intelectual do conhecimento: o su-
jeito, o objeto e o conceito.
Uma das primeiras controvérsias do pensa-
mento f‌ilosóf‌ico radica justamente na relação
que se estabelece entre esses componentes,
sustentando-se a prevalência ora do sujeito, ora
do objeto. É um problema que dividiu a f‌ilosof‌ia
moderna entre empiristas e racionalistas, con-
forme se enfatizava ou a objetividade a que se
chega com base na experiência, ou a subjetivi-
dade da razão como fator determinante, senão
exclusivo, do acesso intelectual ao objeto.
A questão primordial acerca da origem e pos-
sibilidade do conhecimento separa os f‌ilósofos
entre céticos, dogmáticos e empiristas. Para o
Rev-Bonijuris_662.indb 140 15/01/2020 15:10:34
Luiz Fernando CoelhoSELEÇÃO DO EDITOR
141
REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 662 I FEV/MAR 2020
O empirismo af‌irma que o conhecimento se origina da prática e a ela
se limita, considerando a possibilidade de dois tipos de experiência,
uma externa (a das sensações) e outra interna (a da relexão)
ceticismo, cujas raízes remontam à sostica, é
dubitável a correspondência entre o ser e o co-
nhecer, uma vez que não há evidências de que
os estados de consciência característicos do
saber sejam objetivos e correspondam ao que
verdadeiramente é. Além disso, não é possível
comprovar se os princípios que o senso comum
aceita como evidências primárias, como o de
identidade, por exemplo, sejam imanentes ao
ser ou uma criação do conhecer.
O dogmatismo, ao contrário, af‌irma a ocor-
rência de verdades fundamentais, que condicio-
nam toda a ulterior aproximação ao que pode
ser tido por verdadeiro. Essas verdades basila-
res, que foram erigidas pelo racionalismo à con-
dição de pressupostos de todo o pensamento
científ‌ico, reduzem-se a três: um fato primeiro,
indemonstrável – eu existo; um princípio pri-
meiro, evidente por si mesmo – o ser não pode,
ao mesmo tempo, não ser; e um axioma essen-
cial, também indiscutível – eu sou apto a co-
nhecer o ser. Essa postura, cuja expressão mais
notável se assenta no Discurso sobre o Método
de Descartes, foi desenvolvida ao extremo no
ambiente da escola racionalista de Wolf‌f.1
Em direção oposta, o empirismo af‌irma que
o conhecimento se origina da prática e a ela
se limita. Entretanto, considera a possibilida-
de de dois tipos de experiência, uma externa
consubstanciada nas sensações e outra inter-
na evidenciada na ref‌lexão, dividindo-se os
empiristas em dois grupos: os que se limitam
à conotação externa, negando validade à in-
terna, e os que aceitam ambas as formas como
válidas. Na primeira direção temos o sensua-
lismo de Condillac e na segunda encontramos
as concepções gnosiológicas de Locke, Hume e
Stuart Mill. Para este, todas as formas de saber,
incluindo as matemáticas, os primeiros princí-
pios e as leis que regulam o pensamento, são
dados empíricos. Para John Locke, todos os da-
dos podem ser reduzidos a simples percepções
que a alma primitivamente vazia de conteúdo
recebe, o que não impede que os raciocínios
matemáticos tenham valor independente. Na
visão desse pensador, é possível a formulação
de noções complexas a partir das ideias sim-
ples, mediante a vivência interna da ref‌lexão,
valendo-se dos procedimentos lógicos de com-
binação e generalização.
Rev-Bonijuris_662.indb 141 15/01/2020 15:10:34

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT